segunda-feira, 5 de maio de 2025

A POSSIBILIDADE DE AGUAMAMUNE SER UMA LÍNGUA CRIOULA




Após vasculhar nas gramáticas do Xavante (McLeod et al., 2004 (revisão)) e Xerente (Sousa Filho, 2010), e também checar a descrição de Loukotka do Puri-Coroado (1937), percebi que a frase de Aguamamune tem algumas características em comum com Puri-Coroado, cujo o qual venho trabalhando na hipótese de ser uma língua com base Akuwẽ Oriental.


Afirmo tal me baseado no sistema pronominal da língua, que é uma forte simplificação do sistema visto no Xerente, uma língua oriental do Jê Central (ou Akuwẽ), percebam:


Pronomes Xerente a serem comparados:


wa 'eu' < 1ª pessoa agentiva

ῖ- 'me, para mim' < 1ª pessoa acusativa

toka 'você' < pronome solto, literalmente to- 'morfema citacional' + ka 'tu'

ka 'você' < pronome solto


Pronomes decodificados da língua Aguamamune


wa 'eu' < 1ª pessoa agentiva (da frase: a wa ma mun 'eu fui lá, estou indo lá')

a 'me, para mim' < 1ª pessoa acusativa, compare com o Xerente ῖ e o Puri-Coroado ah

deke 'você' < pronome solto, compare com Xerente toka e o Puri-Coroado teké (da frase: deke a ma me ne 'venha comigo para lá')

ka 'você' < pronome solto (da frase: ka ma mum 'tu foi lá, tu estais indo lá')


Pronomes Puri-Coroado


maké, mayaké 'eu' < compare com o wa Xerente e wa Aguamamune, através de: wa > mwa > ma

a 'me, para mim' < surge como possessivo, da série acusativa, compare com o a Aguamamune e ῖ- Xerente

teké 'você' < pronome solto, compare com o deke Aguamamune e o toka Xerente


Os pronomes da língua de Maranguape se parecem com o do Puri-Coroado, mas é claro, com muito séculos e geografia de distância um entre o outro, afirmo a característica criolóide da língua baseado na forma como as frases surgem, comparemos ka ma mum (Camamume) com como essa frase seria no Xerente, baseado na descrição gramatical de Sousa Filho:


bît ai-mõr 'você foi'

2.PASS 2-ir


bît é o marcado de segunda pessoa do passado, enquanto ai- é a forma acusativa do pronome 'tu', que surge em frases intransitivas, comparem com o Aguamamune:


ka ma mum 'tu foi, tu está indo'

tu lá ir.NF


Compare agora, por último, o Puri-Coroado:


vé 'tu vai'


A forma de Aguamamune parece ter seguido uma forma mais regular de conjugação do verbo, e parece depender fortemente do sistema antigo de não finitude para marcação de tempo, onde as seguintes formas marcam os seguintes TAM:


mu = finito, irrealis (futuro, imperativo, pretérito imperfeito e outras formas do irrealis)

mum = não-finito, realis (presente, pretérito perfeito e progressivo)


Infelizmente só temos uma frases como base, mas sozinha, ela nos indica que essa língua tinha sistemas de direcionalidade (ma 'centrífugo (para lá, para longe, indo de dentro para fora de algo)' e o centrípeto (vindo de fora para dentro) é desconhecido). A frase acima difere-se completamente do Akuwẽ-Xerente e também do Puri-Coroado, tornando-a uma língua independente, ao invés do uso do sistema complexo de marcação de tempo através de pronomes especializados para isso, a língua usa um sistema mais aproximado do que nós vemos no Maxakalí moderno, que pode ser considerado uma relíquia, quase um  fóssil do tanto que conversa as características antigas do Proto-Macro-Jê, sendo tal caracaterística de grande valor para compararmos com o Aguamamune.


Suspeito que nossa população seja parte, seguindo o cladograma proposto por Nikulin (2020, p. 178), uma população Macro-Jê Oriental, o uso dos pronomes *wa* e *ka* é característico do ramo Cerratense das línguas Jê, no entanto a estrutura morfossintática é mais alinhada ao ramo Transanfranciscano, tal pode ser por contato ou meramente uma coincidência, e na verdade, a língua de Aguamamune ser uma ramificação antiga do Jê Cerratense, pós sua ditongação de *ô > *wa 'nós' e epêntese de *a > *ga 'tu', preservando sistemas gramaticais arcaicos que se tornaram obsoletos nos dialetos e línguas porvir dessa ramificação.


Fontes: 


LOUKOTKA, Č. La familia lingüística coroado. Journal de la société des américanistes, Paris, v. 29, n. 1, p. 157–214, 1937.


MCLEOD, R; MITCHELL, V. Aspectos da língua Xavánte. (Tradução de Mary L. Da-

niel.) Brasília: Summer Institute of Linguistics, 1977. 228 f.



NIKULIN, Andrey. 2020. Proto-Macro-Jê: um estudo reconstrutivo. Tese de doutorado em Linguística. Brasília: Universidade de Brasília.


POMPEU SOBRINHO, Th. Topônimos indígenas do séculos 16 e 17 na costa cearense. Revista do Instituto do Ceará. p. 179-180, 1945.


SOUSA FILHO, S. M. Aspectos morfossintáticos da língua Akwẽ-Xerente (Jê). Jundiaí: Paco Editorial, 2010. 214 f.




Autor da matéria: Ari Suã Kariri 




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