Um Conto Sobre a Internet
Na beira do Rio São Francisco, na aldeia Kariri-Xocó, os anciãos contavam histórias ao redor da fogueira. Mas certa noite, um menino chamado Nhenety ouviu uma nova história. Não era contada com a voz, mas com fios invisíveis que atravessavam o vento e chegavam numa caixa luminosa.
— O que é isso? — perguntaram as crianças.
— É a Piteiatekié, a rede de juntar conhecimento — respondeu Nhenety, com brilho nos olhos.
Tudo começou em 2004, quando uma rede diferente chegou à aldeia. Não era feita de algodão nem de cipó, como as que os pescadores trançavam, mas de impulsos e sinais, trazida por uma ponte chamada Índios Online, construída pela sabedoria de aliados como a ONG Thydêwá, com a força de Sebastian e a participação viva de Nhenety.
Ao tocar o teclado da "caixa de luz", ele entendeu que não era apenas uma máquina: era um Arco Digital, ou como diziam em Kariri: Seridsã. Com ele, era possível descobrir como criar peixes, cuidar de galinhas, proteger a terra, ouvir outras línguas, encontrar irmãos distantes.
— Mas se isso é possível... como vamos chamar essa grande força? — perguntaram os mais velhos.
Nhenety então olhou o céu da madrugada, onde as estrelas pareciam estar todas ligadas entre si, como pontos de luz conectados por fios de histórias.
— Chamaremos de Piteiatekié — disse. — “Pité”, que é rede. “Iabæ”, que é juntar. “Subatekié”, que é conhecimento. A Rede de Juntar Conhecimento.
E cada computador passou a ser chamado de Cramenu, a “caixa onde se guarda o saber”, pois dentro dele morava o Subatekié, como o espírito da memória dos povos.
Hoje, a Piteiatekié vive não só nos computadores, mas nos telefones, nas televisões, nas caixas dos bancos, nos aparelhos que falam e escutam. Mas Nhenety sempre lembra:
— A internet é feita de gente. Ela vive do que as pessoas escrevem, do que os povos compartilham, das histórias que cada um decide contar.
Assim, na aldeia Kariri-Xocó e além, a Piteiatekié continua tecendo suas redes, como uma grande teia de aranha do saber, unindo passado e futuro, tecnologia e tradição, o humano e o sagrado.
E toda vez que alguém acessa essa rede, é como se uma nova fogueira se acendesse no mundo — iluminando o saber ancestral com os fios invisíveis da modernidade.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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