⭐ FALSA FOLHA DE ROSTO
WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ,
CRENÇAS DO MUNDO ESPIRITUAL
Contos – Volume 12 – Coletânea
Nhenety Kariri-Xocó
⭐ VERSO DA FALSA FOLHA DE ROSTO
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⭐ FOLHA DE ROSTO (FRONTISPÍCIO)
Nhenety Kariri-Xocó
WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ,
CRENÇAS DO MUNDO ESPIRITUAL
Contos – Volume 12 – Coletânea
Porto Real do Colégio – AL
2025
⭐ FICHA CATALOGRÁFICA / FICHA TÉCNICA
(modelo formal adaptado ao padrão bibliográfico brasileiro)
Kariri-Xocó, Nhenety.
Woroy história, Kariri-Xocó, crenças do mundo espiritual: Contos – Volume 12 – Coletânea.
Nhenety Kariri-Xocó – Porto Real do Colégio, AL: Edição do Autor, 2025.
Povos Indígenas – Kariri-Xocó.
Contos espirituais.
Tradições orais.
Cosmologia indígena.
Seres espirituais.
CDD: 398.2089
CDU: 392.2
⭐ DEDICATÓRIA
Aos ancestrais que caminham comigo,
aos espíritos guardiões das matas e das águas,
e ao meu povo Kariri-Xocó,
cuja memória vive em cada palavra.
⭐ AGRADECIMENTOS
Agradeço à força dos Espíritos, às histórias que atravessaram o tempo,
e ao grande rio Opará, cuja voz ecoa em cada conto.
Aos que preservam, escutam e respeitam a tradição oral,
meu mais profundo axé e gratidão.
⭐ EPÍGRAFE
"Onde a palavra vive, o espírito respira.
E onde o espírito fala, a tradição permanece."
— Sabedoria Kariri-Xocó
⭐ SUMÁRIO (ÍNDICE)
Parte I – Aberturas do Mundo Espiritual
Prefácio
Apresentação
Introdução
Parte II – Contos do Volume 12
01. Ipupiara, O Ser Que Surge das Águas Profundas
02. Caipora, A Protetora dos Animais
03. Çamarabóya, A Cobra do Olhar Malígno
04. Munewo Ãmbá, O Caboclo de Casco
05. Tidzicuté, A Mulher Raposa
06. Guarawá Caraí, O Homem Lobo dos Brancos
07. Nambú, A Ave Protegida da Caipora
08. Anran e Nienuo, O Ser de Luz e o das Sombras
09. Dunhá, A Fogueira do Morto
10. Natiankié, Visão Kariri Pós a Morte e Outras Tradições Antigas
Parte III – Apêndices e Complementos
Glossário Kariri-Xocó de Termos Sagrados
Notas de Tradição Oral
Referências
Parte IV – Sobre o Autor
Dados Biográficos
Orelha do Livro
Capa e Contracapa – Ao Final
⭐ PREFÁCIO
Por Nhenety Kariri-Xocó
Os contos que habitam este livro não nasceram de tinta ou papel, mas da respiração antiga da mata, do sopro quente das fogueiras e da memória dos anciãos que caminham comigo desde o começo do tempo. Cada palavra aqui escrita não é apenas relato: é flecha de lembrança, é raiz que desce ao chão de Woroy, é luz que retorna ao espírito de quem lê.
Muitos pensam que a história dos povos originários vive apenas no passado. Enganam-se. O povo Kariri-Xocó sabe que o passado é vivo, que o presente é sagrado, e que o futuro já conversa conosco através dos Espíritos dos ancestrais que atravessam a noite. Por isso este livro não é um simples volume: é um território espiritual onde seres, visões e ensinamentos se encontram. Aqui moram Ipupiara, Caipora, Çamarabóya, Munewo Ãmbá e tantos outros que guardam e desafiam, protegem e ensinam. Eles não surgem para assustar, mas para lembrar quem somos.
Este é o Volume 12 de uma travessia iniciada há muito, e que continuará enquanto houver uma voz para contar e um ouvido para escutar. Escrevo como quem acende o fogo do Ouricuri: com respeito, com amor ao meu povo e com consciência de que cada história é um pedaço do espírito ancestral que não pode se perder.
Que este livro seja ponte e reverência.
Que seja lembrança e continuidade.
Que toque o coração de quem lê e fortaleça o caminho de quem caminha.
Assim abro estas páginas como quem abre um rito:
com o coração voltado para os Espíritos,
e os pés firmes na terra sagrada de nossos antepassados.
⭐ APRESENTAÇÃO
Por Nhenety Kariri-Xocó
Este livro nasceu da voz da tradição oral do meu povo, dos passos que nossos mais velhos deixaram na areia do Opará, e do espírito que se move por entre as árvores, rios e sonhos. Quando escrevo cada conto, não estou apenas registrando histórias; estou devolvendo ao papel aquilo que sempre pertenceu ao espírito da terra.
