📄 FALSA FOLHA DE ROSTO
WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ,
O ESPORTE E AS BRINCADEIRAS
Contos – Volume 11 – Coletânea
Nhenety Kariri-Xocó
📄 VERSO DA FALSA FOLHA DE ROSTO
Esta é uma obra literária de autoria de
Nhenety Kariri-Xocó,
guardião da palavra que atravessa o tempo
e ilumina o caminho dos que aprendem pela escuta.
Todos os direitos pertencem ao autor.
Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização expressa.
📄 FOLHA DE ROSTO
WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ,
O ESPORTE E AS BRINCADEIRAS
Contos – Volume 11 – Coletânea
Por
Nhenety Kariri-Xocó
Povo Kariri-Xocó – Porto Real do Colégio (AL)
Cidade de publicação: __________
Ano de publicação: 2025
📄 FICHA CATALOGRÁFICA (MODELO BASE)
(Modelo de referência para futura ficha oficial por bibliotecário.)
Kariri-Xocó, Nhenety.
Woroy História, Kariri-Xocó, O Esporte e as Brincadeiras: contos – Volume 11 – Coletânea / Nhenety Kariri-Xocó. – [Cidade], 2025.
___ p. ; il.
ISBN: (reservado)
Literatura indígena brasileira.
Contos tradicionais.
Cultura Kariri-Xocó.
Esporte indígena.
Brincadeiras tradicionais.
Narrativas orais.
I. Título.
II. Kariri-Xocó, povo.
CDD: 869.93
CDU: 821.134.3-31
📄 DEDICATÓRIA
Dedico este livro
aos mestres do corpo e da alegria,
que ensinaram a correr, pular, brincar
e transformar movimento em celebração.
Dedico às crianças e jovens Kariri-Xocó,
que fazem do esporte um território de união
e das brincadeiras um caminho
para fortalecer o espírito do nosso povo.
Dedico aos antigos,
que mesmo sem quadras, bolas ou pistas,
sabiam que o corpo é templo,
e que brincar também é aprender a viver.
E dedico, com respeito profundo,
a todos que reconhecem
que a cultura do brincar
é tão sagrada quanto a cultura de rezar.
📄 AGRADECIMENTOS
Agradeço aos Anciãos e Anciãs que preservam a memória viva do nosso povo, relembrando que o conhecimento não nasce nos livros, mas nos conselhos compartilhados à sombra das árvores sagradas.
Agradeço às lideranças Kariri-Xocó, que mantêm acesa a chama da resistência, garantindo que nossas tradições, nossas brincadeiras e nossos modos de celebrar o corpo continuem florescendo entre as novas gerações.
Aos pais, mães e mestres, que transmitem, com paciência e carinho, as brincadeiras que moldam a infância e fortalecem a identidade.
Às crianças e jovens, que correm, pulam, dançam e reinventam o mundo todos os dias, lembrando-nos que o futuro tem pés ligeiros e coração alegre.
Agradeço também aos pesquisadores, aliados e guardiões da cultura que respeitam a voz indígena e reconhecem o valor das histórias que brotam da terra e da tradição.
E agradeço, sobretudo, ao Espírito Ancestral que nos guia, que protege nossas jornadas e que inspira cada palavra que aqui repousa.
📄 EPÍGRAFE
"Brincar é aprender o caminho do mundo.
Mover o corpo é lembrar que somos parte da Terra.
E contar histórias é manter viva a respiração dos antigos."
— Sabedoria Kariri-Xocó
📄 SUMÁRIO
Prefácio
Apresentação
Introdução
Contos
01. Byghitó, Jogar Pé Na Coisa Redonda;
02. Cropodzú, Lutar na Água;
03. Uchenhekié, O Tempo de Brincar;
04. Ubapiné Dzurió, Canoinhas da Lagoa;
05. Dabukasá, A Galinha Gorda;
06. Hebacabarú, O Cavalo de Pau;
07. Ibapiné Benhekié, Carrinhos de Brincar;
08. Duboherí Benhekié Bunhá, O Mestre dos Brinquedos de Barro;
09. Amínhekié, Brincar de Cozinhada;
10. Tsepinehekié, Gente Pequena de Brincar.
Considerações Finais
Sobre o Autor
Agradecimentos Finais
Orelha do Livro
Capa e Quarta Capa
📄 PREFÁCIO
Este volume da coleção Woroy História, Kariri-Xocó convida o leitor a entrar em um território onde o corpo, a alegria e a tradição se entrelaçam.
Aqui, o esporte e as brincadeiras não são apenas passatempos: são ferramentas de resistência, formas de educação e caminhos para compreender a alma de um povo.
Cada conto desta coletânea guarda um pedaço da infância indígena — aquela que corre livre entre o rio e a aldeia, que aprende com a natureza, que molda o espírito enquanto fortalece o corpo.
Nestas páginas, o leitor sentirá a força de uma cultura que transforma movimento em sabedoria e transforma brincadeira em ritual.
O autor, Nhenety Kariri-Xocó, mais uma vez demonstra sua sensibilidade como contador de histórias e guardião da memória. Sua escrita é ponte entre passado e presente, entre tradição e contemporaneidade, entre a aldeia e o mundo.
Que este livro inspire respeito, reflexão e encantamento.
Que cada leitor reencontre aqui a criança que um dia foi e aprenda a olhar o mundo com o mesmo brilho e liberdade.
📄 APRESENTAÇÃO
O povo Kariri-Xocó é um povo de caminhada longa, de corpo firme e de espírito alegre.
