quinta-feira, 10 de julho de 2025

WANAÍ, O Sonho de Aldeia






Um Conto do Sonho


Na beira da cidade, onde o cimento engole a terra e o barulho cala os cantos antigos, vivia o povo Kariri, na Rua dos Índios, em Porto Real do Colégio, Alagoas. A vida ali era apertada, abafada, sem espaço para os sonhos crescerem. Não havia terra para plantar, nem barro para moldar os potes da tradição.


Ali, no meio da luta calada, nasceu uma menina.


O ancião Iraminõ, com os cabelos brancos como a fumaça do cachimbo sagrado, segurou a criança nos braços e disse em voz firme:

— O nome dela será Wanaí, que em nossa língua vem de warakidzã, o sonho, e natiá, a aldeia.


Wanaí, o Sonho de Aldeia, cresceu ouvindo histórias sobre tempos antigos, quando seu povo andava livre, pescava nos rios, colhia frutos da mata e cantava Toré ao redor da fogueira, com os pés firmes na terra dos ancestrais.


Durante três invernos, a esperança se enraizou como semente guardada. Em 1978, os Kariri e os Xocó, juntos como irmãos, decidiram retomar a Fazenda Modelo — antiga terra dos seus avós, tomada pelos brancos há gerações.


Foi ao som do Toré que marcharam, levando Wanaí pela mão, como se ela fosse o próprio futuro caminhando entre eles. E ela era. A menina-símbolo, a luz entre os passos, o sonho encarnado de uma nova aldeia.


Um dia, a notícia chegou: o governo federal reconheceu a luta.

A terra dos antepassados, enfim, voltaria a ser morada dos seus filhos. A Nova Aldeia Kariri-Xocó começava a nascer.


O tempo passou, como o rio corre entre pedras. Wanaí tornou-se mulher e casou-se com Nhenety, guerreiro contador de histórias. Tiveram quatro filhos, e agora, já com cabelos prateados, Wanaí e Nhenety sentam com os netos sob a sombra do juazeiro, contando as memórias vividas.


— O sonho, warakidzã, nunca morre — diz Wanaí. — Ele vive na aldeia, no barro das ceramistas, na terra arada, nas escolas que ensinam a nossa língua, nas crianças que brincam com arcos e flechas, no canto do Toré.


Hoje, a aldeia cresceu. Tem escola, tem creche, tem posto de saúde. Tem o cheiro do barro molhado das lagoas, transformado em potes e arte.


Mas acima de tudo, a aldeia tem o que sempre sonhou:

Wanaí.

O sonho que virou chão, canto, e lar.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 







Nenhum comentário: