segunda-feira, 1 de setembro de 2025

TEX WILLER: O Oeste Americano Fictício e Histórico






Introdução


A série de quadrinhos Tex, criada por Gian Luigi Bonelli e ilustrada por Aurelio Galleppini em 1948, é uma das mais duradouras narrativas gráficas italianas e um fenômeno cultural mundial. Seu protagonista, Tex Willer, é um ranger texano que percorre o Oeste americano, especialmente o Arizona e o Texas, defendendo os povos nativos e cidadãos honestos contra a exploração de políticos corruptos, empresários inescrupulosos e bandoleiros. A ambientação não se limita a um espaço geográfico definido, mas representa simbolicamente a fronteira em expansão após a Guerra de Secessão (1861-1865). O cenário se estrutura em torno de disputas pela terra, conflitos culturais e tensões sociais que marcam o processo de modernização dos Estados Unidos no século XIX.


Desenvolvimento


O mundo de Tex Willer


O Oeste americano em Tex Willer é construído como um espaço simbólico de disputa entre a "civilização" em avanço e os povos originários que resistem à perda de seus territórios. Nesse ambiente, a terra não é apenas pano de fundo, mas um elemento narrativo central: é a promessa do sonho americano para uns e, para outros, o território sagrado ameaçado pela violência e pela ganância.


As forças oficiais – Exército, xerifes e o Departamento de Assuntos Indígenas – desempenham papéis ambíguos, oscilando entre a proteção da lei e a manutenção de interesses corruptos. Esse cenário cria espaço para a figura do herói solitário, Tex Willer, que surge como defensor da justiça em uma região marcada pela violência.


Origem e trajetória de Tex Willer


Tex Willer é apresentado inicialmente como um jovem justiceiro que se torna ranger no Texas. Sua trajetória ganha um aspecto singular quando ele se casa com Lilyth, filha de Flecha Vermelha, chefe dos navajos. A partir desse vínculo, Tex passa a ser reconhecido como chefe branco dos navajos, assumindo a defesa de seu povo contra abusos governamentais e ataques de colonos e bandidos.


Ao longo das décadas de publicação, Tex percorre diferentes territórios do Oeste, lidando com temas como:


Conflitos entre nativos e colonizadores;


Corrupção política e empresarial;


Disputas por minas de ouro e territórios;


O papel do Exército e de aventureiros na expansão territorial;


A formação de alianças improváveis em prol da justiça.


Seu círculo de personagens principais inclui:


Kit Carson – veterano ranger, parceiro leal e contraponto humorístico;


Kit Willer – filho de Tex e Lilyth, que segue os passos do pai;


Jack Tigre – guerreiro indígena, amigo inseparável e símbolo da ponte entre culturas.


Assim, Tex se torna uma síntese do mito do herói ocidental, que, embora fictício, reflete questões sociais e históricas do período.


Contexto histórico


O período de expansão do Oeste, após a Guerra de Secessão, foi marcado por intensas transformações sociais, econômicas e políticas nos Estados Unidos. A construção das ferrovias, a corrida do ouro e a política de remoção dos povos indígenas (como a Indian Removal Act de 1830 e, posteriormente, as reservas indígenas) resultaram em profundas mudanças culturais.


Na ficção de Tex, esses processos aparecem dramatizados, mas em sintonia com a realidade histórica: a violência contra os povos indígenas, a corrupção nos órgãos oficiais e a luta pela posse da terra são elementos que dialogam diretamente com documentos e relatos históricos do período.


Povos indígenas na atualidade


Atualmente, os povos indígenas do Oeste americano ainda resistem, apesar dos séculos de perseguição, extermínio e confinamento em reservas. Estima-se que haja cerca de 6,8 milhões de nativos americanos nos Estados Unidos (Census Bureau, 2020), distribuídos em 574 tribos reconhecidas federalmente.


Na região do Arizona, Novo México, Utah e Colorado, a Navajo Nation é um dos maiores territórios indígenas, com autonomia política parcial e esforços de preservação cultural e linguística. Apesar disso, enfrentam desafios como pobreza, desemprego, limitações em saúde e educação, além da pressão de empresas mineradoras e disputas ambientais.


Assim, enquanto Tex Willer representa um ideal heroico de defesa dos povos indígenas, na realidade atual esses povos lutam por direitos, dignidade e reconhecimento dentro do país mais desenvolvido do mundo.


Conclusão


A região fictícia de Tex Willer é, em essência, um reflexo narrativo do Oeste americano do século XIX, marcado pela tensão entre modernização e tradição, ganância e justiça, extermínio e resistência cultural. A obra de Bonelli e Galleppini, ao mesmo tempo em que cria um herói idealizado, oferece uma releitura crítica do processo histórico da expansão americana, expondo as contradições entre o discurso civilizatório e a violência contra os povos originários.


Os personagens principais – Tex, Carson, Kit e Tigre – formam um núcleo simbólico que representa justiça, lealdade e resistência. Embora fictícia, essa narrativa se entrelaça com o passado histórico dos EUA e dialoga com a realidade contemporânea, onde os povos indígenas continuam presentes, reafirmando sua identidade e reivindicando espaço em uma sociedade que ainda carrega as marcas da colonização.


Referências


BONELLI, Gian Luigi; GALLEPPINI, Aurelio. Tex Willer. Milão: Sergio Bonelli Editore, 1948-.


DEBLASIO, Anthony. Native Americans in the United States: A Historical Overview. New York: Routledge, 2017.


HURTADO, Albert L. Indian Survival on the California Frontier. New Haven: Yale University Press, 1988.


CENSUS BUREAU. American Indian and Alaska Native Heritage Month: November 2020. Washington, D.C.: U.S. Census Bureau, 2020.


