A Fábula das Guardiãs dos Lagos
Introdução
Num tempo em que as águas eram mais limpas e as matas mais fartas, um povo indígena vivia em harmonia com a Lagoa Grande. Essa lagoa não era apenas fonte de alimento, mas também de histórias e ensinamentos passados de geração em geração. Lá viviam o Irerê, com seu canto que avisava sobre as chuvas, e a Marreca-oveira, viajante incansável que trazia notícias de terras distantes.
Desenvolvimento
Certo dia, o povo percebeu que a lagoa estava secando mais cedo do que o habitual. Os peixes rareavam e as margens estavam cobertas de lama. O Irerê chamou a Marreca-oveira e disse:
— Minha amiga, as águas estão tristes. Se continuarem assim, não teremos onde criar nossos filhotes.
A Marreca-oveira respondeu:
— Eu viajo por muitas lagoas e já vi esse mal antes. Quando os homens esquecem de cuidar da água e caçam sem medida, o espírito da Lagoa se afasta.
O cacique da aldeia, ao ouvir o diálogo das aves, reuniu os anciãos. Eles lembraram que, desde tempos antigos, havia um pacto: só caçar o que fosse necessário e sempre devolver à natureza mais do que se tirava.
Inspiradas, as crianças passaram a limpar as margens da lagoa, os pescadores respeitaram os tempos de defeso, e os caçadores só abatiam aves quando o alimento da aldeia era escasso.
Com o tempo, as chuvas voltaram e a Lagoa Grande encheu novamente. O Irerê voltou a cantar suas notas de chuva e a Marreca-oveira partia e regressava, trazendo notícias de que a harmonia havia sido restaurada.
Moral da história
Quem cuida da água e respeita a vida garante não só o alimento do presente, mas o canto e o voo para as gerações que virão.
Simbolismo indígena presente
Irerê → mensageiro das chuvas e guardião local.
Marreca-oveira → ponte entre terras e culturas.
Lagoa → símbolo de abundância, vida e conexão espiritual.
Povo indígena → guardião da memória e das regras sagradas de uso da natureza.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
O IRERÊ E A MARRECA-OVEIRA, Guardiãs da Lagoa do Povo
(Versão de narrativa oral)
Eu vou contar.
Vou contar como me contaram.
Escute com os ouvidos,
guarde com o coração.
Era tempo antigo,
tempo em que a água cantava nas pedras,
tempo em que a mata abraçava a aldeia,
tempo em que a Lagoa Grande era cheia como ventre de mãe.
Na beira da lagoa vivia o Irerê,
de penas castanhas, de peito branco,
de canto que chama a chuva lá longe.
E também vivia a Marreca-oveira,
de voo ligeiro, de penas pintadas,
que conhecia lagos de terras distantes.
Um dia, o Irerê olhou e viu tristeza na água.
A Lagoa Grande estava encolhendo,
o barro aparecia,
o peixe se escondia.
E o Irerê chamou:
— Irerê, Irerê…
Chamou e a Marreca veio voando.
— Minha amiga de viagens, — disse o Irerê —
as águas estão fracas, o espírito da lagoa está indo embora.
— Eu sei, — respondeu a Marreca-oveira —
vi isso em outras terras:
quando o homem esquece de cuidar,
quando tira mais do que precisa,
o espírito da água se afasta.
O vento levou as palavras até o cacique.
O cacique chamou os anciãos.
Os anciãos chamaram o povo.
O povo chamou as crianças.
E todos lembraram o pacto antigo:
caçar só o que alimenta,
pescar só o que sustenta,
devolver à natureza o que é dela.
As crianças limparam a beira da lagoa.
Os pescadores guardaram as redes no tempo de descanso do peixe.
Os caçadores guardaram o arco quando havia fartura na aldeia.
E o tempo ouviu.
A chuva voltou.
A Lagoa Grande encheu outra vez.
O Irerê cantou: "Irerê… Irerê…".
A Marreca-oveira voou e voltou,
trazendo a notícia de que a harmonia havia voltado a morar ali.
E é assim, meu parente,
que aprendi:
quem cuida da água, cuida da vida;
quem respeita o voo, garante o canto para quem ainda virá.
Eu contei como me contaram.
Agora é sua vez de guardar e contar.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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