“Woroy História, Kariri-Xocó, Crenças do Mundo Espiritual” é um mapa, uma trilha aberta no mato sagrado para orientar quem busca compreender os seres que vigiam, protegem, ensinam e guardam as fronteiras entre os mundos. E cada ser aqui presente tem sua função espiritual, seu lugar no equilíbrio da natureza e sua lembrança na memória ancestral.
Ao leitor, deixo um convite:
não leia estas histórias com olhos de pressa.
Leia com o coração aberto, com o respeito de quem pisa em território sagrado.
Pois aqui não há fantasia: há verdade espiritual.
Há visão.
Há ensinamento.
Este livro é também ponte de encontro entre mundos:
o mundo indígena e o mundo dos brancos,
o mundo físico e o mundo espiritual,
o mundo do agora e o mundo dos antigos.
Que esta obra sirva para fortalecer a identidade dos povos originários e iluminar o caminho de todos que buscam compreender o que vive além do olhar cotidiano. As histórias são sementes. E cada leitor, ao abri-las, torna-se terra fértil para que floresçam.
⭐ INTRODUÇÃO
O povo Kariri-Xocó vive há séculos em contato direto com o mistério. Para nós, o mundo não termina onde os olhos alcançam. Há caminhos invisíveis, camadas espirituais, seres que habitam a mata, o rio, o céu e o silêncio. O que chamamos de “realidade” é apenas uma das moradas do espírito. Por isso, desde tempos imemoriais, nossos anciãos contaram histórias que nascem do encontro entre o visível e o invisível.
Este livro reúne dez desses encontros.
São contos que atravessam o tempo, preservando o que somos.
São narrativas que carregam o peso da tradição e a leveza da sabedoria.
A cada conto, o leitor encontrará um ser, uma força, uma lição:
– Ipupiara, guardião das águas profundas;
– Caipora, protetora incansável dos animais;
– Çamarabóya, a serpente que vigia e pune;
– Munewo Ãmbá, espírito que assume a forma humana;
– Tidzicuté, a mulher-raposa capaz de cruzar mundos;
– Guarawá Caraí, a fera híbrida que nasce do encontro entre culturas;
– Nambú, ave sagrada tocada pelo poder da Caipora;
– Anran e Nienuo, as duas forças opostas que equilibram o espírito;
– Dunhá, chama ritual que conversa com os mortos;
– Natiankié, a visão espiritual do caminho pós-vida.
Essas histórias não foram inventadas.
Foram reveladas, vividas, testemunhadas e transmitidas.
São parte do patrimônio espiritual do meu povo, e meu compromisso é preservar sua força e sua dignidade.
Assim, esta introdução marca o início de mais uma travessia:
uma caminhada entre mundos, guiada pela memória dos antigos e pela força dos Espíritos.
⭐ CONTOS COMPLETOS
01. IPUPIARA, O SER QUE SURGE DAS ÁGUAS PROFUNDAS
Nas noites enluaradas, quando o silêncio repousa sobre as margens do Opará, o rio sagrado dos antigos, há uma calma que parece esconder segredos. As águas dormem serenas, como se embalassem os sonhos dos peixes em suas tocas de pedra. Mas nem tudo dorme. Nem tudo repousa.
Lá, nas profundezas escuras, algo permanece desperto.
Os mais velhos da aldeia falam com reverência de um ser que habita esse mundo aquático. Chamam-no de Ipupiara, o Ser Que Surge das Águas Profundas. Para alguns, é o Negro D’Água. Para outros, apenas o Homem da Água. Mas todos o temem — e o respeitam.
Dizem que o Ipupiara aparece quando menos se espera, com a metade do corpo à tona, seus olhos penetrantes vigiando as margens, como um guardião silencioso. Seu corpo é semelhante ao de um indígena moreno, moldado pelas águas e pelo tempo, envolto numa energia que mistura mistério e poder.
Aqueles que se banham nas águas com humildade, que colhem o que precisam e partem em silêncio, não têm o que temer. O Ipupiara os observa, mas não os toca. Porém, os pescadores ambiciosos, que lançam suas redes à noite, que perturbam o descanso dos peixes e o equilíbrio sagrado do rio, estão sujeitos a um destino sombrio. Há relatos de pescadores puxados pelas pernas, afogados nas águas profundas — levados sem aviso.
— O Ipupiara levou mais um — murmuram os anciãos, quando um corpo não retorna da pescaria noturna.
Nas noites em que a lua cheia toca o rio com seus dedos prateados, há quem veja o Ipupiara emergir. Um instante apenas. Um olhar. Depois, um mergulho profundo, e o silêncio volta a reinar.