PRATT, Mary Louise. Imperial Eyes: Travel Writing and Transculturation. London: Routledge, 1992.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



O LEGADO MITOLÓGICO DE TOLKIEN: A Estrutura da Terra-média da Primeira Era ao Reinado de Sauron







Introdução


A obra de John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973), continuada e editada por seu filho Christopher Tolkien (1924-2020), constitui um dos mais complexos e influentes sistemas de mitopoese da literatura ocidental moderna. O mundo ficcional da Terra-média, inserido em um universo mais amplo denominado Arda, abrange desde a criação cosmogônica até os eventos narrados em O Senhor dos Anéis. A construção tolkieniana se organiza em estratos narrativos: mítico (cosmogonia e origem dos seres), lendário (histórias dos Valar, Maiar, Elfos e heróis) e histórico (a ascensão e queda de reinos, guerras e a criação dos Anéis de Poder).


A organização desta mitologia, compilada em obras como O Silmarillion, Os Contos Inacabados e a coleção The History of Middle-earth, permite compreender a profundidade simbólica e literária da Terra-média. Este artigo busca apresentar uma descrição hierárquica da estrutura mítica, lendária e histórica do legendário de Tolkien, estabelecendo conexões entre períodos, personagens e narrativas.


Estrutura Hierárquica da Mitologia da Terra-Média


1. Estrato Mítico (Cosmogonia e Primeira Ordem)


Ainulindalë (A Música dos Ainur):


A criação do mundo por Eru Ilúvatar, o ser supremo.


Os Ainur, espíritos angelicais, executam a música que molda a realidade.


Melkor (Morgoth), o mais poderoso dos Ainur, introduz a dissonância, simbolizando o mal primordial.


Valar e Maiar:


Os Valar (Poderes do Mundo) assumem formas e governam aspectos da criação: Manwë (ar), Ulmo (águas), Aulë (artesanato), Yavanna (natureza), entre outros.


Os Maiar, espíritos menores, incluem Melian, Ossë e, futuramente, os Istari (Magos, como Gandalf, Saruman e Radagast).


2. Estrato Lendário (Primeira Era dos Elfos e Homens)


O Despertar dos Elfos:


Primeiros filhos de Ilúvatar, despertam em Cuiviénen.


Divisão entre Elfos que seguiram a luz (Calaquendi) e os que permaneceram na escuridão (Moriquendi).


Silmarils e a Queda dos Noldor:


Fëanor cria as Silmarils, joias que aprisionam a luz das Duas Árvores de Valinor.


Morgoth rouba as Silmarils, provocando a guerra mais trágica da Primeira Era.


A jornada dos Noldor à Terra-média marca o início dos grandes conflitos.


Heróis e tragédias da Primeira Era:


Beren e Lúthien, símbolo da união entre Homens e Elfos.


Túrin Turambar, marcado pelo destino trágico.


A queda de Gondolin, cidade secreta dos Elfos.


3. Estrato Histórico (Segunda e Terceira Eras)


Segunda Era:


Fundação de Númenor, reino dos Homens presenteados com vida longa.


Ascensão de Sauron, antigo servo de Morgoth.


Corrupção de Númenor e sua destruição (Akallabêth).


Fundação dos reinos de Arnor e Gondor na Terra-média.


Forja dos Anéis de Poder por Celebrimbor, enganado por Sauron.


Terceira Era:


História de O Hobbit e O Senhor dos Anéis.


A fragmentação de Arnor e guerras contra Sauron.


O Conselho de Elrond e a formação da Sociedade do Anel.


A Guerra do Anel, derrota final de Sauron e a ascensão do Rei Elessar (Aragorn).


A partida dos Elfos e dos Portadores dos Anéis para o Oeste, encerrando a Era dos Povos Antigos.


Linha do Tempo Descritiva da Mitologia de Tolkien


A seguir, apresenta-se uma linha do tempo em ordem hierárquica e descritiva que conecta os períodos míticos, lendários e históricos:


Cosmogonia (Antes das Eras)


Criação do universo pela Música dos Ainur.


Formação de Arda (o mundo).


Entrada dos Valar e Maiar no mundo.


Corrupção inicial de Melkor.


Primeira Era (Mítica-Lendária)


Despertar dos Elfos em Cuiviénen.


Viagem dos Elfos para Valinor e a divisão em clãs.


Criação e roubo das Silmarils.


Retorno dos Noldor à Terra-média.


Guerras contra Morgoth (Dagor Bragollach, Nirnaeth Arnoediad).


Queda de reinos élficos (Gondolin, Doriath).


Beren e Lúthien recuperam uma Silmaril.


Túrin Turambar e o destino trágico dos Homens.


Guerra da Ira: derrota de Morgoth pelos Valar; fim da Primeira Era.


Segunda Era (Histórico-Lendária)


Fundação de Númenor.


Ascensão de Sauron como Senhor das Trevas.


Forja dos Anéis de Poder e o Um Anel.


Guerras dos Elfos contra Sauron.


Númenor é corrompida, invade Valinor e é destruída.


Fundação dos reinos de Arnor e Gondor pelos sobreviventes de Númenor.


Última Aliança de Elfos e Homens contra Sauron; vitória, mas sobrevivência do Um Anel.


Terceira Era (Histórico)


Reinos de Arnor e Gondor em declínio.


Surgimento dos Hobbits como povo pacífico.


O Hobbit: expedição de Bilbo Bolseiro.


O Senhor dos Anéis: Sociedade do Anel, Guerra do Anel e queda definitiva de Sauron.


Ascensão de Aragorn como Rei Elessar e restauração do trono de Gondor.


