quinta-feira, 17 de julho de 2025

BOHÉ SUBATEKIÉ, A Transmissão do Conhecimento






Um Conto Sobre Conhecimentos 


Na aldeia de Natiá, onde as árvores da caatinga se curvam ao vento e os rios cantam histórias antigas, o jovem Tiré, de olhos curiosos como os de um beija-flor, caminhava ao lado de seu avô Duboré, um dos últimos Duboherí – mestre da sabedoria ancestral.


Era o dia da grande fogueira. Ao entardecer, todos se reuniam ao redor do fogo sagrado para ouvir histórias, aprender os ofícios e cantar os cantos do povo. Ali começava mais um ciclo de aprendizado. Era o Bohé, o momento de ensinar. Era o Subatekié, a semente da sabedoria sendo entregue de coração a coração.


— Tiré, hoje tu vais aprender como os antigos caçavam com arco e badoque — disse Duboré, oferecendo ao neto um pequeno galho reto da jurema-branca. — Mas antes, escuta o canto do vento. Ele te mostra por onde corre o veado, por onde salta a cutia.


Tiré pegou o galho, cheirou a madeira, e seu avô sorriu. Ali não era só o arco que estava sendo passado. Era o olhar, o silêncio da espera, o respeito pela floresta.


Enquanto isso, a avó Inhaná, mulher sábia das panelas e da cura, ensinava às meninas mais novas a modelar a argila: potes, panelas, pratos, tudo ganhava forma sob as mãos das anciãs. Ela dizia:


— A argila é como a nossa memória. Mole no começo, mas firme quando queimada no fogo da vida.


No roçado, o tio Kauiri mostrava aos rapazes como plantar o milho e a mandioca. Fazia o gesto com as mãos, enquanto dizia:


— O solo escuta o nosso coração. Se plantar com raiva, ele se fecha. Se plantar com amor, ele brota até no tempo seco.


Mais adiante, sob uma árvore grande, a jovem Yaratá ajudava as crianças a confeccionar bonecas de milho, arcos de brinquedo, e pinturas com urucum. O riso das crianças se misturava aos sons dos maracás e buzos, que os adolescentes aprendiam a construir com o velho Tamoré, o fabricante de música.


À beira do rio, pescadores experientes mostravam como usar a kuwú, o jereré, e as tarrafas, enquanto contavam histórias dos peixes encantados e da mulher-água que só aparece em noites de lua cheia.


E à noite, sob o luar, o contador de histórias Paraní se levantava. Sua voz era macia como o vento da madrugada, e dizia:


— Tudo isso que aprenderam hoje, crianças, é só metade do saber. A outra metade está no sonho. Dormir também é aprender.


Assim se formava o conhecimento do povo Kariri-Xocó. Não havia caderno, mas havia memória. Não havia prova, mas havia prática. E a aldeia inteira era escola, onde cada canto ensinava algo: das conchas e ossos dos animais, colhidos pelos catadores de ornamentos, às danças sagradas do Toré, aos cantos que ecoavam no corpo pintado.


Tiré, que começou o dia ouvindo o vento, dormiu nessa noite com o coração cheio. Sonhou que era um grande Duboherí, ensinando à próxima geração.


E assim o ciclo continuava.


No povo de Natiá, ensinar era viver.

E viver era não deixar morrer o que os ancestrais plantaram com tanto amor.




Autor : Nhenety Kariri-Xocó 




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