As línguas da costa norte do Brasil, que correspondem aos Estados do Maranhão, Piauí e Ceará, excluindo o Rio Grande do Norte, cujo o motivo explicarei logo abaixo.
A língua principal que conhecemos do Rio Grande do Norte é o Janduí, que possui algumas poucas palavras que indicam que a fonotática daquele estado permitia consoantes finais e encontros consonatais causados pela sílaba tônica, como no caso de Guartapicaba e Oratapryka. Encontros consonantais não são necessariamente proibidos na fonotática das línguas Maranhenses, Piauienses e Cearenses, mas consoantes finais parecem ser absolutamente evitadas, nenhuma das línguas sequer permiti-as, aqui venho esclarecer o por quê através de algumas evidências que encontrei nas minhas pesquisas do Puri-Coroado, que são descendentes dos Tremembés, dos Akroás que se juntaram aos Gamelas, do povo Kariri, que descende de uma migração do norte, do território dos povos caribe e do povo Areriú, que tem vocábulos Lokono em seu léxico.
KARIRI
Comecemos com o Kariri, que já venho explicando há algum tempo. A família Kariri deriva de uma migração que foi guardada na memória de nossa nação, que dita que viemos de um lago sagrado do norte da A. do Sul, sendo este possivelmente o Maracaibo da Venezuela, o Kariri em seu vocabulário básico, isto é, pronomes e palavras simples como ‘água’, ‘fogo’, ‘casa’, ‘pé’, ‘mão’ e etc, sugere uma relação direta com as línguas caribe, também existem traços de uma presença Arawak na língua, como na palavra wana de wana-dzí ‘remédio’, que deriva de um antigo *pana ‘folha’ do Proto-Arawak e na palavra madiqui ‘milho’ que também é de origem Arawak. As partes gramaticais da língua, como os circunfixos d-...-li também reforçam a ideia de sermos descendentes de uma leva migratória caribe, possivelmente a mesma que levou estes parentes para as ilhas batizadas com seu nome, as ilhas Caribenhas. O Kariri se tornou o que é hoje através de processos históricos, que culminaram nas mudanças gramaticais que conhecemos hoje, como por exemplo, a lenta queda do sistema sintético da língua para um sistema mais analítico, que é o que vemos hoje na forma derivada do Kariri-Xocó, que representa a exata evolução que estava acontecendo no século 17, isso se deve por inúmeros fatores, sabemos que existem vocábulos no Kariri que fizeram linguístas do passado constantemente argumentarem sermos Jê, de certa forma somos, pois estes vocábulos emprestados são fruto de nossa união com os povos migrantes do Cerrado brasileiro para a margem esquerda do São Francisco, suspeito que estes fossem clãs dos Akroá, que teriam emergido da migração como o povo Terejê ou Monterejê, derivado do verbo *tẽr ‘ir.SG’ e *mõ ‘ir.PL’, indicando que estes se identificavam como povo migratório, a própria palavra para casa dos Xokó, que é gandilya, deriva de um verbo cognato do Xerente kaduri ‘carregar’, a mesma tradução que nós fizemos para casa, que é erá ou anrá, que deriva de um antigo verbo Caribe *arô ‘carregar’, ou seja, ‘acampamento’.