Partida dos Elfos e Portadores dos Anéis para Valinor.


Início da Quarta Era, dominada pelos Homens.


Conexão entre os Habitantes da Terra e os Ciclos Narrativos


Elfos: Guardiões da memória mítica e portadores da tradição lendária.


Homens: Representam a mortalidade e o curso histórico, marcando a passagem das Eras.


Anões: Criados por Aulë, são símbolos de resistência e cultura material.


Hobbits: Inseridos tardiamente, representam a ligação do leitor moderno com o mundo mítico, oferecendo uma perspectiva simples diante do épico.


Sauron: Elo entre a queda de Morgoth e a corrupção da Segunda e Terceira Eras, símbolo do poder absoluto e da ameaça constante.


Conclusão


A Terra-média de Tolkien, sistematizada e expandida por Christopher Tolkien, é mais que um conjunto de narrativas fantásticas: constitui uma mitologia moderna, organizada em camadas que transitam do mítico ao histórico. A cosmogonia do Ainulindalë estabelece fundamentos teológicos; as lendas da Primeira Era configuram a dimensão heroica; e os relatos da Segunda e Terceira Eras inserem os elementos humanos e históricos, aproximando o leitor de um universo ficcional com profundidade cultural comparável a mitologias antigas. Essa estrutura hierárquica, complementada por uma linha do tempo descritiva, permite compreender a totalidade do legendário de Tolkien como uma narrativa orgânica que se estende da criação do mundo até a Era dos Homens.


Referências


CARPENTER, Humphrey (org.). Cartas de J.R.R. Tolkien. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.


FLIEGER, Verlyn. Splintered Light: Logos and Language in Tolkien’s World. Kent: Kent State University Press, 2002.


SHIPPEY, Tom. J.R.R. Tolkien: Author of the Century. London: HarperCollins, 2000.


TOLKIEN, Christopher (ed.). The Silmarillion. London: George Allen & Unwin, 1977.


TOLKIEN, Christopher (ed.). Unfinished Tales of Númenor and Middle-earth. London: George Allen & Unwin, 1980.


TOLKIEN, Christopher (ed.). The History of Middle-earth. 12 vols. London: HarperCollins, 1983-1996.


TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis. São Paulo: Martins Fontes, 2009.


TOLKIEN, J. R. R. O Hobbit. São Paulo: Martins Fontes, 2009.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




O MUNDO FÁBULAS (FABLES): Estrutura, Personagens e Conexões com a Realidade






Introdução


A série Fables, publicada pela DC Comics/Vertigo a partir de 2002, escrita por Bill Willingham e ilustrada majoritariamente por Mark Buckingham, propõe uma releitura dos contos de fadas clássicos e figuras do folclore universal, transpostos para o mundo moderno. A premissa central apresenta um conflito que obriga as chamadas “Fábulas” a fugirem de suas Terras Natais, após a invasão de um inimigo enigmático conhecido apenas como “O Adversário”, estabelecendo uma comunidade clandestina em Nova York, denominada Cidade das Fábulas (Fabletown). O presente artigo busca analisar a estrutura desse universo narrativo, sua organização política e social, a hierarquia dos personagens centrais e, finalmente, refletir sobre o final da série e suas conexões com a realidade contemporânea.


Estrutura do Mundo Fábulas


As Terras Natais constituem a dimensão original onde coexistem os múltiplos reinos dos contos de fadas, funcionando como territórios autônomos. Esse espaço é descrito como um plano além da existência humana, fragmentado em diversos reinos independentes (monarquias, florestas mágicas, castelos, aldeias encantadas). Durante séculos, tais reinos coexistiram com mínima interação, até a ascensão do Adversário, que unificou vastas regiões pela força. A ausência de resistência coordenada resultou na conquista quase total das Terras Natais, obrigando as Fábulas a buscar exílio no mundo humano.


No exílio, a Cidade das Fábulas, localizada em Nova York, surge como centro político e administrativo da comunidade. Seu governo é composto por:


Rei Cole – autoridade oficial e figura cerimonial.


Branca de Neve – vice-prefeita e verdadeira líder política, responsável pela organização social e pela aplicação das leis.


Lobisomem (Bigby Wolf) – xerife, encarregado da segurança e da investigação de crimes.


Paralelamente, os personagens de aparência não-humana são confinados à Fazenda, um espaço rural isolado, onde a magia e a convivência entre criaturas mágicas é controlada. A decisão de manter segredo sobre a existência das Fábulas impõe o princípio do disfarce: os “mundanos” (seres humanos comuns) não podem ter conhecimento da comunidade fantástica que os cerca.


Hierarquia dos Personagens e Arcos Narrativos


A narrativa de Fables desenvolve-se em arcos distintos, dentro de uma cronologia progressiva.


Primeiros Arcos (2002–2004) – Legends in Exile e Animal Farm:


Estabelecem a organização de Fabletown e o funcionamento político.


Introduzem Branca de Neve, Bigby Wolf, Rose Red, Príncipe Encantado e a rebelião na Fazenda.


Arcos de Expansão (2005–2008) – March of the Wooden Soldiers e Homelands:


Surge a ameaça direta do Adversário.


Revela-se que o Adversário é Gepeto, que utiliza exércitos de bonecos de madeira para subjugar reinos.


Bigby assume papel central como general de guerra.


A Grande Guerra (2009–2010) – War and Pieces:


As Fábulas organizam resistência militar contra Gepeto.


O exílio torna-se campo estratégico de guerra.


Alianças e traições moldam os destinos das personagens.


Arcos Finais (2011–2015) – The Great Fables Crossover até Farewell:


Explora tensões internas entre personagens e gerações.


O desfecho apresenta a rivalidade final entre Branca de Neve e Rose Red, irmãs cuja disputa simboliza a luta entre ordem e caos.


A história encerra com múltiplos finais abertos, preservando o destino das Fábulas em camadas míticas e atemporais.


O Final e Conexões com a Realidade


O encerramento de Fables não apenas conclui a guerra contra o Adversário, mas desloca a narrativa para conflitos internos e ideológicos entre as próprias Fábulas. O confronto entre Branca de Neve e Rose Red sintetiza as tensões entre poder, justiça e rivalidade fraterna, em um espelhamento da condição humana.


A série conecta-se à realidade contemporânea ao representar temas como:


Exílio e diáspora: povos obrigados a abandonar suas terras diante de forças opressoras.


Política e poder: jogos de autoridade e manipulação, refletindo sistemas governamentais humanos.


Memória e anistia: o perdão coletivo na Cidade das Fábulas remete a debates sobre justiça transicional em sociedades pós-conflito.


Identidade e disfarce: a necessidade de ocultar-se dos “mundanos” ecoa discussões sobre imigração, minorias e invisibilidade social.


Conclusão


O universo de Fables apresenta-se como uma construção literária que mescla fantasia e crítica social. Sua estrutura narrativa recria os contos de fadas em um cenário moderno, enfatizando não apenas a luta contra forças externas, mas também as contradições internas da comunidade exilada. O final da série, ao privilegiar disputas morais e políticas entre irmãs, amplia o alcance da obra para além do simples entretenimento, revelando sua capacidade de dialogar com dilemas humanos universais. Dessa forma, Fables permanece como uma narrativa que, embora fictícia, espelha a realidade por meio da linguagem simbólica do mito e da fábula.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:



WILLINGHAM, Bill. Fables. Nova York: Vertigo/DC Comics, 2002–2015.


BUCKINGHAM, Mark; LEIALOHA, Steve; MEDINA, Lan. Fables: Legends in Exile. Nova York: Vertigo/DC Comics, 2002.


KHOURY, George. The Extraordinary Works of Alan Moore. Raleigh: TwoMorrows Publishing, 2003.


SANDERSON, Peter. Comics, Manga, and Graphic Novels: A History of Graphic Narratives. Nova York: Harper, 2012.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



O MUNDO DE CONAN, O BÁRBARO: A Era Hiboriana e suas Relações com a História Antiga






Introdução


A Era Hiboriana, concebida por Robert E. Howard na década de 1930, constitui um dos cenários mais influentes do gênero espada e feitiçaria. Trata-se de um período fictício, anterior às civilizações conhecidas da Antiguidade, onde reinos, impérios e tribos bárbaras coexistem em um equilíbrio instável de poder, marcado por magia, aventuras épicas e o eterno conflito entre civilização e barbárie. Nesse cenário, Conan, o cimério, simboliza o arquétipo do herói bárbaro que, pela força e astúcia, se impõe diante de magos, monstros e tiranos.


O mundo hiboriano reflete, de forma alegórica, preocupações históricas de Howard, como o declínio das civilizações, o totalitarismo emergente no período entre guerras e a fragilidade da ordem social diante do caos. A análise desse universo fictício, em paralelo com sociedades históricas reais, revela como as narrativas de fantasia podem dialogar com reflexões antropológicas, políticas e filosóficas sobre a condição humana.


Organização e Reinos da Era Hiboriana


A Era Hiboriana apresenta um mosaico de reinos que combinam elementos de culturas históricas reais. Alguns dos principais são:


Ciméria: terra natal de Conan, inspirada nos povos celtas e escoceses, marcada por montanhas sombrias e uma cultura rude, regida pelo deus Crom.


Aquilônia e Nemédia: grandes impérios civilizados, equivalentes ao Império Romano e reinos medievais, símbolos de ordem, mas também de decadência moral e política.


Estígia: reino ao sul, inspirado no Egito faraônico, dominado por cultos sombrios e magos poderosos ligados ao deus-serpente Set.


Hiperbórea, Vanaheim e Asgard: territórios bárbaros ao norte, relacionados às tradições nórdicas e germânicas.


Khitaia: evocação da China antiga, um império misterioso e distante, guardião de segredos orientais.


Esse mapa de culturas mescla realidades históricas com elementos fantásticos, criando um pano de fundo onde as tensões entre civilização e barbárie se desdobram em guerras, conquistas e intrigas.


Magia, Monstros e Religião


Na Era Hiboriana, a magia não é uma arte benevolente, mas uma força sombria, perigosa e frequentemente associada ao mal. Magos negros, feiticeiros e cultos secretos são antagonistas recorrentes, reforçando o contraste entre a astúcia prática de Conan e o misticismo decadente das elites.


A religiosidade se apresenta de forma plural:


Crom, deus dos cimérios, distante e impassível, simboliza a brutalidade da natureza.


Set, a serpente, domina os cultos da Estígia, representando corrupção e poder obscuro.


Diversos outros deuses locais, ligados a tribos e reinos, ilustram a diversidade espiritual do mundo hiboriano.


Esse conjunto reforça o ambiente de horror cósmico, influenciado também pela amizade de Howard com H. P. Lovecraft, inserindo elementos de deuses antigos e forças inomináveis.


O Mundo Selvagem e a Lógica da Sobrevivência


O universo de Conan é um espaço onde a sobrevivência depende da força física, da coragem e da inteligência prática. Florestas, desertos, mares e cidades decadentes compõem o palco das aventuras, reforçando a ideia de que a natureza e a barbárie estão sempre em confronto com a ordem civilizatória.


