A Fábula da Ave Carão no Canto da Chuva
Nos tempos antigos, quando a chuva era sagrada e a água fazia brotar a vida da terra, surgiu no coração do brejo uma ave de penas negras: o Guaraúna, guardião das águas, conhecida por Carão.
Todos os anos, quando as nuvens se acumulavam no céu e os ventos anunciavam a estação das chuvas, o Guaraúna erguia sua voz. Seu canto ecoava longe, profundo como gargalhada, triste como lamento, forte como chamado.
Os animais da mata se confundiam:
— “É zombaria!”, dizia o Veado.
— “É choro!”, dizia a Garça.
— “É apenas barulho!”, murmurava o Sapo.
Mas o Guaraúna não se importava. Sua canção não era para agradar ou convencer. Era para falar com a chuva, para abrir caminho às águas que descem do céu.
Enquanto cantava, caminhava pelo brejo encharcado, quebrando com paciência a dura casca dos caramujos. Assim mostrava que a vida se revela dentro do que parece fechado e impossível.
Foi então que uma fêmea Guaraúna, ouvindo o canto sagrado, se aproximou. Não escutou gargalhada nem lamento, mas o chamado verdadeiro da chuva. Uniram-se, fizeram ninho entre as plantas molhadas, e dali nasceram novos Guaraúnas, guardiões da vida do brejo.
Desde esse dia, os animais compreenderam: o canto do Guaraúna não é zombaria nem tristeza, mas um Purahéi, um cântico de louvor. É o anúncio da chuva, a prece de agradecimento pela fartura e a lembrança de que a natureza fala com muitas vozes.
🌱 Moral da fábula:
"Quem escuta com o coração descobre que até o canto mais estranho é mensagem da vida e anúncio da fartura."
👉 Essa versão reforça o sentido espiritual do “Purahéi”, não apenas como canto de acasalamento, mas como voz da água, oração e bênção para a comunidade.
GUARAUNA AMA PURAHÉI
(Guaraúna, o Canto da Chuva)
Versão em Cordel
No brejo a vida desperta,
Com a nuvem no coração,
E o Guaraúna levanta
Seu canto como oração.
É voz que chama a fartura,
É canto de criação.
Os bichos ficam confusos,
Não entendem o clamor:
— É riso! — diz a Raposa.
— É pranto! — fala o Beija-flor.
Mas o canto era sagrado,
Era louvor ao Criador.
Com calma busca alimento,
No caramujo fechado,
Mostra que a vida nasce
Do que parece selado.
Assim ensina ao brejo
O segredo revelado.
Quando a fêmea se aproxima,
Vem guiada pela canção,
Não ouve riso nem pranto,
Mas um chamado do chão.
É a chuva que responde,
Trazendo renovação.
Nos ninhos a vida brota,
No brejo molhado e vivo,
E o Guaraúna agradece
À água o sustento altivo.
Seu canto é voz da fartura,
Do tempo sempre festivo.
🌱 Moral em cordel:
"Quem ouve só com o ouvido
Pode o sentido perder.
Mas quem escuta com alma
Sabe o que a chuva quer dizer:
A vida fala em cantigas,
Basta aprender a entender."
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

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