TREMEMBÉS
Os Tremembés e Arayós e seus descendentes, os Katawá, Waitaká, Puri, Coroado e uma parcela dos Koropó, quase todos unanimamente falavam e falam uma língua Jê de classificação, até o presente momento, desconhecida, particularmente discordo de Nikulin em seu distanciamento do Puri do Macro-Jê, visto que esse não fez uma análise correta ao comparar Puri-Coroado diretamente com o Macro-Jê, o vocabulário dessa língua apresenta características que poderiam a por no grupo Cerratense:
Puri-Coroado kandu ‘acender’ vs PJS *kato ‘acender.SG’ (Nikulin, 2020 p. 492)
Puri-Coroado harinanta ‘manhã’ vs PJS *jarĩ(n) ‘levantar’ (Nikulin, 2020, p. 501)
Puri-Coroado pone-ka ‘ruim, mal’ vs PJS *pundu ‘ruim’ (Nikulin, 2020, p. 457)
Puri-Coroado bay ‘viver’ vs PJS *ba ‘andar, viver’ (Nikulin, 2020, p. 452)
Puri-Coroado tanketay ‘borduna’ vs PJS *tak ‘bater’ + tə̂c ‘duro, forte’ (Nikulin, 2020, p. 452, 453)
Puri-Coroado poté ‘fogo’ vs PJS *pôr ‘acender’ + tjêt ‘queimar’ (Nikulin, 2020, p. 446, 456)
Enquanto o uso de -tshina ‘nominalizador’ assemelha-se ao sufixo -tsina ‘gerúndio’ do Xavante (Lachnitt, 1987, p. 82), em um uso análogo ao do -ing do inglês como gerúndio e nominalizador ao mesmo tempo, além também da palavra shi ‘pássaro, ave’, cognata direta do Xavante tsi ‘ave’ (Lachnitt, 1987, p. 78).
Além dessas semelhanças com esses dois grupos do Jê Cerratense, também existem semelhanças em dois lados com o Arawak, primeiro na fonologia, que diverge da tendência padrão do Jê de terminar suas palavras com consonates, são raras as línguas que não seguem tão regra de uma forma ou de outra, o Akuwẽ sendo o mais próximo de um padrão CV por conta de sua vocalização completa de antigas vogais eco, assim temos em mente que o Puri-Coroado e portanto o Tremembé e o Arayó, povos antepassados dos Puri-Coroado, teria falado de forma divergente, com qualquer redução silábica e encontro consonantal complexo derivado de processos posteriores a esse.
Vejo pouquíssimo a discussão dessa semelhança fonotática com línguas não-Macro-Jê, talvez por medo dos linguistas brasileiros de começarem seus estudos com a “estética” de uma língua, apesar de que meu estudo não se limita a apenas como uma língua se parece, mas também usa do léxico como a fonte esclarecedora da presença de múltiplos povos na formação da família Tremembé, argumento também que o mesmo povo que derivou a fonotática do Tremembé, também o fez com o Areriú da Serra de Ibiapaba, estes seriam migrantes da mesma época que os caribes (século 8 e 9 do calendário gregoriano), mas estes são do tronco linguístico aruaque, a prova de sua presença está na toponímia do município de Aroases-PI, na fronteira do Piauí e Ceará, na presença de vocábulos Arawak nos topônimos de origem Juká, indicando relação destes com os Ta-Arawak e, porfim, o vocábulo ijocú ‘pau de matar’ dos Areriú, que claramente deriva de um cognato do Lokono ijaku ‘furar, bater’.