Nesse sentido, o herói não se guia por ideais abstratos, mas por recompensas concretas: ouro, joias, fama e prazer. Esse ethos contrasta com a moralidade rígida das sociedades antigas, onde status e admiração estavam ligados ao poder militar, à linhagem ou ao domínio da lei.


Reflexões Comparativas com a História Real


Embora fictícia, a Era Hiboriana dialoga com períodos históricos antigos. Nos impérios da Antiguidade, como o Egito, Roma ou Mesopotâmia, a rigidez das leis e a centralização do poder garantiam ordem, mas frequentemente à custa de opressão. A força militar e a violência eram sinônimos de status, refletindo a lógica de que “ser forte era ser admirado”.


Com o passar dos séculos, a humanidade foi elaborando sistemas de governo mais flexíveis, como democracias, repúblicas e modelos constitucionais. Esses avanços não eliminaram os conflitos, mas revelam uma busca constante por equilíbrio entre autoridade e liberdade — um tema implícito nas narrativas de Conan, onde a corrupção dos impérios civilizados sugere os riscos da tirania, enquanto a barbárie simboliza a liberdade, ainda que brutal.


Conclusão


O mundo de Conan, o Bárbaro, é mais do que um cenário de fantasia. Ele constitui uma metáfora épica sobre a condição humana, contrapondo civilização e barbárie como forças complementares da história. A Era Hiboriana, com sua mistura de culturas fictícias e reais, espelha os dilemas da sociedade do início do século XX e permanece relevante por dialogar com questões universais: a decadência do poder, os perigos da tirania, a força da natureza e a luta pela sobrevivência.


Ao mesmo tempo, permite ao leitor refletir sobre a trajetória da humanidade, que, a partir de experiências passadas, buscou construir sistemas políticos mais equilibrados e inclusivos. Assim, Howard não apenas criou um universo de aventuras, mas também um espaço simbólico para pensar os ciclos da civilização.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:



HOWARD, Robert E. The Coming of Conan the Cimmerian. New York: Del Rey, 2003.


HOWARD, Robert E. Conan: The Barbarian Stories. London: Gollancz, 2011.


JONES, Stephen. The Conan Chronicles. London: Gollancz, 2006.


SCHWARTZ, Jeffrey. Barbarians and Civilization: The Hyborian Age as Allegory. Journal of Fantasy Studies, v. 12, n. 3, p. 45-62, 2009.


SPARK, Mark. Robert E. Howard and the Birth of Sword and Sorcery. Austin: University of Texas Press, 2015.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





O UNIVERSO DE DRAGON BALL: Mitologia, Cosmologia e Organização






Introdução


Desde sua criação em 1984, Dragon Ball, de Akira Toriyama, consolidou-se como um dos mais influentes produtos culturais do Japão, alcançando projeção global e impactando gerações de leitores e espectadores. Embora seja comumente identificado como um mangá e anime de ação e aventura, sua narrativa é sustentada por uma mitologia original e uma cosmologia complexa, que integra conceitos do budismo, hinduísmo, taoísmo e tradições narrativas modernas da ficção científica.


O presente artigo tem como objetivo analisar a abrangência e estrutura do universo de Dragon Ball, com destaque para sua mitologia, hierarquia de divindades, vilões, guerreiros poderosos, demônios e a posição da humanidade, enfatizando a Terra como eixo narrativo central. A análise será conduzida a partir de uma perspectiva descritiva e interpretativa, situando a obra no contexto cultural de sua recepção.


1. Cosmologia do Universo de Dragon Ball


A cosmologia da obra apresenta-se em três níveis interconectados:


Mundo Mortal – espaço onde vivem as diversas espécies inteligentes, incluindo os Saiyajins, Namekuseijins, Terráqueos e outras raças. É caracterizado pela pluralidade de planetas e culturas, refletindo uma visão de universo dinâmico e diverso.


Outro Mundo (Jensei) – dimensão espiritual destinada às almas após a morte, contendo o Céu, o Inferno, a Estação de Julgamento de Enma Daioh e os planetas dos Senhores Kaioh. Este espaço ecoa conceitos do pós-vida presentes nas religiões orientais, como a reencarnação e o julgamento espiritual.


Esferas Divinas – domínios habitados pelas divindades supremas, como os Kaiohshins, os Deuses da Destruição e Zeno-Sama. Trata-se da instância máxima da organização cósmica, em que decisões sobre a criação, destruição e manutenção dos universos são tomadas.


Após Dragon Ball Super, estabelece-se canonicamente a existência de 12 universos paralelos, cada qual dotado de deuses, anjos e guerreiros particulares, ampliando a escala da narrativa e reforçando o caráter multiversal da cosmologia.


2. Hierarquia das Divindades


A hierarquia cósmica apresenta funções complementares que asseguram o equilíbrio universal:


Zeno-Sama (Rei de Tudo): entidade suprema, com poder absoluto de apagar realidades inteiras. Representa o princípio de transcendência e instabilidade cósmica.


Grande Sacerdote (Daishinkan): conselheiro e mediador entre Zeno e os universos, assegurando a ordem e a obediência dos deuses.


Deuses da Destruição (Hakaishin): incumbidos de eliminar planetas ou civilizações, impedindo a estagnação do cosmos.


Kaiohshins (Supremos Senhores Kaioh): divindades criadoras, responsáveis por originar novas formas de vida e planetas.


Kaiohs (Senhores Regionais): divindades menores, que supervisionam quadrantes do universo mortal.


Essa estrutura hierárquica retoma elementos do panteão hindu-budista, no qual coexistem forças criadoras (Brahma), preservadoras (Vishnu) e destruidoras (Shiva), reinterpretadas sob um olhar ficcional e pop-cultural.


