No tempo em que as nuvens carregavam apenas chuva e não sinais digitais, o som das vozes corria livre pelos caminhos de terra, pelos rios e pelas palavras ditas ao pé do ouvido. Na Rua dos Índios, em Porto Real do Colégio, as novidades chegavam com o vento, os barcos e os passos apressados de quem tinha algo urgente a dizer.
Foi numa tarde quente de novembro, em 1972, que algo novo se ergueu no horizonte da nossa aldeia. Lá na Rua da Aurora, uma torre metálica apontou para o céu como se quisesse conversar com as estrelas. A Estação Terrena da TELASA havia sido instalada. A cidade agora estava ligada ao mundo.
De nossa casa, dava para ver a torre em direção ao leste. Curioso e maravilhado, fui até o velho Iraminõ, sábio guardião das palavras da nossa gente, conhecedor profundo da língua Kariri.
— Seu Iraminõ, o telefone chegou na cidade! — contei.
Ele ouviu com calma, olhos semicerrados de lembrança.
— Já vi um desses... muitos anos atrás, em Penedo.
Então perguntei:
— E como se chama esse aparelho em nossa língua?
Iraminõ sorriu com leveza e disse:
— Chamamos de Beɲeokli, que quer dizer "falar na orelha". É formado por Beɲe, que é orelha, e Toklikli, que é falar.
E assim, por muitos anos, o Beɲeokli serviu nossa comunidade. Era o fio invisível que unia parentes distantes, que trazia notícias da capital, que nos fazia rir e chorar com vozes do outro lado do mundo.
Mas o tempo não para, nem para os ventos, nem para os aparelhos. O telefone mudou, encolheu, perdeu os fios e ganhou novas funções. Trazia câmera, rádio, internet, aplicativos de toda ordem. E estava, agora, sempre ao alcance das mãos.
No ano de 2017, um grupo de jovens da aldeia veio me entrevistar. Era um trabalho de pesquisa sobre o telefone celular. Um deles, chamado Kayany, me perguntou:
— E como seria o nome desse aparelho novo em nossa língua, Nhenety?
Refleti. Os tempos tinham mudado, mas a raiz da nossa fala permanecia viva.
— No tempo do velho Iraminõ, o telefone analógico era o Beɲeokli, "falar na orelha". Mas agora ele é digital, cabe na palma da mão e fala com o mundo todo. Podemos chamá-lo de Tokliddaysã, que significa "falar com o mundo na mão".
Expliquei:
Toklikli é "falar", Radda é "mundo", e Mysã é "mão".
Os olhos dos jovens brilharam. Saíram satisfeitos com a resposta, levando não só o nome, mas também o espírito daquilo que carregavam no bolso.
E assim ficou: o telefone celular, em nossa língua, é Tokliddaysã —
Falar com o mundo na mão.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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