terça-feira, 8 de julho de 2025

DABUKASÁ, A Galinha Gorda






Um Conto Sobre a Natação 


Na beira do grande Opará, onde o rio corre do norte para o sul até encontrar o mar, vive nosso povo Kariri-Xocó. As canoas deslizam como flechas na água, os peixes pulam entre as pedras, e as garças brancas dançam no céu.


É ali, nos barrancos da aldeia, que a alegria da infância faz morada.


Quando o sol esquenta a areia e o vento canta nos bambuzais, a meninada desce correndo em festa. É hora de brincar de Dabukasá, a Galinha Gorda. Um de nós se oferece, pega um pedaço de pau e grita com força:


— Galinha gorda!


E todos respondem:


— Gorda!


O voluntário continua:


— Para o meio ou na beirada?


E a criançada, num coro só:


— Para o meio!


Então, o pedaço de pau é lançado longe, nas águas do rio, como um desafio. Começa a corrida! Quem alcançar primeiro o pau boiando vence a brincadeira. Risos, respingos, gritos de vitória. A alma da infância molhada nas águas do Opará.


Mas essa história não é só brincadeira.


Certa tarde, o menino Tarinã, curioso como são os bons aprendizes, se aproximou do velho Marã, que estava sentado à sombra do jatobá.


— Senhor Marã, disse o menino com respeito, me disseram que a galinha, a dabuká, foi trazida pelos brancos. E essa nossa brincadeira, a Dabukasá, também veio deles?


O velho sorriu com os olhos fechados, como quem busca nas raízes do tempo uma resposta.


— Olha, Tarinã, isso eu não alcancei não. Mas escuta bem… Antes da galinha do branco chegar por aqui, nós, Kariri, já tínhamos o Poeba, o Jacu. Essa sim, era nossa galinha verdadeira. Possa ser que, antes da dabuká, já existisse a brincadeira com o Poeba. Mas naquele tempo eu ainda nem era nascido.


— Então… a galinha virou nossa também? — perguntou Tarinã.


— Virou sim, meu filho. A gente não rejeita o que chega — a gente acolhe e transforma. A galinha hoje é Kariri também, porque entrou na nossa vida, no nosso roçado, na nossa panela, e até na nossa brincadeira. Ela virou tradição.


Tarinã olhou para o rio e viu um pedaço de pau boiando bem longe. Sem dizer mais nada, saiu correndo, gritando:


— Galinha gorda!


E das margens ecoou:


— Gorda! Para o meio!


E assim o Opará riu mais uma vez com a meninada.

E a memória viva do nosso povo continuou fluindo… como o rio, como o tempo, como a tradição.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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