Desde tempos antigos, entre o Velho Chico e as aldeias que resistem, as brincadeiras, os jogos e os desafios físicos serviram como escola, celebração e fortalecimento coletivo.
Este livro apresenta uma coleção de contos que revelam esses ensinamentos:
como se aprende a correr ouvindo os conselhos dos mais velhos;
como se descobre a coragem através de jogos tradicionais;
e como cada brincadeira carrega dentro de si uma lição sobre convivência, disciplina, respeito e ancestralidade.
A obra nasce do compromisso de registrar a cultura viva, as memórias e os saberes transmitidos de geração em geração.
É um convite para que o mundo conheça a riqueza lúdica do povo Kariri-Xocó e compreenda que o brincar é também um ato de preservar a identidade.
📄 INTRODUÇÃO
O esporte e as brincadeiras sempre fizeram parte da construção social e espiritual dos povos indígenas. Entre os Kariri-Xocó, correr, saltar, disputar, cooperar e brincar são ações que ultrapassam o simples gesto físico.
São práticas que moldam o caráter, fortalecem o corpo e aproximam o indivíduo das energias da natureza.
Neste volume, apresento contos que nasceram da tradição oral, das memórias de infância, das palavras dos antigos e da vivência cotidiana na aldeia.
São histórias que atravessam o tempo e se conectam com o presente, revelando como cada gesto — por mais simples que pareça — carrega dentro de si um significado profundo.
Aqui, o leitor encontrará narrativas que dialogam com o rio, com a mata, com a aldeia, com os rituais e com o espírito lúdico do nosso povo.
Cada conto é uma janela que se abre para a sabedoria Kariri-Xocó, mostrando que o aprendizado nasce do corpo em movimento, da alegria compartilhada e da comunhão com nossos ancestrais.
Que este livro seja caminho, memória e brincadeira.
E que cada leitor encontre nestas páginas algo de sua própria infância, algo de sua própria jornada, algo de sua própria alma.
📄 CONTOS COMPLETOS
01. BYGHITÓ, JOGAR PÉ NA COISA REDONDA
Um Conto Sobre o Futebol na Aldeia
Na beira do Rio São Francisco, onde o vento sopra histórias antigas e o tempo caminha com passos de espírito, nasceu uma paixão que balança os corações como folhas nas árvores da aldeia: o Byghitó, “Jogar Pé na Coisa Redonda”.
Foi nos anos de 1950 que a novidade chegou com força a Porto Real do Colégio, cidade marcada pela presença ancestral dos Kariri. O povo ainda vivia reunido na Rua dos Índios, mas mesmo com a luta diária por respeito e identidade, seus olhos brilhavam diante daquela coisa redonda que rolava pelo chão e fazia os pés dançarem.
Na língua Kariri, chamaram o novo jogo de Byghitó — nome bonito e verdadeiro:
By, que é o "Pé".
Canghité, a "Coisa".
Totó, o "Redondo".
Naquele tempo, formou-se o primeiro time da cidade: o Colegiense. Entre os que vestiram a camisa, estava Miguel Suíra, indígena de coragem, que driblava como se estivesse traçando caminhos no mato e corria como quem foge de espírito antepassado. Não demorou para Miguel se destacar. Seus pés, acostumados com o chão batido da aldeia, fizeram história também nos campos profissionais de Alagoas.
Os anos passaram como o rio, sempre em movimento. Vieram outros times, outras camisas, e os Kariri estavam lá — firmes, chutando com força e alma. Nasceu o Cruzeiro da Rua da Aurora, onde muitos indígenas mostraram sua força. Depois veio o Kariri Esporte Clube, fundado em 1975, feito com suor, sonho e união. Mais tarde, em 1980, foi a vez do Esporte Clube Guarani, fundado por filhos da terra e do tronco ancestral.
E a paixão virou tradição.
O Guarani conquistou três campeonatos municipais — tricampeão com orgulho. O Kariri também levantou taça. E até o time PSG da Aldeia, com nome moderno, mostrou que os pés da aldeia ainda dançam bem com a bola.
Hoje, aos domingos, o campo de futebol da aldeia enche-se de vida. Crianças, jovens e anciãos se reúnem. Não é apenas um jogo. É um ritual de alegria. Um momento em que a cultura ancestral encontra o presente. Cada chute é memória. Cada gol é vitória sobre o esquecimento.
Porque para os Kariri-Xocó, o Byghitó não é só esporte.
É parte do coração.
É identidade correndo no campo.
02. CROPODZÚ, LUTAR NA ÁGUA
Um Conto Espotivo Kariri-Xocó
Era verão no Opará. O sol brilhava como um olho maravilhado sobre as águas, e o vento que descia pelas margens do rio trazia risos, cantigas e cheiro de peixe fresco. As pedras aquecidas pareciam acolher os pés de quem ali passava, e a areia morna anunciava o tempo das brincadeiras.
Ali, entre capinzais e remansos, o povo Kariri-Xocó se reunia. Crianças corriam com os cabelos ao vento, as mulheres lavavam roupa e trocavam histórias, e os mais velhos observavam em silêncio, com os olhos cheios de lembranças. Era tempo de Cropodzú — o tempo de lutar na água.
— Cropodzú! — gritou um menino, com os olhos acesos de alegria.
Logo se formaram os pares. Dois rapazes ergueram os amigos sobre os ombros, firmes até a cintura dentro d’água. As moças, rindo, fizeram o mesmo. Os corpos reluziam ao sol, e os corações pulsavam como tambores. O desafio era simples, mas ancestral: derrubar o outro com equilíbrio, força e risos. Quem caísse, ria também — pois ali, vencer era participar.