Comecemos do oeste e depois terminemos na Ibiapaba, os Tremembés, aqui através dos vocábulos de seus descendentes da região Sudeste do país, possuem lexemas que põem dúvidas para os linguístas do Brasil, estes que creem o Puri-Coroado ser uma língua diversa, pois muitos vocábulos da lista de Swadesh dessa família divergem para todos os lados, em alguns casos sem dúvidas batem com as línguas Jê, mas a palavra para ‘pele’ diverge aí e se parece mais com uma palavra do tronco Tupi ou Caribe, compare:
Tremembé dos cantos de Torém popê ‘pele’ vs Puri-Coroado popeh ‘pele’ vs Kaliña pìpo ‘pele’ vs Proto-Tupi *pe ‘pele’
Tremembé vidiú ‘mandioca’ vs Coroado bishú ‘mandioca’ vs Puri veijú ‘mandioca’ vs Tupi mbeîu ‘beijú’
Tremembé torém ‘ritual’ vs Kipeá torá ‘cortezia com os pés’ vs toré ‘ritual’ vs Kaliña torène ‘movimento apressado’
Também como dito antes, o Arawak parece estar presente na língua:
Tremembé guaxi-ná ‘guerreiro’ vs Puri-Coroado guascheh ‘guerra’ vs Taíno guazavara ‘guerra’ (Martius, 1867, p. 314)
Puri-Coroado: maki ‘milho’ vs Taino mahiz ‘milho’ vs Lokono marisi ‘milho’ vs Dzubukuá madiqui ‘milho’ vs Kipeá: masichi milho’ vs Sapuyá-Kamurú: mussigi ‘milho’
Tremembé adiá ‘mãe’ vs Puri-Coroado aya, aña ‘mãe’ vs Lokono u-yu ‘mãe’ (Goeje, 1928, p. 46)
Tremembé: guae ‘homem, senhor’ vs Puri-Coroado guaema ‘homem’ vs Taino guama ‘dono, senhor’
Os vocábulos Tupi e Caribe parecem trazer consigo produtos secundários derivados de plantios e rituais (beijú e torém), enquanto os vocábulos dos Arawak trazem os plantios em si e também termos de guerra e sociedade, também é interessante ressaltar que a palavra para homem, que é guaema, termo este que sobrevive no norte no nomes dos Guariguae (guari ‘casa’ + guae ‘senhor, dono’, assim ‘senhores da casa’, Lemos, 2012, p. 45, 55), que deu nome a este povo e o rio Gurguéia e também surge de forma quase idêntica no Taíno guama ‘senhor, dono’ e também guani ‘homem’, indicam que os Arawak formavam uma elite dentro do povo Pré-Tremembé, possivelmente o que houve aqui é análogo ao que ocorreu na Suméria, onde os falantes da língua Suméria, os sag̃-gíg-ga ‘cabeças-pretas’, tornaram-se a elite do povo Ubaidiano ou povo Proto-Eufrático, que seriam os agricultores nativos da região e parte da população comum da Suméria, com os sag̃-gíg-ga se organizando como a casta de elite, tal processo que formariam a nação Tremembé pode ter ser iniciado no séculos posteriores à migração (séculos 9 e 10) e se concretizado ao longo do tempo (séculos 11 e 12), admito que são datas temporárias, visto que desejo que elas sejam corroboradas no futuro por estudos arqueológicos e genéticos.
Essa não é a primeira vez que argumento a presença e governo Arawak no Nordeste, visto que vocábulos Arawak do grupo Manaó podem ser identificados no Sapuyá, principalmente na palavra para ‘velho’ que é ulaneh (wlanè) ou urunoiah (wurunoyà).
Por último sobre o Tremembé, assim como Tarairiú, Tuxá (Payakú) e Yaathê, o Tremembé e Puri-Coroado fazem uso extenso do sufixo -ka, um sufixo de caráter realis e afirmativo, que se parece bastante com o verbo ser visto no Taíno da-ka ‘eu sou’ (Martius, 1867, p. 317), no Tarairiú, Tremembé e Tuxá, os três usam este sufixo para criar substantivos e verbos, enquanto no Yaathê ele é usado exclusivamente para derivar verbos. Esse mesmo verbo surge no Lokono como ka ou ga ‘existe’ (Goeje, 1928, p. 24).
ARERIÚ
A língua Areriú é muito provavelmente mais um caso de fusão étnica, pois temos evidências de palavras Tarairiú, como aráka ‘briga’, cognato do Xukurú arágo ‘brigar, matar’, mas também temos ijocú ‘pau de matar, borduna’ que Ascenço Gago registrou, sendo este mais uma evidência do domínio no quesito militar dos povos Arawak, visto que a única palavra que sobreviveu foi uma de guerra, também temos ciência da presença Tremembé na região de Ibiapaba, sendo anteriormente conhecida como ‘Província dos Taramembez de Guerra’, o que ou contribuiu ou foi a razão de haver a presença Arawak na Serra de Ibiapaba.
Fontes:
Martius, 1867
Goeje, 1928
Lachnitt, 1987
Autor da matéria: Suã Ari Llusan