sexta-feira, 11 de julho de 2025

TORÃPISETÍ, Livretos Pendurado no Cordão






Um Conto Sobre o Cordel


Na aldeia onde o vento conversa com as folhas e os pássaros carregam as histórias no bico, vivia um velho ancião chamado Arakuá. Seus cabelos brancos pareciam algodão de nuvem e sua voz era pausada como o bater de um tambor ancestral. Toda tarde, ele se sentava à sombra do juazeiro com um punhado de livretos amarelados, pendurados por um cordão de palha.


Certo dia, um jovem curioso chamado Itã aproximou-se, intrigado com aqueles papéis escritos em rimas, desenhos simples e capas coloridas.


— Vovô Arakuá — disse Itã, com olhos atentos — por que o senhor gosta tanto desses cordéis? E por que chama de Torãpisetí?


O velho sorriu, como quem abre a porteira do tempo.


— Ah, meu neto... Torãpisetí quer dizer “Livretos Pendurado no Cordão”. No outro lado do oceano ele veio com os portugueses chamado histórias de cordel. 

 Mas em nossa língua: Torarã, que são cartas ou livros; Pineté, que é pequeno; e Setí, que é o cordão. Esses livretos falam de tudo que mora no coração do nosso povo. Quer saber como eles nasceram?


Itã assentiu com entusiasmo.


— Então escuta, que vou te contar por ciclos, como as fases da lua...


— Primeiro, nasceu o ciclo das maravilhas, Itã. — disse Arakuá, olhando para o céu — Lá moram os gigantes, as fadas, os monstros dos sonhos. O povo contava sobre a Princesa Encantada na Montanha do Fim do Mundo, onde cada estrela era uma sentinela. Tinha também a Serpente dos Sete Olhos, que vigiava os rios secretos da floresta.


Itã abriu a boca, maravilhado.


— Essas histórias, meu neto, nascem do que a gente sente, do medo e da coragem. Os primeiros cordéis foram como cantos de encantamento.


— Depois vieram os heróis antigos. — continuou Arakuá — Aqueles de força e glória. Sansão, o fortíssimo de Deus, que derrubou colunas com as próprias mãos. E Hércules, que venceu doze desafios, entre feras e monstros. Até Alexandre, o rei que falava com magos do Oriente.


— Tudo isso em cordel? — perguntou o menino, surpreso.


— Tudo, sim. Porque o cordel é como o tambor: guarda o eco do mundo.


— Quando o coração do povo apertava de dor ou se enchia de fé, nasceram os cordéis religiosos. — disse o ancião com reverência — Tem a Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Milagres de Padim Ciço, que curava com olhar. E São Francisco, que falou com o lobo e o fez amigo dos homens.


— Esses são os que a vovó reza de noite, né?


— Exatamente, Itã. O Torãpisetí também serve de oração.


— Depois, meu neto, veio o tempo da luta. — disse com voz firme — Cordéis que contam sobre reis desaparecidos, como Dom Sebastião, que o povo espera até hoje. Falam de Zumbi, rei dos quilombos, e de Tiradentes, que sonhava com liberdade.


— Eles também são heróis?


— Heróis do povo. O cordel lembra quem enfrentou a injustiça.


— E o nosso sertão? Ah, esse virou palco de valentia e peleja. — sorriu Arakém — Lampião e Maria Bonita desceram até o inferno em versos. Zé Sereno brigou com o coronel Libório. Cada cabra valente do sertão virou cantiga pendurada no cordão.


— Esses eu ouvi no rádio!


— Pois é, o rádio pegou do cordel o jeito de contar história.


— Por fim, Itã, veio o ciclo da vida comum. — disse Arakuá — O vaqueiro Benedito que perdeu o gado e achou o amor. A moça da roça que namorou o rapaz da cidade. Até a internet chegou no sertão e ganhou cordel!


Itã deu uma gargalhada.