O nome da brincadeira ecoava como encantamento: cropobó, que é lutar, e dzú, que é água — palavras vivas da língua Kariri. Cropodzú era mais que um jogo. Era memória líquida, era elo entre os jovens e os antigos, era o modo do rio ensinar.
Sempre que o calor esticava as horas, as lutas aquáticas se multiplicavam. E o Opará acolhia todos com seu corpo d’água generoso. O rio era tudo: peixe, banho, conversa, sustento e festa.
Mas o tempo mudou.
Veio a água encanada em 1997. Vieram as barragens, os muros frios das hidrelétricas. O Opará, antes cheio de voz e vida, foi silenciando. Suas águas recuaram, sua alegria também. O Cropodzú foi ficando raro, feito canto esquecido entre as pedras.
Hoje, escrevo esta história para que os ventos a levem às novas gerações. Para que as águas escutem e, um dia, voltem a cantar. Que o Cropodzú, luta brincante das águas, nunca desapareça da alma do nosso povo.
Porque lutar na água é também lutar pela memória.
03. UCHENHEKIÉ, O TEMPO DE BRINCAR
Nas margens serenas do Opará, entre árvores frondosas e os caminhos de areia branca, viviam Aruã, Jaci e Giriçá . As estações marcavam o tempo, e cada mudança na natureza era uma nova oportunidade de brincar, aprender e honrar as tradições dos Kariri-Xocó.
O Tempo da Tanajura
Certa manhã, quando o chão da aldeia começou a se encher com as grandes formigas aladas, as crianças souberam: havia chegado o tempo da tanajura. Com ramos de mato nas mãos, Aruã correu em direção ao formigueiro, puxando Giriçá e Jaci.
— Vamos! Temos que ser rápidos antes que elas entrem todas no buraco! — gritava, animado.
Enquanto sacudiam os galhos e entoavam a cantiga tradicional:
— "Cai, cai tanajura, na panela da cordura!"
as formigas rainhas, gordas e brilhantes, caíam na peneira trançada que Jaci segurava com cuidado.
O velho Txopó, sentado sob a sombra do cajueiro, assistia às risadas e à correria.
— Lembrem-se — alertou —, peguem só o que for necessário. A natureza sempre dá, mas também precisa descansar.
As crianças assentiram respeitosamente. Ao final da coleta, levaram as tanajuras para a avó Cauaí, que as prepararia para a culinária tradicional. E, enquanto o cheiro das formigas assadas se espalhava pela aldeia, Jaci sussurrou:
— Como é bom o Uchenhekié… cada tempo tem sua alegria.
O Tempo do Milho
Dias depois, o calor trouxe o tempo do milho maduro. Os milharais se tingiram de dourado, e os cabelos louros das espigas balançavam suavemente ao vento. Jaci, com olhos brilhantes, correu entre as plantas, procurando as menores espigas.
— Olha, Aruã! Esta tem os cabelos mais lindos! — disse, arrancando uma espiga e começando a trançar as folhas, transformando-a numa bonequinha.
Enquanto isso, Giriçá e Aruã recolhiam palhas secas para fazer petecas. Com a ajuda do pai de Aruã, aprenderam a enfeitar as bolas com penas de pato, deixadas na margem pelo caçador da aldeia.
— Vamos ver quem consegue manter a peteca no ar por mais tempo! — desafiou Giriçá.
— Eu aceito! — respondeu Aruã, já se posicionando.
As palmas batiam, as petecas voavam e as risadas ecoavam pelos campos de milho. O velho Txopó, passando devagar, parou para assistir.
— Vocês sabem por que batemos a peteca com as mãos? — perguntou.
As crianças ficaram em silêncio, curiosas.
— Porque é o jeito do nosso corpo se unir ao vento. Cada batida é como um sopro, mantendo a vida do brinquedo… e nos lembrando que, como o milho, também temos que crescer fortes e flexíveis.
As crianças sorriram, guardando mais aquela lição.
O Tempo das Canoas
Quando os ventos começaram a soprar do sertão, eles sabiam: era o momento de soltar as ubairim nas águas quietas da lagoa dzurioá.
O velho Txopó chamou-os antes de partirem:
— Venham cá. Quero lembrar-lhes que, ao lançarem as canoas, lancem também seus desejos.
Aruã, Jaci e Giriçá se aproximaram e ouviram atentos, como sempre.
Na lagoa, cada um soltou sua ubairim com um pedido silencioso. Aruã desejou ser um grande canoeiro, Giriçá quis ser o melhor caçador, e Jaci, com ternura, pediu:
— Que eu aprenda a fazer as panelas de barro mais bonitas da aldeia…
As canoas dançaram sobre as águas, empurradas pela brisa suave.
O Tempo do Barro
Pouco depois, quando o sol ficou mais quente, marcando o tempo da cerâmica, Jaci e outras meninas começaram a moldar o barro molhado à beira do Opará.
— Veja, Aruã! Minha runhuhupi está quase pronta! — exclamou, mostrando a pequena panela modelada com capricho.
— Vai ser a melhor da aldeia! — elogiou o irmão, orgulhoso.
Enquanto isso, Giriçá tentava, desajeitadamente, fazer uma panela também, arrancando risadas de todos.
O velho Txopó se aproximou mais uma vez:
— No tempo do Uchenhekié, tudo se transforma… O barro vira panela, o milho vira boneca, o vento vira canoa… e vocês, crianças, viram adultos, carregando nossas tradições.
As crianças ficaram em silêncio, olhando para o ancião com respeito e carinho.
