Um Conto Sobre Aprender a Contar
Era fim de tarde na aldeia. O vento soprava suave entre as palhas das malocas e o cheiro do mingau de milho se misturava ao som dos pássaros voltando para seus ninhos. Sentada à sombra de um juazeiro, a menina Tainá observava a avó Mainá trançar um cesto de folhas de carnaúba. Seus olhos brilhavam de curiosidade.
— Mainá... como é que a gente aprende a contar na nossa língua? — perguntou, com a voz doce de quem carrega sede de aprender.
A anciã sorriu com ternura, seus olhos guardavam memórias antigas.
— Ah, minha netinha, vou te ensinar do jeito que aprendi com minha mãe, e ela com a mãe dela... Isso se chama Bohé Worobü, o ensino de contar. Nosso povo sempre usou o corpo para aprender, porque o corpo é a nossa primeira escola. Olhe aqui minhas mãos — disse, estendendo os dedos finos e firmes — elas são chamadas Mysã. E os nossos pés, que nos carregam pelo mundo, são os By. Com eles, a gente chega até o número vinte.
Tainá sorriu, prestando atenção enquanto a avó começava a mostrar:
— Um dedo é bihé...
A menina repetiu com alegria:
— Bihé!
— Dois é wacháni... três, wachanidikié... quatro, sumarã orobae... — e a avó continuava, apontando para cada dedo.
— Cinco? — perguntou Tainá, contando os dedos da mão.
— Ah, cinco já é especial. Dizemos: mŷ bihé misã saí, que quer dizer "levar uma mão para ele". — Mainá riu, tocando a mão da neta.
— E se eu quiser dizer seis?
— Então acrescentamos mais um dedo à mão. Dizemos mŷreprí bubihé misã saí, levar uma mão com mais um dedo para ele.
— E sete?
— Sete é mŷreprí wacháni misã saí, uma mão mais dois dedos. E assim por diante...
Enquanto ensinava, Mainá pegava pequenas sementes e colocava uma a uma sobre o cesto, ajudando Tainá a visualizar os números.
— Quando a gente chega em dez, dizemos mŷcribae misã saí, levar todas as mãos para ele. E se usamos também os pés, chegamos a vinte: mŷcribae misã idehó ibŷ saí, levar todas as mãos incluindo os seus pés para ele.
Tainá ficou maravilhada.
— Então se eu estiver com minha prima, nós duas juntas, podemos contar até quarenta?
— Exatamente! — respondeu Mainá, orgulhosa. — Nosso povo sempre foi criativo. Se tiver mais pessoas, podemos contar o mundo inteiro com as mãos e os pés.
As duas riram juntas. O sol começava a se esconder no horizonte, tingindo de ouro o céu do sertão. Naquele instante, Tainá não aprendeu só a contar. Aprendeu que números também carregam memória, afeto e ancestralidade.
E assim, sob o juazeiro, uma geração passava seu saber à outra — como o rio que segue, levando consigo a canoa dos antigos.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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