3. Vilões, Demônios e Forças do Caos


A narrativa de Dragon Ball é marcada pela sucessão de vilões que incorporam ameaças existenciais ao equilíbrio cósmico:


Freeza – imperador galáctico, representação do despotismo e da dominação colonial.


Cell – ser artificial que sintetiza a relação entre ciência e natureza, tematizando os riscos da manipulação genética.


Majin Boo – entidade demoníaca, de essência mágica, símbolo do caos primordial e da destruição irracional.


Zamasu – divindade corrompida, cuja crítica à imperfeição dos mortais conduz ao projeto genocida do "Zero Mortal".


Além desses, há demônios menores oriundos do Inferno e antagonistas oriundos de universos paralelos. Sua função narrativa não se restringe ao combate físico, mas articula reflexões sobre moralidade, justiça e imperfeição da humanidade.


4. Guerreiros Poderosos e o Ideal de Superação


Entre os guerreiros protagonistas, destacam-se:


Son Goku – herói central, cuja trajetória é marcada pela busca incessante de aperfeiçoamento.


Vegeta – príncipe dos Saiyajins, cuja evolução pessoal reflete o conflito entre orgulho, redenção e superação.


Gohan, Trunks e Goten – representantes da nova geração, simbolizando continuidade e potencial humano-saiyajin.


A concepção de poder em Dragon Ball não se restringe à força física, mas ao treinamento, disciplina e busca espiritual, aproximando-se do conceito budista de satori, a iluminação alcançada pela prática e pela superação dos limites.


5. A Humanidade e a Centralidade da Terra


Apesar da vastidão multiversal, a Terra ocupa o núcleo narrativo. Ela é o ponto de encontro de diferentes raças e o espaço onde os grandes conflitos universais se resolvem.


As Esferas do Dragão, artefatos criados por Kami e posteriormente replicados em Namekusei, simbolizam a ponte entre o mundo humano e as esferas divinas, permitindo que desejos transcendam a lógica da finitude.


Os personagens humanos, como Kuririn, Tenshinhan, Yamcha e Bulma, apesar de não rivalizarem em poder com seres cósmicos, são fundamentais para a narrativa. Representam o engenho, a amizade, a coragem e a capacidade de transformar o destino por meio da inteligência e da solidariedade.


Conclusão


O universo de Dragon Ball constitui um mito moderno, que articula tradições míticas orientais com narrativas contemporâneas de ficção científica e aventura. Sua cosmologia multiversal, a hierarquia de divindades, a presença de vilões arquetípicos, a busca incessante por superação e a centralidade da Terra compõem uma estrutura narrativa singular.


Mais do que batalhas épicas, Dragon Ball oferece uma reflexão sobre a condição humana: a fragilidade diante da imensidão cósmica, a busca pela transcendência e a necessidade de equilíbrio entre forças criadoras e destrutivas. Assim, a obra se consolida não apenas como entretenimento, mas como uma narrativa simbólica capaz de dialogar com mitos ancestrais e questionamentos existenciais contemporâneos.


Referências


AZUMA, Hiroki. Otaku: Japan’s Database Animals. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2009.


JAPAN, Toei Animation. Dragon Ball Z. Série de TV. 1989-1996.


JAPAN, Toei Animation. Dragon Ball Super. Série de TV. 2015-2018.


NAPPI, Carla. The Monkey King and the Dragon Ball: Myth, Manga and Modernity. Journal of Asian Studies, v. 62, n. 3, p. 567-595, 2003.


TORIYAMA, Akira. Dragon Ball. Tóquio: Shueisha, 1984.


TORIYAMA, Akira; TOYOTARO. Dragon Ball Super. Tóquio: Shueisha, 2015.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



O MULTIVERSO DE FINAL FANTASY EM DIÁLOGO COM COSMOLOGIAS MITOLÓGICAS






Estrutura Dimensional, Entidades e Objetos de Poder em Perspectiva Comparada



Introdução



O multiverso de Final Fantasy, franquia criada pela Square em 1987, apresenta-se como um cosmos ficcional complexo, constituído por múltiplas dimensões interconectadas, seres transcendentais e objetos de poder. Cada título da série cria um mundo único, mas compartilha símbolos recorrentes como cristais, invocações e divindades, configurando uma mitopoiese contemporânea.


Comparar esse universo com cosmologias do hinduísmo, da mitologia nórdica e de tradições ameríndias permite identificar arquétipos universais que atravessam culturas e tempos, oferecendo insights sobre a construção de mundos ficcionais e a representação de forças cósmicas. O presente artigo propõe-se a descrever a estrutura dimensional do multiverso, suas entidades poderosas, objetos místicos, missões e ambições, além de realizar um quadro comparativo descritivo com as tradições mitológicas citadas.


Estrutura Dimensional do Multiverso


O multiverso de Final Fantasy pode ser conceptualizado em três níveis principais:


Plano Material – Correspondente aos mundos jogáveis, com geografia, cultura e histórias próprias (ex.: Gaia em Final Fantasy IX, Spira em Final Fantasy X).


Plano Espiritual – Morada de entidades transcendentais, como Eidolons, Espers e Primals, conectando mundos por meio de cristais que funcionam como mediadores de energia.


Plano do Caos – Domínio do desequilíbrio e da destruição, representado por vilões que ameaçam romper a ordem cósmica (ex.: Caos em Final Fantasy I, Kefka em Final Fantasy VI, Sephiroth em Final Fantasy VII).