E assim, entre brincadeiras, risadas e ensinamentos, o Uchenhekié se renovava a cada estação, como sempre foi e como sempre será, nas margens do sagrado Opará.
A Benção de Txopó
Naquela tarde, quando o sol se despedia tingindo o céu de vermelho e dourado, as crianças se reuniram ao redor do velho Txopó, sentadas sobre a areia morna, com os pés ainda úmidos da lagoa.
O ancião ergueu o cajado e, com a voz grave e terna, disse:
— Uchenhekié… o tempo das brincadeiras… é também o tempo de aprender a ouvir a voz da natureza. O Opará fala com sua correnteza, o vento com seu sopro, o barro com seu silêncio… e cada brincadeira que vocês fazem é um modo de lembrar quem somos.
Fez uma pausa, olhando para cada um, como se enxergasse não apenas as crianças, mas os adultos que elas um dia seriam.
— Nunca deixem de brincar… porque quem brinca com a natureza, respeita e protege a vida. E quem respeita, permanece… assim como os nossos ancestrais permanecem em nós.
As crianças se entreolharam em silêncio, com um sorriso calmo, sentindo o peso doce das palavras.
Então, Txopó estendeu as mãos abertas, como quem oferece um presente invisível:
— Que o Uchenhekié nunca falte em seus corações. Que o tempo da brincadeira seja sempre também o tempo do saber, da alegria e do amor pela terra.
As cigarras começaram a cantar entre as árvores, como se respondessem à bênção. As crianças, então, se levantaram, correram de volta para a aldeia, levando consigo não apenas seus brinquedos, mas a certeza de que, enquanto houvesse o ciclo das estações, sempre haveria o tempo de brincar… e de viver plenamente junto ao Opará.
E, assim, o Uchenhekié seguia, como o rio: eterno, renovado a cada curva, a cada estação, a cada geração.
04. UBAPINÉ DZURIÓ, CANOINHAS DA LAGOA
Um Conto Sobre as Canoinhas de Brinquedo
Na velha Rua dos Índios, ainda ecoam os murmúrios do tempo na Lagoa do Cordeiro — Dzurineiró, como os antigos Kariri-Xocó a chamam em sua língua. Ali, entre as águas calmas e as memórias guardadas, resistem não só algumas moradias indígenas, mas também lembranças vivas de uma infância moldada pelas mãos da terra, da madeira e da água.
Era antes de 1978. A lagoa fervilhava de risos, brincadeiras e sonhos flutuantes. As crianças, pequenas e inquietas, se reuniam às margens para brincar de Ubapiné Dzurió — “Canoinhas da Lagoa”, como se dizia em voz clara e alegre. “Ubapiné” vinha da antiga palavra tupi “ubá”, que significava canoa, enquanto “Dzurió” nascia do reflexo das águas da lagoa onde o vento soprava histórias ancestrais.
Para dar vida à brincadeira, havia um ritual de respeito e admiração. As crianças corriam até Zé Taré, o velho mestre da madeira, um marceneiro indígena conhecido por sua sabedoria na arte de esculpir. Com mãos pacientes e olhos que pareciam ver dentro dos troncos, ele escolhia cuidadosamente raízes leves da timbaúba — aquela árvore do nome tupi cujas raízes brancas, chamadas tinga, boiavam como sonhos prontos para navegar.
Ali, nas mãos de Zé Taré, nasciam as canoinhas: pequenas, leves, moldadas com delicadeza e sempre prontas para correr as águas como se tivessem alma. As crianças então enfeitavam suas embarcações com pedacinhos de pano — velas improvisadas — ou penas de galinha e peru, recolhidas do quintal. Pintavam as canoinhas com cores vivas, traçando nelas símbolos e esperanças.
A grande corrida começava. Todos esperavam o vento certo, e com um gesto solene, as canoinhas eram lançadas à lagoa. Quem atravessasse primeiro a extensão da Dzurineiró, levada pela brisa, ganhava o orgulho de ser o campeão daquele dia. Mas, na verdade, todos ganhavam. Porque naquela corrida, mais que competição, o que corria era a memória do povo Kariri-Xocó.
Era uma forma das crianças reviverem em miniatura as canoas do grande Opará — o São Francisco — que, todos os anos, no último domingo de fevereiro, cortava as águas em homenagem ao Bom Jesus dos Navegantes. Nessa festa, os adultos deslizavam em grandes canoas de panos coloridos, revivendo uma tradição ancestral dos povos ribeirinhos.
Hoje, aqui e acolá, ainda se pode encontrar uma ubapiné esquecida, guardada com carinho por alguém que não deixou morrer a lembrança. Mas a corrida de canoas grandes ainda vive, cortando as águas do Opará como testemunho vivo da resistência e da beleza dos povos do rio.
Porque enquanto houver correnteza, vento e memória, haverá também canoinhas cruzando a lagoa.
05. DABUKASÁ, A GALINHA GORDA
Um Conto Sobre a Natação
Na beira do grande Opará, onde o rio corre do norte para o sul até encontrar o mar, vive nosso povo Kariri-Xocó. As canoas deslizam como flechas na água, os peixes pulam entre as pedras, e as garças brancas dançam no céu.
É ali, nos barrancos da aldeia, que a alegria da infância faz morada.
Quando o sol esquenta a areia e o vento canta nos bambuzais, a meninada desce correndo em festa. É hora de brincar de Dabukasá, a Galinha Gorda. Um de nós se oferece, pega um pedaço de pau e grita com força:
— Galinha gorda!
E todos respondem:
— Gorda!
O voluntário continua:
— Para o meio ou na beirada?
