segunda-feira, 14 de julho de 2025

KAIE TSEHOÁ UANIEÁ, Dia dos Povos Indígenas






Conto Sobre O Dia do Índio



Era no tempo do calendário dos brancos, por volta do ano de 1970, quando os ventos sopravam mudanças e os espíritos dos antigos ainda cantavam no fundo da mata e das lagoas.


Na aldeia Kariri-Xocó, ali na Rua dos Índios, o sol já clareava o terreiro quando chegou a notícia: o chefe Ademir, do Posto Indígena da FUNAI, queria falar com o cacique Otávio e com o pajé Francisco Suíra. Os dois homens respeitados, com seus passos firmes e olhar sábio, foram até o chefe.


— Chamei os senhores para dizer que gostaria de fazer uma festa para vocês — disse Ademir, com a fala cheia de vontade.


O cacique Otávio franziu a testa, coçou o queixo e perguntou com firmeza:


— Festa de quê?


Ademir respondeu com entusiasmo:


— Para comemorar o Dia do Índio, agora todo 19 de abril.


O pajé Francisco Suíra, com a calma dos que escutam o vento e a terra, levantou a mão, pediu licença e falou:


— Olhe, seu Ademir, aqui nunca fizemos festa de Dia do Índio não. A escola fala disso pros meninos, mas nós nunca comemoramos.


Ademir insistiu:


— Pois é por isso mesmo. Agora vamos fazer uma festa bonita, com a aldeia toda, e divulgar na cidade. O povo precisa saber que os indígenas têm seu dia, e precisam ser respeitados.


A conversa espalhou-se como fumaça de toré. A aldeia se levantou com alegria. As mulheres prepararam os trajes, os homens cuidaram das pinturas, as crianças observavam encantadas. Cocar de penas, tangas de palha feitas do junco das lagoas, pinturas nos corpos, arcos e flechas enfeitados. Toda a Rua dos Índios foi ornada como se os encantados viessem visitar.


No dia marcado, o padre Hidelbrando rezou uma missa ali mesmo, na porta da escola. Depois, ao som dos maracás e do toré, o povo seguiu pelas ruas da cidade de Porto Real do Colégio. Visitaram os amigos, passaram pelas autoridades e foram recebidos com alegria por muitos moradores. Era como se, por um dia, a cidade parasse para escutar o coração indígena bater.


Na língua ancestral, aquele dia ficou marcado como Kaie Tseho, o "Dia do Índio". Mas os tempos mudaram, e com a Lei 14.402 de 2022, nós Kariri-Xocó passamos a dizer Kaie Tsehoá Uanieá, "Dia dos Povos Indígenas", honrando a diversidade de cada nação originária desse chão.


Mas ali, naquele primeiro dia de festa, ficou no coração do povo como o Toré do Mestre Junça — porque as tangas eram feitas do junco aquático das lagoas. Foi um dia que brilhou como fogo sagrado na memória dos Kariri-Xocó.


E assim foi escrita, não só com palavras, mas com passos, cantos, gestos e flechas, a história do nosso Dia dos Povos Indígenas.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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