Esses planos coexistem em tensão constante, refletindo o ciclo universal de criação, preservação e destruição. Comparativamente, o Plano Material remete ao Midgard nórdico; o Plano Espiritual guarda semelhança com o samsara hindu e com camadas espirituais ameríndias; e o Plano do Caos assemelha-se a mundos infernais ou de provação presentes em diversas tradições mitológicas.


Seres Poderosos


As entidades que habitam o multiverso podem ser divididas em três categorias:


Divindades Cósmicas – Hydaelyn e Zodiark (Final Fantasy XIV), que mantêm o equilíbrio entre luz e trevas, análogas a Vishnu e Shiva no hinduísmo ou ao Sol e à Lua em tradições ameríndias.


Invocações Elementais – Ifrit, Shiva, Bahamut, Leviatã, que representam forças primordiais da natureza, comparáveis aos deuses védicos ou a espíritos protetores xamânicos.


Vilões Transcendentais – Sephiroth, Ultimecia, Sin; seres que buscam ultrapassar a mortalidade e dominar ou destruir mundos, ecoando Ravana hindu ou Loki nórdico.


Esses arquétipos ilustram como o jogo reelabora símbolos ancestrais em narrativa digital, refletindo questões universais de poder, equilíbrio e transcendência.


Missões e Ambições


As narrativas da franquia estruturam-se em torno de missões épicas, que incluem:


Preservação dos Cristais – Manter a harmonia cósmica, similar à função de objetos sagrados nas mitologias.


Superação da Morte – Vilões que desejam transcender a existência mortal.


Conquista Cósmica – Tentativas de unificar ou dominar múltiplas dimensões.


Restauração da Harmonia – Heróis que enfrentam forças destrutivas para restaurar o equilíbrio.


Essas missões dialogam com paradigmas mitológicos: heróis ameríndios restauram o equilíbrio de mundos, deuses nórdicos tentam retardar o Ragnarök, e a busca pelo moksha hindu reflete a superação dos limites existenciais.


Objetos de Poder


Os objetos místicos possuem papel central no multiverso:


Cristais – Fontes de energia primordial, mediadores entre mundos e elementos.


Espadas Lendárias – Masamune, Excalibur; representam poder e autoridade.


Matérias e Magias – Veículos de energia espiritual, comparáveis ao prana hindu.


Armas Ancestrais – Artefatos de civilizações antigas, com poder de alterar o destino de mundos.


Esses artefatos têm função narrativa e simbólica, refletindo a ambição humana por domínio e transcendência.


Quadro Comparativo Descritivo


A seguir, apresenta-se um quadro descritivo que sintetiza o diálogo entre Final Fantasy e cosmologias reais:


1. Estrutura Dimensional


Final Fantasy: Plano Material, Plano Espiritual, Plano do Caos.


Mitologias: samsara hindu; Yggdrasil nórdico; camadas celestes e subterrâneas ameríndias.


2. Seres Poderosos


Final Fantasy: divindades cósmicas (Hydaelyn, Zodiark), invocações (Ifrit, Shiva, Bahamut), vilões transcendentais (Sephiroth, Ultimecia).


Mitologias: Vishnu e Shiva; Odin e Loki; espíritos xamânicos e heróis ameríndios.


3. Missões e Ambições


Final Fantasy: proteger cristais, restaurar harmonia, conquistar mundos.


Mitologias: Ragnarök nórdico, moksha hindu, jornadas de heróis solares ameríndios.


4. Objetos de Poder


Final Fantasy: cristais, espadas lendárias, matérias/magias, armas ancestrais.


Mitologias: joias de Indra, prana, martelo de Thor, espada Gram, maracá xamânico.


5. Conquista e Dominação


Final Fantasy: vilões buscam unificar ou destruir mundos; heróis preservam pluralidade.


Mitologias: hybris, titãs e deuses, limites cósmicos e espirituais impostos pela tradição.


Conquista, Dominação e Alegorias


No multiverso de Final Fantasy, a busca de vilões pelo domínio total reflete a hybris mitológica, enquanto os heróis encarnam resistência e pluralidade. O ciclo de criação, destruição e restauração espelha paradigmas universais das cosmologias comparadas, revelando a franquia como uma mitopoiese digital contemporânea.


Conclusão


O multiverso de Final Fantasy funciona como uma complexa rede de mundos interligados, onde dimensões, seres e objetos de poder dialogam com mitologias ancestrais. O quadro comparativo evidencia como a série reelabora símbolos universais, transformando-os em narrativas digitais que exploram equilíbrio cósmico, ambição e transcendência. Assim, Final Fantasy constitui uma expressão moderna de tradição oral-escrita, refletindo a construção de mundos e mitos em linguagem contemporânea.


Referências


CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1997.


JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.


KITASE, Yoshinori; NOMURA, Tetsuya. Final Fantasy Anthology. Tokyo: Square Enix, 1999.


SQUARE ENIX. Final Fantasy XIV: Encyclopaedia Eorzea. Tokyo: Square Enix, 2016.


WOLF, Mark J. P. Building Imaginary Worlds: The Theory and History of Subcreation. New York: Routledge, 2012.


ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 2000.


LEVI-STRAUSS, Claude. Mitológicas. São Paulo: Cosac Naify, 2006.


STURLUSON, Snorri. Edda em Prosa. Lisboa: Vega, 2008.


DONIGER, Wendy. Hindu Myths. London: Penguin, 2004.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






MORADAS ESPIRITUAIS: Fusões de Mundos e Culturas






Resumo


O presente artigo analisa diferentes concepções de moradas espirituais em tradições culturais e religiosas, como o Natiankié e o Ywymara’Ey ameríndios, o Duaat egípcio, os Campos Elísios greco-romanos, o Valhalla germânico, o Sheol e o Gan Eden hebraicos, além do Tír na nÓg e o reino dos Tuatha Dé Danann celtas. Partindo de um panorama histórico e simbólico, discute-se como o processo de contato e fusão cultural transformou o universo espiritual em um espaço plural. Defende-se que, no contexto contemporâneo, as antigas moradas continuam existindo, mas deixam de ser apenas destinos ancestrais, tornando-se também escolhas espirituais possíveis.


