Um Conto do Ser de Luz e o das Sombras
Foi numa noite de lua clara.
O povo se reunia em volta da fogueira, e as brasas brilhavam como olhos de espírito.
As crianças corriam, os jovens escutavam, e os mais velhos guardavam silêncio.
Então um menino, chamado Iary, se aproximou do ancião.
E perguntou com voz curiosa:
— Avô, o que é Anran? E o que é Nienuo?
O ancião respirou fundo.
Olhou para o céu, olhou para o fogo, e disse:
— Escuta, meu neto.
Quando nascemos, todos nós somos Anran.
Anran é o humano verdadeiro.
Anran vive em comunidade, divide o alimento, compartilha o trabalho, cuida da família, honra a natureza.
O coração de Anran é cheio de amor, amizade e respeito.
Quem caminha como Anran, caminha na luz do Criador e junto aos ancestrais.
O menino ouviu, mas quis saber mais:
— E Nienuo, avô? Quem é Nienuo?
O ancião fechou os olhos, como quem fala com os antigos, e respondeu:
— Nienuo é o humano que se perdeu.
É aquele que abandona a comunidade, que escolhe o ódio, a violência, o egoísmo.
No início ainda é humano... mas pouco a pouco vai esquecendo o sagrado.
Pouco a pouco vai regredindo.
Pouco a pouco vai se tornando sombra.
E quando a sombra toma conta, ele já não é Anran.
Ele é Nienuo.
O menino ficou assustado:
— Então, avô, Nienuo também já foi gente?
E o ancião respondeu:
— Sim, meu neto. Todo Nienuo já foi Anran um dia.
Mas esqueceu quem era.
Esqueceu o Criador.
Esqueceu os ancestrais.
E ao esquecer... tornou-se prisioneiro da escuridão.
O fogo estalou alto, como se concordasse com as palavras.
E o ancião disse ainda:
— Por isso, Iary, escuta bem:
Quem deseja ser Anran deve escolher a cada dia.
Escolher a vida, o amor, a amizade, a partilha.
Escolher o caminho do Criador.
O menino ergueu a cabeça e prometeu:
— Eu serei Anran, avô.
Para que meus passos sejam lembrados pelos ancestrais.
Então o ancião sorriu.
E a lua sorriu.
E as estrelas também sorriram.
E naquela noite, todos souberam:
Enquanto houver quem escolha ser Anran,
Nienuo jamais vencerá.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
ANRAN E NIENUO, O Ser de Luz e o das Sombras
( Versão Cordel Sextilhas )
Na noite de lua acesa,
Brilhou a chama do chão,
Um menino fez pergunta
Ao mais velho do povão:
“Quem é Anran, quem é Nienuo,
No tempo da criação?”
O ancião falou sereno,
Com o fogo a crepitar:
— Anran é ser verdadeiro,
Que nasceu pra compartilhar,
Que vive em paz com o povo
E com a terra a cuidar.
Anran é vida em harmonia,
É família, é união,
É amizade e respeito,
É do bem a direção.
Quem caminha nessa trilha
Se torna luz da criação.
Mas existe outro caminho,
De quem esquece o sagrado,
Que se afasta da aldeia
E vive no desolado:
Esse se chama Nienuo,
O espírito desviado.
Nienuo já foi humano,
Mas perdeu a claridade,
Abraçou ódio e violência,
Desprezou a humanidade.
Se tornou sombra sombria,
Preso em sua maldade.
O menino então falou,
Com coragem no olhar:
— Quero ser sempre Anran,
Na memória vou ficar,
Que meus passos, com os velhos,
Os ancestrais vão guardar.
O ancião sorriu contente,
E o fogo se levantou,
A lua fez sua prece,
E a estrela iluminou:
— Enquanto houver quem seja Anran,
Nienuo nunca venceu.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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