sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O IRERÊ E A MARRECA-OVEIRA, Guardiãs da Lagoa do Povo






A Fábula das Guardiãs dos Lagos



Introdução


Num tempo em que as águas eram mais limpas e as matas mais fartas, um povo indígena vivia em harmonia com a Lagoa Grande. Essa lagoa não era apenas fonte de alimento, mas também de histórias e ensinamentos passados de geração em geração. Lá viviam o Irerê, com seu canto que avisava sobre as chuvas, e a Marreca-oveira, viajante incansável que trazia notícias de terras distantes.


Desenvolvimento


Certo dia, o povo percebeu que a lagoa estava secando mais cedo do que o habitual. Os peixes rareavam e as margens estavam cobertas de lama. O Irerê chamou a Marreca-oveira e disse:

— Minha amiga, as águas estão tristes. Se continuarem assim, não teremos onde criar nossos filhotes.


A Marreca-oveira respondeu:

— Eu viajo por muitas lagoas e já vi esse mal antes. Quando os homens esquecem de cuidar da água e caçam sem medida, o espírito da Lagoa se afasta.


O cacique da aldeia, ao ouvir o diálogo das aves, reuniu os anciãos. Eles lembraram que, desde tempos antigos, havia um pacto: só caçar o que fosse necessário e sempre devolver à natureza mais do que se tirava.


Inspiradas, as crianças passaram a limpar as margens da lagoa, os pescadores respeitaram os tempos de defeso, e os caçadores só abatiam aves quando o alimento da aldeia era escasso.


Com o tempo, as chuvas voltaram e a Lagoa Grande encheu novamente. O Irerê voltou a cantar suas notas de chuva e a Marreca-oveira partia e regressava, trazendo notícias de que a harmonia havia sido restaurada.


Moral da história


Quem cuida da água e respeita a vida garante não só o alimento do presente, mas o canto e o voo para as gerações que virão.


Simbolismo indígena presente


Irerê → mensageiro das chuvas e guardião local.


Marreca-oveira → ponte entre terras e culturas.


Lagoa → símbolo de abundância, vida e conexão espiritual.


Povo indígena → guardião da memória e das regras sagradas de uso da natureza.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



O IRERÊ E A MARRECA-OVEIRA, Guardiãs da Lagoa do Povo

(Versão de narrativa oral)



Eu vou contar.

Vou contar como me contaram.

Escute com os ouvidos,

guarde com o coração.


Era tempo antigo,

tempo em que a água cantava nas pedras,

tempo em que a mata abraçava a aldeia,

tempo em que a Lagoa Grande era cheia como ventre de mãe.


Na beira da lagoa vivia o Irerê,

de penas castanhas, de peito branco,

de canto que chama a chuva lá longe.

E também vivia a Marreca-oveira,

de voo ligeiro, de penas pintadas,

que conhecia lagos de terras distantes.


Um dia, o Irerê olhou e viu tristeza na água.

A Lagoa Grande estava encolhendo,

o barro aparecia,

o peixe se escondia.

E o Irerê chamou:

— Irerê, Irerê…

Chamou e a Marreca veio voando.


— Minha amiga de viagens, — disse o Irerê —

as águas estão fracas, o espírito da lagoa está indo embora.

— Eu sei, — respondeu a Marreca-oveira —

vi isso em outras terras:

quando o homem esquece de cuidar,

quando tira mais do que precisa,

o espírito da água se afasta.


O vento levou as palavras até o cacique.

O cacique chamou os anciãos.

Os anciãos chamaram o povo.

O povo chamou as crianças.

E todos lembraram o pacto antigo:

caçar só o que alimenta,

pescar só o que sustenta,

devolver à natureza o que é dela.


As crianças limparam a beira da lagoa.

Os pescadores guardaram as redes no tempo de descanso do peixe.

Os caçadores guardaram o arco quando havia fartura na aldeia.


E o tempo ouviu.

A chuva voltou.

A Lagoa Grande encheu outra vez.

O Irerê cantou: "Irerê… Irerê…".

A Marreca-oveira voou e voltou,

trazendo a notícia de que a harmonia havia voltado a morar ali.


E é assim, meu parente,

que aprendi:

quem cuida da água, cuida da vida;

quem respeita o voo, garante o canto para quem ainda virá.


Eu contei como me contaram.

Agora é sua vez de guardar e contar.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




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