sábado, 14 de junho de 2025

DUMYSÃ, A Fogueira Digital







Em tempos de distanciamento e incertezas, quando o mundo parecia girar mais devagar, algo novo começou a arder — não em cinzas ou lenha, mas em cabos, telas e sinais invisíveis. Era o ano de 2020, o tempo em que o coronavírus silenciou ruas, interrompeu festas e separou corpos. Mas nem mesmo ele foi capaz de apagar a chama dos encontros humanos.


Foi nesse cenário que nasceu Dumysã, a Fogueira Digital.


No coração de Ilhéus, na Bahia, a ONG Thydêwá seguia viva, pulsante, feita de pontes entre povos indígenas e não indígenas, entre o Nordeste do Brasil e outros cantos do planeta. De dentro de suas casas, homens e mulheres conectavam-se por janelas de vidro eletrônico, unidas não mais por estradas de terra ou barcos em rios, mas por sinais que cruzavam o céu.


Entre os rostos que surgiam nas reuniões online — ou “lives”, com Sebastian presidente da Thydêwá e os sócios da ONG de algumas aldeias do Nordeste do Brasil 

 entre eles Nhenety Kariri-Xocó. 


🔥 O Fogo Tradicional e o Fogo Digital


Certa noite, em mais uma dessas rodas digitais, Sebastian olhou para Nhenety através da tela e perguntou, curioso:


— O que você sente nessas lives, irmão? O que elas são pra você?


Nhenety sorriu com serenidade e respondeu como quem ouve a voz dos antigos:


— São nossas fogueiras digitais.

Antes, nossos povos se reuniam ao redor do fogo para conversar, decidir, compartilhar.

Agora, esse fogo ganhou outro corpo, outra forma.

Mas ainda é o mesmo espírito.


Os olhos de todos brilharam como brasas. Era verdade. As telas iluminavam como as chamas da fogueira, aquecendo corações dispersos e criando um novo círculo — não mais apenas local, mas planetário.


A ONG Thydêwá a responsável por esse projeto, que contou com o apoio da Neoenergia Coelba e do Instituto Neoenergia. 


A iniciativa utiliza recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Estado da Bahia (Fazcultura), por meio do Edital Transformando Energia em Cultura da Neoenergia 2023. 


Posteriormente outros projetos da Thydêwá estava Karina Desana, da Amazônia; Elder e Kadu Xucuru, do Pernambuco; e Nhenety Kariri-Xocó, filho do São Francisco, guardião das palavras antigas.


🧒🏾 A Pergunta dos Jovens


No ano 2024 durante o estudo da língua Kariri no grupo OKAX de WhatsApp durante uma conversa com jovens Kariri-Xocó por um deles perguntou:


— Nhenety, como se diria “Fogueira Digital” na língua Kariri?


O ancião pensou, como quem ouve um sussurro vindo do tempo, e disse:


— Seria Dumysã.

“Du” é fogo.

“Mysã” é mão.

Porque é com as mãos que cuidamos do fogo, que o alimentamos, que o mantemos vivo.

E agora, são nossas mãos que digitam, clicam, tocam... acendendo esse novo fogo que nos une.


E assim nasceu o nome. Dumysã.

A palavra antiga para um conceito novo.

A tradição que não se apaga, mas se transforma.


🌍 Uma Fogueira para o Mundo


Na tela acesa de cada lar, lá estava ela: a chama dos povos que jamais se apagam.

Dumysã ardia firme, provando que nem a distância, nem a pandemia, nem o tempo seriam capazes de silenciar os que sabem escutar o fogo — seja ele de lenha, seja ele de luz.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






 

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