Desde tempos muito antigos, quando o grande rio São Francisco serpenteava majestoso pelo sertão, duas aldeias viviam unidas como irmãs: Porto Real do Colégio e São Braz, nas terras quentes de Alagoas. Eram tempos das missões jesuíticas, quando os Kariri-Xocó aprendiam a resistir, a transformar e a preservar sua essência, mesmo entre as cruzes e espadas que insistiam em redesenhar o destino.
Dizem os anciãos que as aldeias foram unidas não apenas pela geografia ou pela história escrita nos papéis dos brancos, mas pela alma dos povos que sopravam, dia após dia, o Toré, ritual sagrado, onde se canta, dança e se vive o espírito ancestral. No Toré, um homem destacava-se: Surété, aquele a quem chamavam o Soprador Mágico Verdadeiro um tocador de buzo instrumento de sopro do toré.
O João Nunes de Oliveira foi uma pessoa muito dedicado aos estudos e também muito devoto a religião católica, acho que ele queria mesmo era aprender a profissão de professor. Os indígenas de Alagoas e da Aldeia de Colégio perdeu autonomia como povoação nativa em 1873.
Segundo a tradição João Nunes de Oliveira fez parte das últimas turmas que estudaram no Colégio já em ruínas na antiga aldeia, assim se tornou um bom instrutor e professor posteriormente. Talvez tenha estudado em Penedo para completar seu estudos, considerando que a Aldeia do Colégio fazia parte da cidade de Penedo.
A Freguesia de São Braz foi criada pela lei n⁰ 702 de 19 de maio de 1875 desmembrada de Collégio do Porto Real. A Província de Alagoas designou para a Freguesia o vigário encomendado Padre Virissimo da Silva Pinheiro; Juízes da Paz: Luiz José Bezerra, José Antônio da Silva...; Professores Públicos: João Nunes de Oliveira e D. Tertulina Maria Tavares; Subdelegados de Polícia: André de Farias Lima; Supplentes: Luiz Vieira Dantas, Antônio Francisco Tavares....
Surété sabia que seu nome carregava o peso e a leveza de muitas gerações: era o mestre do sopro que acordava os espíritos, o Duboherí, o condutor do ritmo, aquele que fazia vibrar a trombeta mágica do Toré, convocando todos à roda da tradição. No som que ele extraía de seu instrumento, havia o eco das matas, o murmúrio das águas e a firmeza das raízes que se enterravam fundas no solo de Porto Real do Colégio.
Surété chamava-se também João Nunes de Oliveira, nome que os homens das leis escreveram nos livros, mas, na língua do povo, ele sempre foi Surété, filho da linhagem dos que nunca se calaram. Como professor na Freguesia de São Braz, desmembrada de Porto Real em 1875, ensinava as letras e os números, mas também ensinava, em segredo, as histórias, os cantos e os segredos do sopro que não podiam ser esquecidos.
De Surété nasceu Manoel Nunes Suré, também conhecido como Manoel Batyté, "o indígena da linhagem verdadeira". Como o pai, também soube guardar a tradição, e passou o bastão ao seu filho, Alírio Nunes Suré, que, por sua vez, transmitiu ao seu filho Nhenety, o guardião das memórias e das palavras que agora se transformam em conto.
Dizem que, quando Surété soprava sua trombeta no Toré, os espíritos ancestrais dançavam invisíveis ao redor da fogueira, e o povo sentia a força do seu sangue pulsar ainda mais forte. Assim, a tradição oral seguiu seu curso, como o próprio Velho Chico, caudaloso e imortal, preservando o nome, o sopro e o ritmo.
Entre mestres e discípulos, entre nomes portugueses e nomes sagrados, uma verdade permanece: o Duboherí, o mestre, nunca morre. Ele se transforma no sopro, no canto e na memória viva de um povo.
E assim, até hoje, na terra de Porto Real do Colégio e São Braz, quando o Toré é dançado e o sopro mágico atravessa o ar quente da aldeia, dizem que é Surété quem ainda sopra, guiando os passos, ensinando os ritmos e mantendo viva a alma Kariri-Xocó.
FONTES:
ALMANAK da Província de Alagoas (AL). 1873 a 1880. DocReader Web. Disponível em: https://memoria.bn.br/DocReader/DocReaderMobile.aspx?bib=706035&PagFis=686&Pesq=uni%C3%A3o%20mercantil. Acesso em: 6 jun. 2025.
ORAL TRADIÇÃO. Povo Kariri-Xocó, através de das histórias nas fogueiras com anciãos. Entre 1980 a 1990. Porto Real do Colégio, Alagoas.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Nenhum comentário:
Postar um comentário