Um Conto Sobre as Redes Sociais
Foi numa noite morna, quando o céu ainda brilhava com estrelas teimosas mesmo após o anoitecer, que os anciões do povo Kariri-Xocó se reuniram à sombra do velho cajueiro. Ali, entre memórias e cantos antigos, surgiu uma conversa diferente, vinda dos mais jovens: uma rede invisível estava chegando, cruzando o vento como o canto de um pássaro distante.
— Uma rede sem corda? — perguntou com espanto o velho Karonhi, olhando ao redor como quem procura algo entre os galhos.
— Sim, avô. Uma rede que liga as palavras, as imagens, os pensamentos. Ela viaja pelos fios da eletricidade, pelas ondas do ar — respondeu o jovem Enykaru, com um brilho curioso nos olhos.
Era a internet, o novo tempo que soprava. Primeiro, ela chegou timidamente, entrando pelas escolas e centros culturais através dos grandes computadores. Não muito depois, o povo começou a ouvir falar do Orkut, uma vila digital onde cada um podia contar um pouco de si.
E então nasceu PITSOHÓ, um nome novo em nossa língua antiga.
Pité, a rede que se estende.
Tsohó, o povo, a conversa, a troca.
PITSOHÓ, a rede de gente.
Em 2004, nossos parentes lançaram Índios Online, uma rede verdadeira, onde os cantos, as imagens, os sonhos e as lutas de muitos povos se encontraram como rios desaguando no mesmo mar. Lá estavam os Kariri-Xocó, dizendo: "Estamos aqui também. Nossos pensamentos agora viajam com os ventos digitais."
O tempo andou ligeiro, como capivara na beira do rio. Vieram outras redes com nomes diferentes — Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram, YouTube, TikTok — como se fossem novas ocas em uma aldeia sem fronteiras. As pessoas se encontravam nelas, falavam, discutiam, dançavam, ensinavam, aprendiam, choravam e riam… tudo sem sair do lugar.
Os celulares, pequenos e brilhantes como olhos de coruja, levaram essa rede para o bolso de cada um. Onde antes era preciso um computador grande, agora bastava um toque com os dedos para abrir o mundo.
Mas o velho Karonhi, sempre atento aos sinais da mata e do espírito, falou certa vez ao redor do fogo:
— A rede é boa quando pesca a palavra com sabedoria. Mas se esquecer da aldeia de verdade, da roda de conversa, do cheiro da terra e do calor dos olhos… então ela vira armadilha.
E assim ficou o ensinamento: usar PITSOHÓ com sabedoria.
Falar com o mundo, sim. Mas sem esquecer da aldeia, da fogueira, da dança, do rosto da avó, da escuta do rio.
Porque a maior rede que existe é aquela que o coração tece quando estamos juntos — seja na tela, seja no chão da nossa terra.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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