E a criançada, num coro só:
— Para o meio!
Então, o pedaço de pau é lançado longe, nas águas do rio, como um desafio. Começa a corrida! Quem alcançar primeiro o pau boiando vence a brincadeira. Risos, respingos, gritos de vitória. A alma da infância molhada nas águas do Opará.
Mas essa história não é só brincadeira.
Certa tarde, o menino Tarinã, curioso como são os bons aprendizes, se aproximou do velho Marã, que estava sentado à sombra do jatobá.
— Senhor Marã, disse o menino com respeito, me disseram que a galinha, a dabuká, foi trazida pelos brancos. E essa nossa brincadeira, a Dabukasá, também veio deles?
O velho sorriu com os olhos fechados, como quem busca nas raízes do tempo uma resposta.
— Olha, Tarinã, isso eu não alcancei não. Mas escuta bem… Antes da galinha do branco chegar por aqui, nós, Kariri, já tínhamos o Poeba, o Jacu. Essa sim, era nossa galinha verdadeira. Possa ser que, antes da dabuká, já existisse a brincadeira com o Poeba. Mas naquele tempo eu ainda nem era nascido.
— Então… a galinha virou nossa também? — perguntou Tarinã.
— Virou sim, meu filho. A gente não rejeita o que chega — a gente acolhe e transforma. A galinha hoje é Kariri também, porque entrou na nossa vida, no nosso roçado, na nossa panela, e até na nossa brincadeira. Ela virou tradição.
Tarinã olhou para o rio e viu um pedaço de pau boiando bem longe. Sem dizer mais nada, saiu correndo, gritando:
— Galinha gorda!
E das margens ecoou:
— Gorda! Para o meio!
E assim o Opará riu mais uma vez com a meninada.
E a memória viva do nosso povo continuou fluindo… como o rio, como o tempo, como a tradição.
06. HEBACABARÚ, O CAVALO DE PAU
Um Conto Sobre o Cavalo de Pau
Na terra distante dos povos brancos, onde castelos se erguiam e reinos travavam guerras com lanças e espadas, os guerreiros cavalgavam pelos campos como trovões sobre a relva. Era um mundo antigo, cheio de tradições guerreiras, onde os cavaleiros defendiam seus impérios com honra e bravura.
As crianças desse Velho Mundo, mesmo sem escudos nem armaduras, brincavam como se fossem parte dessa tradição. Seguravam bastões com cabeças de cavalo feitas de madeira e corriam pelas vilas, sonhando com o dia em que também seriam guerreiros. A esse brinquedo, deram o nome de Cavalo de Pau.
Com o tempo, os ventos sopraram as caravelas até as terras do Brasil. Vieram os portugueses, montados em cavalos de verdade, com espadas na cintura e armas que soltavam fogo e barulho. Os povos nativos observaram aqueles homens a cavalo, e logo, as crianças indígenas, curiosas e criativas, reinventaram o brinquedo com o olhar de sua própria língua e cultura.
Assim nasceu o Hebacabarú.
Do vocabulário Kariri veio a junção de duas palavras: Cabarú, que significa cavalo, e Hebarú, que quer dizer pau ou madeira. Hebacabarú — o Cavalo de Pau — ganhou vida nas mãos habilidosas dos anciãos artesãos, que esculpiam com amor a cabeça do animal na madeira. Um longo cabo era encaixado no pescoço do cavalo talhado, e com ele, os pequenos guerreiros da aldeia montavam e partiam para suas aventuras de faz-de-conta.
Era comum ver os meninos e meninas cavalgando pelos caminhos de barro, simulando corridas, travando batalhas imaginárias, ou apenas troteando em grupo sob o céu azul da aldeia. O brinquedo era mais que uma simples diversão — era um espelho dos tempos, uma ponte entre mundos, entre memórias e sonhos.
Com os anos e a presença do branco, a indústria passou a fabricar Hebacabarús de plástico colorido. Mesmo assim, o bastão de madeira permaneceu. E, mesmo entre as novas formas e cores, a essência do brinquedo continuava viva: brincar para sonhar, sonhar para viver.
Na aldeia ainda há cavalos de verdade pastando na várzea, mas o Hebacabarú continua firme nos quintais de barro batido, correndo nas mãos das novas gerações. Ele é feito de madeira, imaginação e memória — o primeiro cavalo que toda criança pode montar para galopar entre o real e o imaginado.
07. IBAPINÉ BENHEKIÉ, CARRINHOS DE BRINCAR
Um Conto Sobre Carrinhos de Brinquedos
O sol já passava da metade do céu quando Nhenety, ainda menino, viu a poeira subir na Rua dos Índios. Era Antônio, seu irmão mais velho, empurrando com cuidado um carrinho feito de madeira, com rodas de borracha cortadas de um pneu velho e faróis desenhados com carvão. As crianças corriam ao redor, os olhos brilhando como se estivessem diante de um carro de verdade.
— Olha o caminhão novo que o Antônio fez! — gritou um dos meninos, puxando uma cordinha amarrada no para-choque de seu próprio carrinho, feito com uma lata de óleo marca Lubrax, bem colorida.
Naquele tempo, as vozes dos motores eram feitas com a boca:
— Vruuuuum! Grrrrrr! Póóó!
A rua inteira se enchia de sons, risos e poeira dançante.
Naquele ano, 1970, a aldeia Kariri-Xocó sentia a mudança do mundo. A BR-101 recém-construída havia cortado as terras próximas como uma serpente de pedra e fumaça. Os carros agora passavam mais frequentemente, máquinas pesadas de ferro surgiam como bichos estranhos sobre rodas. Mas para as crianças, aquele novo mundo era apenas mais um motivo para sonhar.
