sábado, 12 de julho de 2025

WOROWAKISÍ, Histórias nas Imagens Repartidas






Um Conto Sobre Histórias em Quadrinhos 


Naquela época, o fogo ainda era o centro das noites. Em volta das chamas, acesas nos locais sagrados da aldeia, os anciãos contavam histórias como quem semeia palavras no tempo. Cada frase, um galho seco que estalava no coração dos ouvintes. Era ali, sob o céu bordado de estrelas, que o passado caminhava até nós.


As histórias vinham em forma de sons, mas também moravam nas imagens — nos desenhos feitos com jenipapo no corpo, nos traços do barro moldado, nas tramas do artesanato. Cada linha era um caminho; cada cor, uma lembrança; cada forma, uma conexão com os nossos antepassados.


Um dia, chegou o homem branco trazendo um objeto novo: o Torarã, o "livro". Trazia histórias também, figuras impressas dos povos do outro lado do mar. Aos poucos, foram mudando os formatos, pintando com mais cores, desenhando com beleza. E as crianças ficaram curiosas.


Foi em 1974 que uma novidade desembarcou na Aldeia Kariri, ali na Rua dos Índios. O chefe do Posto Indígena, o senhor Paulo Astragéssimo, trouxe em mãos pequenos livretos coloridos. Os olhos das crianças brilharam ao ver os heróis estampados nas capas. Seriam guerreiros? Seriam deuses?


— Isso aqui é "gibi", — disse ele sorrindo —, histórias em quadrinhos!


Haviam homens com poderes, habilidades fora do comum, deuses, semideuses, alienígenas e monstros. Ficamos fascinados. Agradecidos, recebemos os gibis como presentes raros. Com alegria, corremos até o velho Iraminõ, guardião da palavra ancestral.


O ancião olhou os livretos com sabedoria antiga. Passou os dedos pelas figuras como quem toca em pedras sagradas.


— Isto é Worowakisí, — disse em nossa língua. — Histórias nas Imagens Repartidas.


Explicou que vinha de Woroy (história), Waruá (imagem) e Ukisí (repartir). Assim, o nome foi dado. Assim ficou entre nós.


Desde então, não parei mais. Colecionei gibi após gibi. Descobrimos que do outro lado do Opará, na cidade de Propriá, em Sergipe, vendiam mais. E o gosto por aquelas imagens divididas em quadros foi crescendo.


Hoje, os gibis estão na internet. Podemos lê-los online, de todas as épocas. Mas naquele tempo era diferente — era raro, era tesouro. E até hoje, ainda que o papel se desgaste, as histórias nas imagens repartidas vivem dentro do nosso peito, como brasas que nunca se apagam.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






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