quarta-feira, 9 de julho de 2025

KERÍTSÉ, Os Animais da Floresta






Um Conto dos Animais da Floresta 


No coração da mata do Ouricuri, entre as folhas murmurantes e o som distante das águas, vivia um jovem caçador chamado Kerítsé, do povo Kariri-Xocó. Desde criança, aprendeu com os mais velhos a arte sagrada de viver em harmonia com a floresta.


Seu avô, o velho Tawará, contava histórias à sombra da gameleira. Dizia que a floresta era viva, guardada pelos olhos do grande espírito Dimé, protetor dos animais e das águas. Tawará sempre repetia:


— “Kerítsé, nunca se caça por querer... só por precisão. A floresta devolve com fartura aquilo que é respeitado.”


Kerítsé levava consigo seu arco seridzé e a flecha iarú, não para se exibir, mas como extensão de sua escuta e sabedoria. Quando saía em silêncio pela trilha úmida, sabia que podia encontrar o bani (mocó) entre as pedras, ou ver a clini (lontra) nadando no igarapé. Às vezes, cruzava com o olhar atento da doyé (capivara), o canto distante dos ieende (pássaros), ou a sombra lenta da inhiconete (preguiça) nos galhos altos.


Mas nem todos os dias eram de caça. Kerítsé também ajudava na roça comunitária, onde plantavam milho, batata, mandioca e feijão. E como mandava o costume, deixavam sempre uma parte para os animais da mata, uma oferenda silenciosa, um pacto com Dimé.


Certa manhã, ao retornar da roça com seu primo Awará, viu um murawó (porco do mato) se aproximando dos restos de milho deixados ali. Awará pensou em sacar a flecha, mas Kerítsé ergueu a mão:


— “Não hoje. Esse alimento é dos bichos. Dimé está vendo.”


No tempo do calor, quando os frutos escasseavam, a mata parecia esconder todos os bichos. Alguns na aldeia se impacientaram. Mas Kerítsé, paciente, repetia os ensinamentos de seu avô:


— “Esperem. Dimé nunca abandona quem respeita os ciclos da floresta.”


E assim foi. Em poucos dias, os buké (veados) retornaram às trilhas, os wãmy (peixes) apareceram nos igarapés, e o canto dos poeba (jacus) voltou a soar.


As crianças da aldeia adoravam ouvir Kerítsé contar essas histórias. Enquanto brincavam com os quati, cuidavam dos jabutis, e observavam os papagaios e araras livres no alto das árvores, aprendiam que a floresta era mais que uma morada: era um ser sagrado.


Hoje, a aldeia quase não caça mais. Os velhos dizem que é tempo de preservar. A floresta agradece. E Dimé, o guardião, continua sorrindo em silêncio.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



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