— Ibapiné Benhekié! — dizia Nhenety, orgulhoso, enquanto mostrava o novo modelo feito de inhame seco e pregos.
— Carrinhos de brincar, explicava ele, misturando sua língua ancestral com o brilho nos olhos da invenção.
Havia de tudo: caminhõezinhos com carroceria feita de madeira, escavadeiras com colheres como pás, ônibus de duas latas coladas com cera de abelha. Os mais corajosos andavam nos carrinhos de rulimã, que desciam a ladeira do fim da rua num voo baixo, rasgando o vento com gritos e gargalhadas.
Antônio era um artista dos brinquedos. Nunca cobrava nada. Só pedia:
— Traga sua lata, um prego, um pedaço de madeira e muita vontade de brincar.
Os meninos e meninas formavam fila em sua porta. Quando ele entregava o carrinho, havia um ritual: todos corriam até o campo, faziam uma pista de terra com as mãos e iniciavam a grande corrida. Era o Grande Prêmio da Aldeia!
Hoje, os carrinhos são de plástico, vêm das lojas com botões, sons programados e luzes que piscam. Mas nenhum deles carrega o cheiro da madeira cortada à faca, o peso da borracha reciclada ou o carinho de quem moldou com as próprias mãos.
Nhenety, agora adulto, ainda ouve, de vez em quando, o barulho de um motor de boca ao longe. Sabe que é só lembrança... ou talvez o espírito da infância correndo descalço pela Rua dos Índios.
E sempre que fecha os olhos, lá estão os Ibapiné Benhekié, pequenos carros de brincar, deslizando no tempo e na poeira da memória.
08. DUBOHERÍ BENHEKIÉ BUNHÁ, O MESTRE DOS BRINQUEDOS DE BARRO
Na aldeia, onde o rio canta suas histórias e o vento sussurra segredos ancestrais, havia um tempo em que as brincadeiras nasciam do barro e da imaginação. Lá, as crianças corriam livres, com os pés na terra e o coração na fantasia, criando mundos com suas próprias mãos. Era o tempo dos "Bunhá do Benhekié", os brinquedos de barro.
Bonecas, bois, panelinhas, cavalos, carros e até aviõezinhos — tudo nascia do barro molhado, moldado com cuidado, secado ao sol, queimado no forno junto às cerâmicas, e depois pintado com cores vivas. Esses brinquedos não vinham das lojas dos brancos. Vinham das mãos de um homem sábio, de um mestre do barro, chamado Pedro Muirá — o Bunhá duboherí.
Pedro era primo da minha avó Júlia Muirá, e para nós, era mais que família — era um encantador de infância. Enquanto os filhos dos brancos brincavam com brinquedos de ferro e plástico colorido, nós, crianças indígenas, olhávamos de longe, desejando aquilo que não podíamos ter. Às vezes, chorávamos, sentindo a distância entre os mundos. Mas Pedro, com sua voz mansa e firme, nos dizia:
— Não chorem, crianças. Vou fazer brinquedos de barro para vocês.
E fazia. Ah, como fazia! Com paciência e amor, moldava cada forma com seus dedos sábios. Quando os brinquedos estavam prontos, e coloridos com tintas da alegria, ele os entregava a nós como quem entrega um pedaço da infância encantada.
A aldeia se iluminava com os sorrisos das crianças. O riso ecoava entre os cajueiros, os coqueiros e o velho maracá de toré. Cada boneca de barro tinha um nome. Cada boizinho de argila tinha uma história. E Pedro, o nosso tio Pedro, era o herói das tardes ensolaradas.
Ele não guardava sua arte só para a aldeia. Na sexta-feira, levava sua criação para a feira de Porto Real do Colégio. Lá, seus brinquedos encantavam os olhos de todos e eram vendidos num piscar de olhos. Pedro era respeitado como mestre, não só por seu talento, mas por manter viva a memória moldada no barro da tradição.
Hoje, os brinquedos dos brancos são eletrônicos, falam, se movem sozinhos e até piscam. Mas nenhum deles tem o cheiro da terra, o calor do forno, a mão do artista e o espírito do povo. Nós, que carregamos a cultura no peito, nunca vamos esquecer o tempo dos Bunhá do Benhekié. Nunca vamos esquecer o nosso tio Pedro Muirá — o escultor de sonhos, o criador de infâncias.
Porque na terra dos Kariri-Xocó, o barro também fala. E ele conta histórias de amor, resistência e alegria.
09. AMÍNHEKIÉ, BRINCAR DE COZINHADA
Debaixo do velho ingazeiro, onde os galhos faziam sombra e o vento cantava baixinho, a meninada se reunia para brincar de cozinhar. Era a brincadeira mais gostosa do mundo!
— Quem vai buscar a lenha? — perguntou Jandira, a menina mais velha, com as mãos na cintura e um sorriso de quem mandava bem na cozinha.
— Eu! Eu! — gritaram as meninas, já correndo para juntar gravetos e folhas secas.
Enquanto isso, Indé, o mais ligeiro dos meninos, ajeitou o chapéu de palha e chamou os amigos:
— Bora pro mato, pessoal! A mistura não vai se arranjar sozinha!
E lá se foram eles, pulando troncos e desviando de espinhos, em busca de frutas, temperos e quem sabe… alguma caça de peteca!
— Achei tomatinho! — gritou Nhakã, com a mão cheia de bolinhas vermelhas.