Com o tempo, no entanto, as aparições se tornaram raras. O rio foi represado. As margens ganharam luzes artificiais. Os motores das máquinas ecoam onde antes se ouvia o canto dos pássaros e o murmúrio dos ancestrais. As águas sagradas estão sendo esquecidas... desconectadas dos humanos.
— Os Ipupiaras e as Yaras não querem mais voltar — dizem os velhos. — O mundo ficou barulhento demais para o sagrado.
Mas mesmo agora, em meio às transformações, permanece um fio de esperança. Uma memória viva. Pois sempre que pronunciamos seu nome — Ipupiara — algo se agita nas profundezas. Um eco espiritual nos alcança. Ele nos ouve. Ele está lá. Os seres do rio não morrem — vivem onde são lembrados.
E enquanto houver quem conte essas histórias, os guardiões das águas continuarão vivos, nadando nos corações de quem escuta.
02. CAIPORA, A PROTETORA DOS ANIMAIS
Nas profundezas das florestas do Opará, onde o rio canta antigas canções e os ventos sussurram segredos aos ouvidos atentos, habita um ser sagrado. Na terra dos Kariri-Xocó, em Porto Real do Colégio, estado de Alagoas, vive a Caipora – pequena em tamanho, mas gigante em poder e sabedoria.
Dizem os mais velhos, e confirmam os que já se perderam nas trilhas, que a Caipora não é apenas uma lenda: é guardiã da floresta, espírito feminino que protege os animais e castiga quem fere a ordem sagrada da mata.
Ela aparece como uma pequena índia, de olhos vivos e corpo ágil como o do próprio veado que ela protege. Carrega um chicote feito de cipó e sombra. Com ele, pune sem piedade os caçadores que entram na mata sem respeito, sem pedir licença, sem oferecer o fumo sagrado no tronco das árvores, como manda a tradição.
Não se trata de proibir a caça, mas de reconhecer a floresta como um ser vivo, cheio de leis e espíritos. Quem caça por necessidade, com coração humilde e oferenda sincera, pode seguir. Mas quem entra com ganância, com pressa, sem escutar o canto da mata, esse... se perde. Literalmente. Fica rodando em círculo, ouvindo risos nas sombras, caindo e levantando, como se o mundo tivesse se virado do avesso. E é ela — a Caipora — que guia esse castigo.
Em Kariri-Xocó já se ouviram muitas histórias. Caçadores jovens, inexperientes, voltaram assustados, dizendo que viram olhos brilhando entre as árvores, ou que uma mão invisível os puxava para o chão. Alguns não quiseram contar tudo. Preferiram o silêncio dos que aprenderam a lição.
A floresta do Ouricuri, que é sagrada para nosso povo, segue viva porque também fazemos a nossa parte. Ajudamos os protetores invisíveis. Plantamos, cuidamos, cantamos, oramos. E assim, quando caminhamos entre as árvores, ouvimos o canto alegre dos pássaros, o zumbido dos beija-flores, vemos pegadas de antas e cutias. Tudo respira em harmonia.
E se um dia você for à mata do Opará e sentir um arrepio leve na nuca, não se assuste. Talvez seja a Caipora apenas observando. Se estiver em paz com a floresta, ela deixará você passar. Mas lembre-se sempre: peça licença. E leve um pouco de fumo, não como moeda, mas como sinal de respeito.
03. ÇAMARABÓYA A COBRA DO OLHAR MALÍGNO
Dizem os antigos que, antes do machado dos brancos riscar a terra, a floresta era imensa. Ultrapassava o horizonte, onde o céu beija o chão e o rio Opara, o velho São Francisco, serpenteia como veia da terra.
Naquele tempo, entre os galhos e sombras do interior da mata, vivia uma cobra imensa e temida. Os mais velhos a chamavam de Çamarabóya — “Olhos Mal da Cobra”. Não era bicho comum. Seus olhos brilhavam como brasas, e quem os encarasse sentia o corpo obedecer, os pés caminharem sozinhos até o bote fatal. Era como se a cobra puxasse a alma do homem com o olhar.
Mas Çamarabóya não atacava qualquer um. Ela guardava a lei da floresta. Caçadores gananciosos, que matavam além do necessário, que feriam a mata por prazer ou ambição, esses sim eram levados. Os outros, aqueles que caçavam só o bastante pra alimentar a família — um tatu, um veado, um pouco de mel — esses voltavam em paz, como se a mata os conhecesse pelo nome.
Com o tempo, vieram os homens de fora. Cortaram a floresta, abriram estrada, queimaram o que era verde. A caça fugiu. E Çamarabóya também. Os velhos dizem que ela foi embora, sumiu no silêncio da floresta que morreu.
Hoje, quase ninguém se lembra dela. Só em roda de conversa com algum caçador indígena, quando a noite é longa e a mata, mesmo pequena, sussurra. Eles dizem: "Çamarabóya aqui não vive mais."
