Um Conto Sobre as Árvores
Numa manhã tranquila, o sol surgia tímido por entre as folhas úmidas da floresta. O canto dos pássaros acordava a aldeia, e os perfumes das plantas despertavam os sentidos de quem vivia em harmonia com aquele mundo sagrado.
O menino Tairoá caminhava descalço pelo terreiro da oca grande. Seus olhos curiosos procuravam entender os gestos do avô Nakai, que todas as manhãs deixava de lado os bancos de madeira confortáveis para sentar-se numa velha pedra, bem ao lado de um enorme jatobá.
— Vovô, por que o senhor sempre escolhe essa pedra para se sentar? — perguntou Tairoá com a inocência própria de quem busca entender os mistérios do mundo.
Nakai ergueu os olhos serenos, olhou para o neto e respondeu com voz mansa, mas cheia de força:
— Ah, meu neto... Porque essa pedra aqui é sagrada. Foi nela que meu pai sentou, e o pai do meu pai, e o pai do pai dele também. O velho jatobá que está aí foi testemunha de tudo. Ele viu a história do nosso povo acontecer bem diante de seus galhos.
Tairoá sentou-se ao lado do avô e olhou com respeito para a grande árvore. O jatobá, com seu tronco grosso e raízes que mergulhavam fundo na terra, parecia guardar segredos antigos.
— Toda árvore tem uma história — continuou Nakai —. Esse jatobá viu nascimentos, viu festas, viu rezas. Já o juazeiro das roças, a bechiéá, conhece as mãos dos antigos agricultores que plantaram e colheram o alimento sagrado.
— E o velho pé de ingá? — perguntou Tairoá com brilho nos olhos.
— Esse conhece bem os pescadores do Opará. Eles se abrigavam sob sua sombra ao voltar do rio, cansados, mas felizes. Já o cajazeiro da mata... ah, ele viu os caçadores, ouviu suas preces antes das jornadas e os gritos de alegria quando voltavam com alimento para a aldeia.
Nakai fez uma pausa e olhou para o alto, como quem escuta vozes que só o coração entende.
— Cada pessoa do nosso povo tem uma história com alguma árvore. Às vezes, uma plantinha pequena, dessas que curam as dores do corpo e da alma, é a guardiã de uma lembrança. Se alguém te contar qual erva curou sua febre, aí está outra história da floresta.
— Então as árvores falam? — sussurrou Tairoá, quase com medo da resposta.
— Elas não falam como a gente, mas contam tudo para quem sabe ouvir com o espírito. Chamamos isso de Woroy Ihendziá, a História das Árvores. Não conheço todas, meu neto, mas sei que cada tronco guarda uma parte do que somos. E enquanto elas viverem, nossa memória estará viva com elas.
Tairoá encostou a cabeça no ombro do avô e, ali, sob o velho jatobá, aprendeu que as árvores são livros vivos, onde o tempo escreve com folhas, raízes e silêncio.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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