— E eu, alfavaca cheirosa! — falou Itauaçú, esfregando as folhas no nariz e fazendo careta.
Enquanto os meninos se aventuravam, as meninas arrumavam o chão debaixo do ingazeiro, varriam com ramos secos e preparavam as panelinhas de barro.
— Vai ficar tudo tão bonito! — disse Suinã, empilhando os gravetos com capricho.
Logo, os meninos voltaram, suados e felizes, carregando o que haviam encontrado: sardão, ciguleira, maxixe e até uns peixinhos pequenos que pegaram na lagoa.
— Olhem só quanta coisa! — exclamou Indé, mostrando o tesouro.
— Agora é com a gente! — disse Jandira, pegando a faca de madeira. — Vamos preparar tudo direitinho!
E assim, com muito cuidado, as meninas cortaram, lavaram e misturaram os ingredientes, enquanto o fogo crepitava baixinho.
Quando a comidinha ficou pronta, o cheirinho bom se espalhou pelo ar.
— Hummm… tá dando água na boca! — falou Nhakã, esfregando a barriga.
Jandira, com seu jeito de irmã mais velha, fez a divisão: colocou um tantinho em cada pratinho de barro, e quando não tinha mais, usou cacos de potes quebrados que pareciam pratinhos mágicos.
— Um para você… outro para você… e outro pra mim! — dizia ela, entregando as porções.
Todos sentaram em roda, debaixo do ingazeiro, e começaram a comer, rindo, conversando e contando histórias do mato.
— Essa foi a melhor cozinhada de todas! — falou Itauaçú, lambendo os dedos.
Jandira sorriu e disse:
— E amanhã tem mais! Porque brincar de cozinhar é também um jeito de aprender a ser do nosso povo: ajudar, partilhar e viver juntos!
O vento balançou as folhas do ingazeiro, como quem concordava. E ali, no meio das risadas e do cheirinho de comida boa, a cultura deles crescia, igual à árvore: forte, bonita e cheia de vida.
E dizem que, até hoje, quem passa pelo velho ingazeiro consegue ouvir, bem baixinho, as vozes da meninada brincando de cozinhada…
10. TSEPINEHEKIÉ, GENTE PEQUENA DE BRINCAR
Um Conto Sobre Bonecas e Bonecos
Nos tempos em que o Sol ainda brincava de esconde-esconde com a Lua nos céus de Porto Real do Colégio, havia um pequeno povo que vivia entre os galhos das árvores, os cantos dos rios e as mãos habilidosas das crianças. Eram os Tsepinehekié, conhecidos como “Gente Pequena de Brincar” — bonecos e bonecas nascidos do barro, da madeira, das folhas, das espigas de milho e até mesmo das raízes da timbaúba.
Entre os Kariri-Xocó, não eram apenas brinquedos. Eram seres encantados, criados com o espírito da alegria e do movimento, do gesto e da imaginação. As meninas modelavam bonecas com espigas de milho, trançando cabelos de palha e vestindo com folhas delicadas. Os meninos, por sua vez, esculpiam com a faca pequena os bonecos guerreiros na madeira leve da timbaúba ou moldavam figuras no barro do rio, que endurecia ao sol.
— Eles vivem com a gente quando brincamos — dizia a avó Nairá —, mas voltam pro mundo encantado quando anoitece.
Com o tempo, brinquedos vindos das cidades chegaram ao povoado. Bonecas de plástico que choravam, soldados que falavam, heróis que acendiam luzes nos olhos e andavam sozinhos pela casa. Eram caros, brilhantes, anunciados nas telas da televisão e desejados como tesouros. Muitos pais não podiam comprá-los, e as crianças, com olhos sonhadores, voltavam para os quintais, para os troncos, para o barro.
Foi quando Kauã, um menino de olhos atentos como beija-flor, encontrou uma raiz de timbaúba caída na mata. Ele se sentou debaixo de um jenipapeiro e, com a faca do avô, esculpiu com cuidado um boneco pequeno, forte, com um cocar de penas de andorinha. Chamou-o de Arawá, o pequeno guardião.
— Você vai lutar pelo nosso povo — sussurrou Kauã.
Na mesma aldeia, sua prima Nahiá criou Iarámi, uma boneca feita da espiga do milho novo. Tinha um sorriso largo feito de sementes e saia feita de folha de bananeira.
Naquela noite, quando os brinquedos eletrônicos silenciaram e as luzes se apagaram, Arawá e Iarámi tomaram vida. Correram pela casa, dançaram entre os cantos dos velhos, e foram brincar com os sonhos das crianças. Os brinquedos modernos, mesmo brilhantes, dormiam. Mas os Tsepinehekié, feitos de terra e afeto, nunca dormiam por completo.
Eles viviam onde mora a infância verdadeira — no gesto de criar com as próprias mãos, no som da risada compartilhada, na magia da simplicidade.
Desde então, sempre que uma criança Kariri-Xocó molda um boneco ou uma boneca com o que a Mãe Terra oferece, nasce um novo Tsepinehekié. E enquanto houver uma criança que brinque com o coração, eles jamais deixarão de existir.
Autor dos Contos: Nhenety Kariri-Xocó
🌿 GLOSSÁRIO KARIRI-XOCÓ
(Palavras e expressões presentes na obra)
Apresentação
Este glossário reúne palavras na língua Kariri-Xocó e expressões tradicionais ligadas ao esporte, às brincadeiras e às vivências do povo.
O objetivo é preservar o som, o sentido e o espírito das palavras, oferecendo ao leitor não apenas traduções, mas pequenos fragmentos da memória ancestral.
