quarta-feira, 9 de julho de 2025

KERUENARAÍ, Os Animais Domésticos dos Brancos






Um Conto Sobre Animais Domésticos 


Na beira do grande rio Opará, vivia uma aldeia onde os cantos dos pássaros coloridos misturavam-se aos risos das crianças e aos passos leves dos caçadores. Entre eles, vivia um menino chamado Anharu, curioso e atento às histórias que os mais velhos contavam nas rodas do fogo.


Seu avô, Tukuré, era um sábio do povo Kariri-Xocó, conhecedor das matas, das estrelas e dos nomes dos bichos. Numa certa noite, sob a luz trêmula da fogueira, ele chamou o neto para perto:


— Anharu, meu neto, hoje vou te contar sobre os Keruenaraí, os animais dos brancos, que chegaram quando os portugueses pisaram na nossa terra.


Anharu arregalou os olhos. Ele já vira galinhas e bois nas aldeias vizinhas, mas não sabia de onde vinham.


— Eles não eram daqui? — perguntou o menino.


— Não, meu pequeno — respondeu Tukuré, com a voz serena. — Antes, só tínhamos nossos irmãos da floresta: os veados, os tatus, os macacos e os pássaros. Todos livres, como Deus Tupã criou. Caçávamos com respeito, pescávamos nos igarapés e cultivávamos a roça. Mas os brancos vieram com seus animais diferentes. Trouxeram o cabaru (cavalo), o kradzo (boi), o bucu (cachorro), a kabara (cabra), o carneiró (ovelha), o sabucá (galo) e o curé (porco).


Anharu repetia os nomes como se fossem encantamentos.


— E o que fizeram esses animais, vovô?


— Mudaram nosso modo de viver — disse Tukuré, olhando para o céu. — Eles vivem junto das casas, dão leite, carne, ovos. Não se precisa ir longe para caçar. Os brancos trouxeram outro jeito de viver com os animais, domesticados. Nós, Kariri, demos nomes a eles, porque também aprendemos a cuidar deles. Hoje, muitos vivem perto das nossas casas. Aprendemos a amá-los, mesmo sendo diferentes dos nossos irmãos da mata.


O menino ficou em silêncio por um tempo, observando a fogueira crepitar.


— E os animais da floresta, vovô? Ainda existem?


— Em poucos lugares, meu neto. As matas foram sendo derrubadas com o tempo. Hoje, temos uma pequena floresta sagrada que protegemos com todo o coração: Ouricuri. Lá vivem nossos animais originários, que ainda cantam com as árvores e dançam com o vento. Mas essa, meu filho, é uma história para outro dia.


Anharu sorriu, com o coração cheio de esperança e orgulho. Naquela noite, enquanto adormecia ao som dos grilos e do fogo morrendo em brasas, sonhou com uma floresta viva, onde os animais dos brancos e os da mata caminhavam lado a lado, em paz, sob a proteção do povo Kariri-Xocó.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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