sexta-feira, 4 de julho de 2025

KEISONTSEBU, O Cocal de Penas






No coração do rio sagrado, entre as matas de ouricuri e as margens onde canta o socó, nasceu um menino chamado Ygatu, do povo Kariri-Xocó. Desde pequeno, ele observava os mais velhos com admiração, sobretudo quando surgiam nas cerimônias com seus cocais de penas vibrantes, dançando ao som dos maracás e invocando os espíritos da floresta.


Certo dia, enquanto caminhava com seu avô Pajtumã, um ancião de fala serena e olhos que pareciam ter visto todos os tempos, Ygatu perguntou:


— Vovô, por que todos usam cocais diferentes? Por que alguns têm penas vermelhas, outros amarelas e azuis?


O velho sorriu e apontou para o céu:


— Cada pena conta uma história, meu neto. Cada cor carrega a força de um espírito. O Keisontsebu, nosso cocal de penas, não é enfeite — é alma, é caminho, é missão.


E assim, Pajtumã começou a ensinar.


As penas vermelhas, dizia ele, vinham do fogo do Sol e davam coragem ao guerreiro. As amarelas nasciam da luz do saber, guiando os líderes em tempos difíceis. As penas azuis eram pedacinhos do céu, trazendo conexão com o mundo espiritual. Já as brancas, puras como a brisa da manhã, representavam os conselhos dos mais velhos, cheios de experiência e harmonia.


O cordão de algodão, trançado com paciência pelas mãos das mulheres da aldeia, simbolizava o equilíbrio necessário entre as forças da natureza. Em tempos de escassez, quando as aves voavam para longe, usavam-se fibras de caroá — duras, mas resistentes, como o povo sertanejo. E havia também a palha do ouricuri, vinda da floresta sagrada, usada nos rituais mais antigos, como oferenda aos encantados e aos ancestrais.


Os anos passaram, e Ygatu cresceu. Tornou-se conhecedor das histórias de seu povo, guardião da palavra e da tradição. Em uma noite de lua cheia, no centro da aldeia, os mais velhos se reuniram. Entoaram cantos, acenderam o fogo, e Pajtumã, já com os cabelos brancos como penas brancas, chamou Ygatu ao centro do círculo.


— Hoje, você receberá seu Keisontsebu — disse com solenidade. — Ele não é um presente, é o reconhecimento de tua vocação.


O cocal de Ygatu tinha penas azuis, pois seu espírito era guiado pelos encantos do céu; vermelhas, pela coragem de defender os saberes; e amarelas, por sua sabedoria ainda jovem, mas firme. Um cordão de algodão trançado por sua mãe envolvia toda a base, e entre as penas, palhas de ouricuri brilhavam sob a luz do fogo, anunciando que ele também carregava a floresta sagrada consigo.


Naquele momento, Ygatu não era apenas um jovem — era um símbolo vivo da ancestralidade de seu povo. Ele compreendeu, então, que usar o cocal era também tornar-se parte da história viva dos Kariri-Xocó, assumir sua função na comunidade e honrar os elementos que dão sentido à vida.


E desde aquele dia, sempre que alguém na aldeia vê um cocal, não enxerga só penas — vê o espírito de quem o carrega.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




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