Um Conto Espotivo Kariri-Xocó
Era verão no Opará. O sol brilhava como um olho encantado sobre as águas, e o vento que descia pelas margens do rio trazia risos, cantigas e cheiro de peixe fresco. As pedras aquecidas pareciam acolher os pés de quem ali passava, e a areia morna anunciava o tempo das brincadeiras.
Ali, entre capinzais e remansos, o povo Kariri-Xocó se reunia. Crianças corriam com os cabelos ao vento, as mulheres lavavam roupa e trocavam histórias, e os mais velhos observavam em silêncio, com os olhos cheios de lembranças. Era tempo de Cropodzú — o tempo de lutar na água.
— Cropodzú! — gritou um menino, com os olhos acesos de alegria.
Logo se formaram os pares. Dois rapazes ergueram os amigos sobre os ombros, firmes até a cintura dentro d’água. As moças, rindo, fizeram o mesmo. Os corpos reluziam ao sol, e os corações pulsavam como tambores. O desafio era simples, mas ancestral: derrubar o outro com equilíbrio, força e risos. Quem caísse, ria também — pois ali, vencer era participar.
O nome da brincadeira ecoava como encantamento: cropobó, que é lutar, e dzú, que é água — palavras vivas da língua Kariri. Cropodzú era mais que um jogo. Era memória líquida, era elo entre os jovens e os antigos, era o modo do rio ensinar.
Sempre que o calor esticava as horas, as lutas aquáticas se multiplicavam. E o Opará acolhia todos com seu corpo d’água generoso. O rio era tudo: peixe, banho, conversa, sustento e festa.
Mas o tempo mudou.
Veio a água encanada em 1997. Vieram as barragens, os muros frios das hidrelétricas. O Opará, antes cheio de voz e vida, foi silenciando. Suas águas recuaram, sua alegria também. O Cropodzú foi ficando raro, feito canto esquecido entre as pedras.
Hoje, escrevo esta história para que os ventos a levem às novas gerações. Para que as águas escutem e, um dia, voltem a cantar. Que o Cropodzú, luta brincante das águas, nunca desapareça da alma do nosso povo.
Porque lutar na água é também lutar pela memória.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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