Mas o que se perde quando a floresta cai? Não é só madeira. Vai junto o canto dos pássaros, o perfume das flores, o segredo das raízes. Vai também a cultura, o espírito do lugar, a memória do povo. Esquecemos os mitos, os seres encantados, os acordos invisíveis que mantêm o equilíbrio.
Tudo na floresta está em relação — planta, bicho, água, homem, lenda. A beleza está no todo. E quem desobedece as leis da convivência perde o direito de viver plenamente.
Talvez Çamarabóya ainda esteja por aí, escondida em algum sonho de mata que restou. Esperando o dia em que voltaremos a ouvir e respeitar os olhos da floresta.
04. MUNEWO ÃMBÁ, O CABOCLO DE CASCO
Nas vastas matas que um dia cobriram as terras do povo Kariri-Xocó, existiam segredos que se escondiam entre as sombras das árvores centenárias. Eram tempos antigos, em que o canto dos pássaros era a melodia do amanhecer e o sussurro do vento trazia histórias de seres que não eram deste mundo.
Juarez Itapó, velho conhecedor das lendas de seu povo, costumava lembrar o relato de seu pai, Kirino, caçador experiente que conhecia cada rastro e cada silêncio da floresta. Certa vez, Kirino subira em um pé de kruirí, esperando pacientemente a passagem de um bando de porcos-do-mato. O dia inteiro passou em vão. Nenhuma presa. Só o calor e os pensamentos.
Mas, ao cair da tarde, algo mudou. O canto dos pássaros cessou de repente, como se o tempo tivesse prendido a respiração. Um silêncio espesso cobriu a mata. Foi então que Kirino ouviu. Ao longe, um som estranho: "Eiii... Eiii..." — gritos que se aproximavam, ganhando força, como se arrastassem o próprio mundo consigo.
As árvores pareciam estremecer. Galhos se partiam. Animais corriam em debandada. O coração de Kirino acelerou.
Do meio da mata surgiu uma criatura indescritível. Um ser gigantesco, de pele encouraçada como casco de jabuti, com um único olho flamejante cravado no meio da testa. Tinha apenas uma perna, mas saltava com a rapidez de um veado. No centro do corpo, o umbigo brilhava em vermelho vivo, abrindo e fechando toda vez que soltava um grito que fazia as folhas tremerem.
Kirino reconheceu de imediato: era ele, Munewo Ãmbá, o temido Caboclo de Casco. Desde menino ouvira as histórias — de como o ser era invulnerável a flechas e balas, de como muitos caçadores haviam desaparecido na floresta ao cruzar seu caminho, deixando esposas e filhos apenas com a dor da ausência.
O Caboclo farejou o ar, procurou ao redor com seu único olho. Não viu Kirino, que permanecia imóvel, colado à árvore, silencioso como o musgo. Não encontrando o que buscava, o ser soltou um último grito aterrador e desapareceu novamente entre os galhos e os caminhos secretos da mata.
Kirino desceu da árvore com o coração disparado e as pernas trêmulas. Correu de volta para a aldeia, sem presa, sem palavras. Quando enfim contou o ocorrido, os mais velhos o cercaram espantados.
— Home, você teve a maior sorte do mundo, disse um.
— Escapou do Caboclo de Casco!
Kirino apenas assentiu:
— Escapei porque tava em cima do pé de kruirí. Fiquei quietinho, nem respirei direito...
Hoje, a grande mata não existe mais. Derrubada pelo tempo e pelas mãos do progresso. Mas dizem que o Caboclo de Casco seguiu adiante, procurando novas florestas virgens para habitar. E quem sabe, entre as sombras de algum outro mundo verde, ainda ecoem seus gritos, assustando quem ousar desafiar os segredos da mata.
05. TDZICUTÉ, A MULHER RAPOUSA
Naqueles tempos em que a aldeia começou a ser chamada de cidade, tudo mudou. As terras foram divididas com cercas e papéis, e nasceu Porto Real do Colégio. Os indígenas ficaram sem chão, sem proteção, e o sofrimento se espalhou feito fumaça no vento.
Dizia o velho Cacique Cícero Irecé, em conversa com o senhor Germídio, que a cidade nasceu mal-assombrada. Era como se as almas da mata e do rio tivessem se revoltado. Mas o que mais assombrava mesmo era a história de Kasturina — uma mulher indígena valente, sábia como o luar sobre o rio.
Dizem que, de tanta dor e revolta por ver sua terra sendo tomada pelos brancos, Kasturina aprendeu com os saberes indígenas a mudar de forma. Quando o sol se escondia e as primeiras estrelas nasciam, ela se transformava em raposa. Sim, uma raposa grande, de olhos de brasa e uivo que cortava a alma. Seu grito atravessava a cidade, gelando o sangue dos invasores.
