A Fábula da Perdiz Nordestina
Dizem os mais velhos que, antes do sertão ter nome, o vento já soprava histórias pelas veredas da caatinga. Entre as pedras quentes e o canto seco dos galhos, vivia uma pequena ave de penas cor de terra, tão ligeira que o sol mal conseguia tocar sua sombra.
Chamavam-na Napopé, nome antigo que ecoava dos tempos dos primeiros povos. Napo, “ave que bate asas para escapar do perigo”; pé, “passos que conhecem o caminho seguro”. Assim, Napopé era conhecida como a “ave ligeira de passos firmes”, guardiã dos segredos do chão e do céu.
Na aldeia, Napopé era mais que uma ave: era memória viva. Antes da chegada dos colonizadores e suas galinhas, era ela quem alimentava as famílias nos dias de festa. Sua carne macia e saborosa lembrava o gosto dos antepassados, e preparar Napopé era um gesto de respeito à tradição, feito com rituais e palavras de gratidão.
Certa vez, um jovem caçador, chamado Aruã, recebeu a missão de trazer alimento para o grande encontro das famílias da aldeia. Ele poderia escolher entre a galinha dos brancos ou a ave da terra. Ao lembrar as histórias contadas à beira da fogueira, decidiu seguir os rastros leves de Napopé.
Quando a encontrou, Napopé não fugiu de imediato. Olhou nos olhos do caçador como se perguntasse se ele conhecia o valor daquele momento. Aruã se aproximou com respeito, sabendo que caçar não era destruir, mas partilhar o dom da vida. Com um gesto rápido e sem sofrimento, levou Napopé para a aldeia.
Na noite da festa, o cheiro da ave assada espalhou-se pelo ar. Os mais velhos sorriram, reconhecendo o aroma que lhes lembrava tempos antigos. Comer Napopé não era apenas saciar a fome, mas alimentar a memória e reafirmar que a terra guarda seus próprios sabores e saberes.
E assim, até hoje, sempre que a aldeia precisa lembrar quem é e de onde veio, Napopé volta — não apenas como ave, mas como história, como lição e como símbolo de que respeitar o que é da terra é respeitar a si mesmo.
Moral da história: O alimento da terra não é só para o corpo — é também sustento para a memória e a alma.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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