Um Conto Sobre Desenhos Animados
Naquele tempo antigo, quando o homem branco inventou um estranho aparelho que lançava luz num pano e fazia ele falar, os mais velhos deram-lhe um nome em nossa língua Kariri: Hinetoklité, a “luz que fala no pano”. Era o que os brancos chamavam de cinema. Ali, naquela luz encantada, surgia uma coisa diferente — uma figura que se movia sozinha, sem alma visível, mas cheia de espírito: Waruá, a “figura”.
Foi ali, nesse pano de luz, que nasceu o mistério de Warunaru — “a figura que se desloca de lugar”. Era como mágica: desenhos que ganhavam vida, imagens que falavam e corriam, lutavam, sorriam e voavam. Para os brancos, era o tal desenho animado. Para nós, era Warunaru — feito de Waruá (imagem) e Narubae (deslocar-se).
Mas naquela época, lá na aldeia Kariri-Xocó, não havia cinema. O que sabíamos era apenas por ouvir contar. O Hinetoklité só chegava bem longe, nas cidades dos brancos, onde passavam filmes de Jesus, mocinhos de chapéu e romance das gentes.
O primeiro verdadeiro Warunaru que chegou até nós não veio do pano de luz, mas sim do Warudókli, “o espelho que fala” — a televisão. Foi no ano de 1972 que esse espelho entrou pela primeira vez em nossa aldeia, carregando dentro dele aqueles pequenos seres dançantes, coloridos e vivos: os desenhos animados.
Naquela época, só um tinha esse espelho encantado: o indígena José Tononé. Sua sala se enchia de crianças todas as tardes. Sentadas no chão de barro batido, olhos brilhando, elas riam e sonhavam junto dos personagens que falavam línguas estranhas, mas que, de algum modo, pareciam entender o coração da criança.
O Warunaru daquele tempo era diferente. Era simples, com poucos traços, mas cheio de encanto. Hoje, dizem que estão mais bonitos, mais parecidos com gente, com aparência de três dimensões, como se estivessem ali na sala mesmo. Agora não estão mais só na televisão. Com os celulares e a internet, os Warunaru vivem andando com as crianças o tempo todo, dia e noite, na palma das mãos.
Os mais velhos, como eu, carregam no peito um carinho especial por aqueles desenhos antigos. Não era só diversão: era magia, era memória. Fez parte da nossa história. Era como se aquelas figuras deslocando-se pelo mundo dos brancos também deslocassem algo dentro de nós, acendendo sonhos no coração da aldeia.
E assim seguimos, entre os antigos e os novos Warunaru, entre o encantamento de antes e a tecnologia de agora — figuras que se deslocam no tempo, mas que permanecem vivas dentro de nós.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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