As pessoas trancavam portas cedo, temendo cruzar com a fera. Muitos homens armados saíam à caça da tal raposa, mas quando pensavam estar perto, ela já havia sumido, uivando em outra rua. Era como vento entre árvores — impossível de pegar.
O senhor Germídio contava que, certa vez, um homem viu a transformação. Kasturina, de pé no terreiro, ergueu os braços à lua e sua pele virou pêlo, seu corpo virou fera. Diziam os antigos: isso aconteceu porque tomaram as terras dos índios, e a terra não aceita ser ferida sem reagir.
O tempo passou. Kasturina envelheceu. Quando partiu para o mundo dos ancestrais, a raposa nunca mais foi vista. A cidade dormiu em paz pela primeira vez. Mas os brancos aprenderam, ou fingiram aprender, a respeitar o povo da terra.
Hoje, os descendentes de Kasturina vivem em paz, numa rua que virou aldeia dentro da cidade. Mas todos sabem: essas terras têm dono. E quem ousar esquecê-lo, poderá ouvir, certa noite, um uivo distante, vindo do coração da mata...
06. GUARAWÁ CARAÍ, O HOMEM LOBO DOS BRANCOS
O Conto do Homem Lobo
Dizem os antigos que, quando os brancos atravessaram o mar e chegaram a estas terras, não trouxeram apenas ferro, pólvora e novos costumes. Trouxeram também seus medos e maldições.
Entre eles, vinha a história do lobisomem, o homem que, sob a lua cheia, se transformava em fera.
Nas vilas coloniais, muitos falavam de galinhas mortas, de pegadas estranhas na terra e de uivos que gelavam a noite. E esses boatos chegaram até as aldeias.
Certa noite, a lua estava grande e clara no céu. Os cães latiam sem parar, os cavalos batiam as patas no chão, e no galinheiro restavam penas espalhadas e aves mortas.
Os jovens, assustados, correram até o velho Tanuã, que estava diante da fogueira.
— Avô — disseram eles —, que bicho é esse que anda pela noite? É espírito da mata?
O ancião olhou as chamas dançantes e respondeu com voz grave:
— Não, meus filhos. Esse ser não nasceu aqui. É o Guarawá, o Homem-Lobo. Ele veio dos Caraí, os brancos. Carregam essa maldição em sua essência. Entre nós, nunca houve criatura assim. Foi por isso que lhe demos esse nome em nossa língua.
O fogo estalava, e o silêncio se fez ao redor. Os jovens se entreolharam, entre medo e curiosidade, enquanto o vento soprava na mata.
E desde aquela noite, sempre que a lua cheia aparece redonda no céu, o sussurro do Guarawá Caraí percorre a aldeia — lembrança de que até os medos podem atravessar oceanos e ganhar novo nome em outras terras.
07. NAMBÚ - A AVE PROTEGIDA DA CAIPORA
Era tempo de escassez na aldeia. As matas já não eram como antes, tomadas agora por plantações de cana e pelo gado dos brancos. Os bichos da floresta andavam raros, e o silêncio das árvores parecia carregar uma tristeza ancestral. O índio Kirino, sentindo o peso da necessidade, decidiu partir em busca de caça.
Mas, em vez do velho arco e flecha, companheiro dos tempos antigos, levou consigo uma espingarda — arma barulhenta, de cheiro forte, mas eficaz, aprendida com o branco invasor. Kirino sabia que aquilo desagrava os espíritos da mata, mas a fome não lhe deixava escolha.
Ao adentrar a floresta, caminhou até um pequeno poço d’água, onde os animais silvestres costumavam aparecer. Acomodou-se na espreita, escondido entre as folhas, os olhos atentos.
Foi quando surgiu uma nambú — ave pequena, de andar sereno, que se aproximou calmamente da água. Kirino, com os olhos fixos, ergueu a espingarda e atirou. Mas a ave nada sofreu. Espantado, ele recarregou a arma e atirou outra vez. Nada. A nambú apenas bateu as asas suavemente, como a zombar de sua tentativa. Uma terceira vez tentou, e de novo, a ave saiu ilesa, serena, intocada pelo chumbo.
Com o coração apertado e os olhos arregalados, Kirino sentiu um arrepio subir pela espinha. Nunca, em toda sua vida, havia visto algo assim. Abandonou a tocaia e voltou à aldeia sem nada trazer. Ali, reunido com os anciãos, contou o que presenciara.
O Cacique Otávio Nidé ouviu com atenção e, após breve silêncio, falou:
— Kirino, meu irmão, não foi uma ave qualquer que você encontrou. A Caipora, protetora da floresta e das caças, tomou a forma da nambú para te dar um aviso. A espingarda é arma do branco, e perturba a harmonia da mata. O barulho assusta os espíritos, e a floresta se entristece.