As palavras aqui registradas são sementes que atravessam o tempo.
Cada termo guarda histórias, movimentos, rezas e modos de viver herdados dos antigos.
Amínhekié – Um neologismo Kariri-Xocó, vem de Amín "comida, alimento" e Hekié originária de Benhekié "brincadeiras".
Cropodzú – está palavra é um neologismo do Kariri que os Kariri-Xocó adotou, vem de Cropobó "lutar" e Dzú "água".
Benhekié – Do vocabulário Kariri que significa brincadeiras, brincar.
Bunhá – Do vocabulário Kariri no qual significa barro
Byghitó – neologismo originária da língua Kariri, vem de By, que é o "Pé", Canghité, a "Coisa" e Totó, o "Redondo", portanto jogar pé na coisa redonda, o futebol.
Dabukasá – a palavra vem do neologismo Kariri-Xocó, vem de Dabaka "gordura" e Sa de Sabucá "galinha" ou galo.
Duboherí – Do vocabulário Kariri que significa "mestre", aquele que ensina, orienta aos mais jovens.
Hebacabarú – Do vocabulário Kariri veio a junção de duas palavras: Cabarú, que significa cavalo, e Hebarú, que quer dizer pau ou madeira, Hebacabarú — o Cavalo de Pau.
Ibapiné – Do vocabulário Kariri vem de Iba "carro", Piné "pequeno", portanto temos Ibapiné "carrinhos".
Kariri-Xocó – Povo indígena de Porto Real do Colégio (AL), cuja cultura resiste e se reinventa frente às transformações históricas.
Opará – Nome indígena do Rio São Francisco, considerado ser vivo, guardião ancestral e fonte espiritual do povo Kariri-Xocó.
Rua dos Índios – Espaço social e cultural do povo Kariri-Xocó em Porto Real do Colégio.
Tsepinehekié – Um neologismo Kariri-Xocó, vem de Tse "gente", Piné "pequeno" e Hekié originária de Benhekié "brincadeiras".
Ubapiné – vinha da antiga palavra tupi “ubá”, que significava canoa, enquanto “Dzurió” nascia da lagoa na língua Kariri.
Uchenhekié – a palavra do neologismo Kariri-Xocó, vem de Uché "tempo" e Benhekié "brincar", portanto Uchenhekié "tempo de brincar".
Woroy – História, narrativa tradicional, conto ancestral transmitido pela oralidade.
📄 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os contos que compõem este volume revelam mais que histórias:
são caminhos vivos, onde o esporte e as brincadeiras se tornam portais para compreender a alma do povo Kariri-Xocó.
Cada gesto, corrida, grito de alegria, desafio e travessura ecoa os mais antigos ensinamentos, lembrando que o corpo não existe separado do espírito — e que a brincadeira é também uma escola ancestral.
Ao longo deste livro, o leitor encontrará a força da coletividade, a beleza da infância, o movimento como celebração e a sabedoria que permanece nas mãos dos mais velhos, que ensinaram que brincar é uma forma de existir com plenitude.
Que este volume seja mais uma semente lançada no tempo, fortalecendo a memória, a identidade e a história viva do woroy Kariri-Xocó.
📄 SOBRE O AUTOR
Nhenety Kariri-Xocó
Filho do povo Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio (AL), é Guardião da Palavra, contador de histórias, pesquisador das tradições do seu povo e construtor de pontes entre a oralidade ancestral e a escrita contemporânea.
Sua missão é fazer florescer, através dos livros, a memória viva que recebeu dos mestres da aldeia, das rezas, dos cantos, das brincadeiras e dos caminhos percorridos na Rua dos Índios.
Autor de contos, cordéis, estudos culturais e registros que unem espiritualidade, identidade e tradição, Nhenety utiliza a escrita como ferramenta de resistência, fortalecimento e amor pelo seu povo.
Sua obra busca honrar o passado, iluminar o presente e deixar caminhos abertos para as futuras gerações Kariri-Xocó.
📄 AGRADECIMENTOS FINAIS
Agradeço aos que vieram antes de mim,
que mantiveram acesa a chama da cultura,
e aos que vêm depois,
que continuarão esse fogo sagrado.
Agradeço às crianças e jovens Kariri-Xocó,
que, com suas brincadeiras e práticas esportivas,
mantêm viva a alegria que moldou nossas gerações.
Agradeço aos mestres da memória,
aos pajés, aos velhos guerreiros,
às mulheres sábias e aos contadores de história
que me ensinaram que cada palavra é também um passo no caminho da ancestralidade.
E agradeço aos leitores,
que atravessam estas páginas com respeito,
levando consigo um pouco da força,
da simplicidade e da grandeza
do povo Kariri-Xocó.
📄 ORELHA DO LIVRO (Texto para o lado esquerdo da capa)
Neste volume da série Woroy História, o autor indígena Nhenety Kariri-Xocó apresenta uma coletânea de contos que resgatam o espírito do esporte e das brincadeiras dentro da cultura Kariri-Xocó.
Mais do que narrativas, são pequenas travessias, onde o corpo, a alegria e o movimento se tornam expressões da identidade de um povo. Cada conto ecoa lembranças da Rua dos Índios, dos jogos que moldaram gerações, dos ensinamentos escondidos entre risos e desafios.
Com linguagem sensível e profunda, Nhenety transforma a memória em poesia, e a vivência comunitária em literatura, mostrando que o brincar é também um ato de resistência, união e celebração.
Este livro é um tributo
– à infância,
– à força do coletivo,
– e à ancestralidade que dança entre palavras vivas.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó












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