— Até a internet?


— Ué, o mundo muda, mas o cordão segura tudo. É como raiz que cresce em todo canto.


O sol já caía quando Arakuá levantou um dos livretos e entregou ao neto.


— Leva este contigo, e lê em voz alta sempre que puder. Porque quando o Torãpisetí balança no cordão, balança junto a alma do povo.


Itã apertou o livreto no peito, como quem segura um segredo ancestral.


E desde esse dia, nas tardes quentes da aldeia, dois se sentam à sombra do juazeiro: o velho e o novo, juntos, segurando com orgulho os livretos pendurados no cordão.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




VERSÃO DO CONTO TORÃPISETÍ EM CORDEL



TORÃPISETÍ, Livretos Pendurado no Cordão



No canto da aldeia sagrada,

Debaixo de um juazeiro,

Um velho contava histórias

Com coração verdadeiro.

Livretos presos num fio,

Como contas de um colar,

Falavam do nosso mundo,

Do viver, do sonhar.


Itã, menino ligeiro,

De olhar cheio de atenção,

Chegou, sentou-se ao lado,

Com viva curiosidade, então:

— Vovô, por que esses folhetos

O senhor lê com paixão?

E por que chama de "Torãpisetí",

Esses versos do sertão?


O velho sorriu tranquilo,

Com sabedoria no olhar:

— Meu neto, escute atento,

Que agora eu vou lhe contar.

Torãpisetí é palavra

Da língua do nosso chão:

Torarã são livros ou cartas,

Pineté, o que é de dimensão,

Pequeno, mas muito sábio,

E Setí é o cordão!


— Esses versos que eu carrego

São o espelho do viver.

Se o povo quer se lembrar,

É no cordel que vai ler.

E vou contar-te os ciclos

Que no tempo se formaram,

Histórias feitas em rima,

Que os antigos declamaram.


— Primeiro veio o encanto,

Dos tempos encantadores:

Gigantes, monstros, fadas,

Seres cheios de valores.

Cordéis de reinos distantes,

Com princesas em prisão,

Como a da montanha mística

No fim da criação.


A serpente dos sete olhos

Guardava o rio encantado,

E quem lia esses folhetos

Ficava arrepiado.

Porque o cordel também nasce

Do medo, da fantasia,

E transforma em verso o mito,

Com beleza e poesia.


— Depois vieram os feitos

De heróis da antiguidade:

Sansão com força divina,

Hércules e sua vontade.

Doze provas ele enfrentou

Com coragem e valentia,

E Alexandre conquistava

Com poder e sabedoria.


— Quando a fé se espalhou,

Cordel virou oração,

Com a Paixão de Cristo

E o amor no coração.

Milagres do Padim Ciço,

O santo nordestino,

E São Francisco pregando

Ao lobo pequenino.


— Vieram tempos de luta,

De espadas e rebeldia.

Dom Sebastião sumiu

Na bruma da profecia.

Zumbi guerreiro do povo,

Tiradentes, o sonhador,

Também vivem nos cordéis

Como símbolo e clamor.


— O sertão virou cenário

De valentia e emoção,

Com Lampião e Maria

Levando fogo ao chão.

Zé Sereno e Coronel

Num duelo no sertão,

Cordel virou espingarda

E verso virou facão!


— No fim, veio o cotidiano

Do povo trabalhador,

Com romances, namorados,

Casamento e desamor.

O vaqueiro Benedito

Perdeu gado e ganhou flor,

E até a internet nova

Virou verso encantador!


O ancião sorriu contente,

Lhe entregou um folheto, então:

— Leve este contigo, neto,

É o saber do nosso chão.

Leia em voz alta no mato,

Na aldeia, na reunião,

Pois quando o cordel balança,

Balança a alma e a tradição.


E desde aquele momento,

Junto ao velho, com paixão,

Itã virou contador

Do livrinho no cordão.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




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