O Cacique continuou, com voz firme e serena:
— Se queremos caçar para alimentar nosso povo, devemos primeiro pedir licença à Caipora. E contar que estamos com necessidade. Só assim, com respeito, ela talvez aceite nossa súplica. Mas jamais devemos esquecer: somos filhos da floresta, e não devemos virar contra ela as armas que nos foram impostas.
Desde esse dia, Kirino guardou sua espingarda. Voltou ao arco e flecha, e, antes de qualquer caçada, deixava oferenda e palavra à Caipora, lembrando que a floresta vive, sente e protege.
08. ANRAN E NIENUO, O SER DE LUZ E O DAS SOMBRAS
Um Conto do Ser de Luz e o das Sombras
Foi numa noite de lua clara.
O povo se reunia em volta da fogueira, e as brasas brilhavam como olhos de espírito.
As crianças corriam, os jovens escutavam, e os mais velhos guardavam silêncio.
Então um menino, chamado Iary, se aproximou do ancião.
E perguntou com voz curiosa:
— Avô, o que é Anran? E o que é Nienuo?
O ancião respirou fundo.
Olhou para o céu, olhou para o fogo, e disse:
— Escuta, meu neto.
Quando nascemos, todos nós somos Anran.
Anran é o humano verdadeiro.
Anran vive em comunidade, divide o alimento, compartilha o trabalho, cuida da família, honra a natureza.
O coração de Anran é cheio de amor, amizade e respeito.
Quem caminha como Anran, caminha na luz do Criador e junto aos ancestrais.
O menino ouviu, mas quis saber mais:
— E Nienuo, avô? Quem é Nienuo?
O ancião fechou os olhos, como quem fala com os antigos, e respondeu:
— Nienuo é o humano que se perdeu.
É aquele que abandona a comunidade, que escolhe o ódio, a violência, o egoísmo.
No início ainda é humano... mas pouco a pouco vai esquecendo o sagrado.
Pouco a pouco vai regredindo.
Pouco a pouco vai se tornando sombra.
E quando a sombra toma conta, ele já não é Anran.
Ele é Nienuo.
O menino ficou assustado:
— Então, avô, Nienuo também já foi gente?
E o ancião respondeu:
— Sim, meu neto. Todo Nienuo já foi Anran um dia.
Mas esqueceu quem era.
Esqueceu o Criador.
Esqueceu os ancestrais.
E ao esquecer... tornou-se prisioneiro da escuridão.
O fogo estalou alto, como se concordasse com as palavras.
E o ancião disse ainda:
— Por isso, Iary, escuta bem:
Quem deseja ser Anran deve escolher a cada dia.
Escolher a vida, o amor, a amizade, a partilha.
Escolher o caminho do Criador.
O menino ergueu a cabeça e prometeu:
— Eu serei Anran, avô.
Para que meus passos sejam lembrados pelos ancestrais.
Então o ancião sorriu.
E a lua sorriu.
E as estrelas também sorriram.
E naquela noite, todos souberam:
Enquanto houver quem escolha ser Anran,
Nienuo jamais vencerá.
09. DUNHÀ, A FOGUEIRA DO MORTO
Na aldeia Kariri-Xocó, desde tempos que os mais velhos não sabem contar, existe um costume que atravessa as gerações como o próprio rio que serpenteia a mata. Quando alguém parte desta vida, a família do finado acende uma fogueira na porta de sua casa, uma chama que ilumina a noite e aquece as memórias.
Assim foi com o velho Aruanã, que naquela tarde descansou sua última vez sob a sombra da gameleira. Quando a noite caiu, a fogueira já ardia firme diante de sua porta. Um a um, os membros da tribo começaram a chegar, como se atraídos pelo calor das brasas e pelo chamado silencioso do finado.
Entravam na casa e ali ele estava, estendido na sala, com os pés apontando para a porta — sinal de que sua alma havia partido e jamais retornaria ao mundo dos vivos. Ninguém falava alto; apenas os olhos se cruzavam, e os passos lentos cercavam o corpo, respeitosos, atentos ao rito que se cumpria.
Do lado de fora, ao redor da fogueira, o povo se acomodava como mandava a tradição: uns traziam cadeiras de madeira, outros esteiras para se deitarem junto às crianças. Alguns preferiam permanecer em pé, sentindo o calor do fogo misturado ao frio da madrugada.
E então começava a roda de histórias.
Falavam de Aruanã como ele fora: forte nas pescarias, habilidoso na roça, incansável nos mutirões e caçadas que enfrentava mata adentro. Os mais velhos, companheiros de sua juventude, lembravam as travessuras de menino, os primeiros trabalhos, os cantares nas festas, as lutas e os feitos que marcaram sua vida entre o povo.
Enquanto isso, isso, a família cuidava dos que ali velavam. Colocavam o café para ferver sobre o fogo, serviam pães e entregavam os canecos de alumínio, onde o café fumegante espantava o sono e aquecia o corpo — “bofes quentes”, como gostavam de dizer.
O terreiro se enchia. Uns resistiam ao sono contando causos, outros, vencidos pelo cansaço, adormeciam sobre as esteiras junto às crianças embaladas pelo crepitar das chamas. E assim a noite seguia, até que, aos poucos, a escuridão dava lugar ao primeiro brilho do dia.
Quando o Sol começava a nascer, todos sabiam: era hora de ir para casa, tomar banho e se preparar para acompanhar o morto em sua última caminhada até a terra.
Na aldeia, ninguém via a "Fogueira do Morto" apenas como um momento de tristeza. Era, antes, um tempo de lembrança, de memória viva. Ali, ao redor do fogo, se celebrava não apenas a morte, mas a vida que Aruanã deixara marcada na cultura da tribo — seja pela sua luta, pela arte, pelo canto, pela dança, ou simplesmente pelo fato de ter sido quem foi: um homem, com virtudes e falhas, mas que, como as brasas daquela fogueira, jamais seria totalmente apagado.
10. NATIANKIÉ, VISÃO KARIRI PÓS A MORTE E OUTRAS TRADIÇÕES ANTIGAS
Conto de Visão Sobre Pós Morte
A brisa da tarde soprava sobre a aldeia, trazendo o som das cigarras e o cheiro de terra molhada. Namara, uma jovem curiosa e cheia de perguntas, aproximou-se do ancião Kamyá, que descansava à sombra de um pé de jatobá. Seus olhos, já cansados pelo tempo, guardavam a memória de muitas gerações.
— Ancião Kamyá — disse Namara com respeito —, tenho estudado a espiritualidade dos povos indígenas e também o que os Caraí, os brancos, falam sobre a vida e a morte. Mas o que eu mais desejo saber é: para onde vamos quando deixamos este mundo?
O velho sorriu, ajeitou o cachimbo de barro e respondeu com voz serena:
— Minha filha, cada povo tem seus caminhos e suas moradas sagradas. Mas nós, do povo Kariri, sabemos que, quando o sopro da vida se despede, seguimos para Natiankié, a Aldeia Espiritual dos Antepassados.
Namara franziu o rosto, intrigada, e pediu que lhe contasse mais.
— Em Natiankié — continuou Kamyá —, todos se reencontram. Os que vieram antes de nós vivem lá, dançam em roda, caçam, pescam e cuidam da terra sagrada, como faziam aqui. É uma aldeia sem dor e sem fome, onde o fogo nunca se apaga e a memória dos ancestrais se mantém viva. Lá, os espíritos nos observam, aconselham e fortalecem nosso caminho neste mundo.
Um silêncio respeitoso tomou conta do espaço. O coração de Namara se aqueceu com aquelas palavras, como se pudesse ouvir os tambores de Natiankié ecoando além do tempo.
Ela agradeceu ao ancião com um gesto de reverência. No entanto, sua curiosidade a levou a buscar ainda mais. Partiu para estudar outras tradições, navegando pelas histórias da humanidade, comparando caminhos e crenças, como quem costura um grande manto de sabedoria.
E assim começou a viagem de Namara entre mundos, onde a aldeia dos Kariri se encontrava com o Egito, a Grécia, Roma, os Celtas, os Hebreus e os Germânicos. Mas no fundo, em todos os povos, ela via a mesma chama: a esperança de que a vida não termina, apenas muda de morada.
Autor dos Contos: Nhenety Kariri-Xocó
🌿 APÊNDICES / GLOSSÁRIO / INFORMAÇÕES ADICIONAIS
(Versão pronta para entrar no livro após a Introdução)
Apêndice A — Glossário de Termos Kariri-Xocó e Conceitos Culturais
Ãmbá — o nome de origem Kariri que vem de Sãmbá "cágado", réptil que tem casco ou carapaça.
Anran — o humano verdadeiro, vive em comunidade, divide o alimento, compartilha o trabalho, cuida da família, honra a natureza.
Caipora — a Protetora dos dos animais e árvores da floresta, punindo com um cipó invisível surrando aqueles que não respeitar a natureza.
Caraí — o homem branco, europeu, portugueses, pessoas com muito saber, magia, poderoso.
Çamarabóya — “Olhos Mal da Cobra”, neologismo do Tupi que vem do Cá "olho", Mara "mal" do Kariri e Bóya "cobra" também do Tupi, pelos Kariri-Xocó.
Dunhá — a "Fogueira do Morto", o fogo que se faz defronte a casa do falecido a noite, onde as pessoas (sentinelas) vai fazer sua última homenagem.
Guarawá — o Homem-Lobo, aquele que se transforma em lobo, tem origem no Tupi com neologismo Kariri-Xocó, vem de Guara "animal" e Awa "Homem adulto".
Ipupiara — o Ser Que Surge das Águas Profundas; para alguns, é o Negro D’Água, outros, apenas o Homem da Água.
Juremá — Árvore sagrada e também nome de um sistema espiritual ancestral presente entre diversos povos indígenas do Nordeste.
Kariri-Xocó — Povo indígena da região de Porto Real do Colégio (AL), resultado de ancestralidades Kariri e Xocó, com forte tradição oral e espiritual.
Munã — Sabedoria antiga transmitida pelos mais velhos, vinculada ao tempo do aprendizado e da observação.
Munewo — o espírito de caboclo, do indígena, da mistura entre nativos e portugueses.
Nambú — a ave do sertão nordestino, também conhecida por Inambu, preferida pelos caçadores.
Natiankié — a Aldeia Sagrada Espiritual, onde vive os antepassados, a palavra é um neologismo Kariri-Xocó, vem de Natiá "aldeia" e Arankié "céu".
Nienuo — o humano que se perdeu, no início ainda é humano... mas pouco a pouco vai esquecendo o sagrado.
Tidzicuté — A Mulher Raposa, um neologismo Kariri-Xocó que vem de Tidzi "mulher" e Cuté "cachorro, rapouza", pessoa que se transforma num canídeo.
Toré — Dança indígena sagrada, com cantos e maracás, presente em várias etnias do Nordeste, símbolo de resistência cultural.
Apêndice B — Notas Sobre os Seres, Mitos e Tradições
Sobre os Seres Encantados
As entidades presentes nos contos refletem a tradição ancestral e a visão de mundo Kariri-Xocó, onde cada animal, cada rio, cada árvore possui espírito e caminho próprio.
Sobre a Travessia do Tempo
A estrutura espiritual Kariri-Xocó entende que o tempo não é linear, mas circular: passado, presente e futuro coexistem nos passos do Toré e nas histórias dos mais velhos.
Sobre a Relação com a Natureza
Nos contos, a natureza não é cenário — ela é personagem viva, consciente, dona de suas regras.
Apêndice C — Notas do Autor
Estas histórias são parte de um contínuo caminho espiritual, guardadas na memória dos ancestrais e renovadas a cada nova geração. São contos que surgem do chão, do rio, da floresta, e também da experiência viva do povo Kariri-Xocó.
🌿 DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR
Nhenety Kariri-Xocó
Filho do povo Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio, em Alagoas, guardião da palavra ancestral e contador de histórias.
Desde jovem, cresceu ouvindo narrativas dos mais velhos, aprendendo a força dos Espíritos, o respeito à natureza e o valor da memória oral.
Poeta, cordelista, pesquisador das tradições indígenas, Nhenety dedica sua escrita à preservação do espírito do seu povo e à construção de pontes entre mundos — o antigo e o moderno, o espiritual e o cotidiano.
Suas obras transitam entre contos, cordéis, estudos culturais e narrativas que honram a resistência e a sabedoria indígena.
É também autor de diversas coletâneas e criador de projetos que unem ancestralidade, poesia e imaginação viva.
🌿 ORELHA DO LIVRO (ESQUERDA)
(Texto que aparece na aba interna esquerda da capa)
WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ — RUA DOS ÍNDIOS, TRAVESSIA DO TEMPO
reúne contos ancestrais que caminham como passos de Toré entre mundos, mostrando seres, mistérios e sabedorias que habitam as terras e rios do povo Kariri-Xocó.
Nesta coletânea, os Espíritos surgem não apenas como personagens, mas como guardiões culturais que acompanham o leitor em cada página.
É um livro para ser sentido com o corpo, com o coração e com a memória.
A obra convida a atravessar o portal da imaginação indígena, onde cada história revela algo da força espiritual, da relação com a natureza e da identidade viva de um povo que resiste pelo canto e pela palavra.
🌿 ORELHA DO LIVRO (DIREITA)
(Texto que aparece na aba interna direita da contracapa)
Nhenety Kariri-Xocó — poeta, contador de histórias e guardião da tradição oral — apresenta aqui uma coletânea que honra seus ancestrais e amplia o horizonte literário indígena contemporâneo.
Sua escrita combina suavidade e firmeza, unindo poesia, mito e espiritualidade.
Cada conto deste volume é um fragmento de mundo, um sussurro vindo da mata, do rio, da aldeia e do tempo antigo que nunca se quebra.
Este livro é uma celebração da continuidade cultural, um espelho para quem deseja conhecer a visão indígena sobre o invisível, o espírito e o sagrado.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó














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