Palavras-chave: Moradas espirituais; sincretismo; culturas antigas; espiritualidade; pós-vida.


1 Introdução


As concepções da vida após a morte constituem um dos elementos mais significativos das tradições culturais e religiosas da humanidade. Diferentes povos imaginaram mundos espirituais como destinos dos falecidos, refletindo não apenas visões metafísicas, mas também valores sociais e éticos (ELIADE, 2008).


Entre exemplos relevantes, podem-se citar o Natiankié e o Ywymara’Ey, ligados às tradições ameríndias; o Duaat egípcio; os Campos Elísios greco-romanos; o Valhalla germânico; o Sheol e o Gan Eden hebraicos; além do Tír na nÓg e o reino dos Tuatha Dé Danann celtas.


No decorrer da história, as migrações, conquistas e contatos culturais geraram fenômenos de sincretismo religioso, nos quais cosmologias do pós-vida foram reinterpretadas e combinadas (LEVI-STRAUSS, 2003). Nesse cenário, abre-se a possibilidade de compreender o universo espiritual como um mosaico interconectado, no qual as antigas moradas não se excluem, mas coexistem e podem se tornar opções de escolha pessoal.


2 As moradas espirituais tradicionais


2.1 Concepções ameríndias


Entre os povos ameríndios, as moradas espirituais, como o Natiankié e o Ywymara’Ey, estão ligadas à continuidade da vida em dimensões sagradas associadas à floresta e aos ancestrais. Essa cosmovisão enfatiza a relação de equilíbrio entre humanos, natureza e espíritos (GIRARD, 1998).


2.2 Egito antigo


O Duaat era concebido como um reino subterrâneo atravessado por provas, no qual o falecido deveria ser julgado por Osíris. Essa visão reforça a centralidade da ordem cósmica (Ma’at), que determinava a harmonia do mundo e do além (ELIADE, 2008).


2.3 Grécia e Roma


Na tradição greco-romana, os Campos Elísios constituíam o repouso dos heróis e justos. Essa concepção refletia o ideal clássico de glória e virtude como méritos eternos (VERNANT, 1990).


2.4 Tradição germânica


No Valhalla, sob a proteção de Odin, os guerreiros mortos em combate festejavam e combatiam eternamente. Essa crença traduzia a exaltação da coragem e da honra guerreira (MALLORY, 1989).


2.5 Tradição hebraica


O Sheol era visto como a morada indistinta de todos os mortos. Posteriormente, a noção de Gan Eden foi elaborada como recompensa celestial, refletindo uma visão ética do pós-vida (ELIADE, 2008).


2.6 Tradição celta


O Tír na nÓg e o domínio dos Tuatha Dé Danann representavam terras da juventude eterna e abundância. Essa concepção refletia a ligação dos celtas com a natureza e o mito da imortalidade (MALLORY, 1989).


3 Fusão cultural e ressignificação espiritual


Os processos de expansão imperial, colonização e migração possibilitaram a mistura de crenças e cosmologias. O sincretismo permitiu que antigas moradas espirituais permanecessem, mas em diálogo com outras tradições (LEVI-STRAUSS, 2003).


Nesse contexto, o destino espiritual deixa de ser exclusivamente uma herança de ancestralidade, adquirindo o caráter de escolha individual. O indivíduo pode, assim, desejar repousar nos Campos Elísios, lutar no Valhalla ou retornar ao Natiankié, independentemente de sua origem cultural.


O universo espiritual passa a ser compreendido como um território plural, em que cada morada mantém sua essência, mas se torna acessível como opção espiritual.






4 Conclusão


As moradas espirituais refletem as concepções simbólicas e culturais de cada sociedade, traduzindo valores como coragem, justiça, ancestralidade ou juventude eterna. Com a fusão de culturas ao longo da história, esses mundos passaram a coexistir em um horizonte mais amplo, no qual deixam de ser exclusivos de determinados povos e podem se tornar escolhas espirituais universais.


Nesse cenário, o cosmos espiritual assume a forma de uma rede de mundos interconectados, em que cada indivíduo pode escolher sua morada conforme suas crenças e afinidades. Trata-se de um universo espiritual plural e multicultural, que valoriza tanto a tradição ancestral quanto a liberdade individual de pertencimento.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 



ELIADE, Mircea. História das crenças e das ideias religiosas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.


GIRARD, René. O sagrado e a violência. São Paulo: Paulus, 1998.


LEVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa: Edições 70, 2003.


MALLORY, J. P. In Search of the Indo-Europeans: Language, Archaeology and Myth. London: Thames and Hudson, 1989.


VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





NATIANKIÉ, Visão Kariri Pós a Morte e Outras Tradições Antigas






Conto de Visão Sobre Pós Morte


A brisa da tarde soprava sobre a aldeia, trazendo o som das cigarras e o cheiro de terra molhada. Namara, uma jovem curiosa e cheia de perguntas, aproximou-se do ancião Kamyá, que descansava à sombra de um pé de jatobá. Seus olhos, já cansados pelo tempo, guardavam a memória de muitas gerações.


— Ancião Kamyá — disse Namara com respeito —, tenho estudado a espiritualidade dos povos indígenas e também o que os Caraí, os brancos, falam sobre a vida e a morte. Mas o que eu mais desejo saber é: para onde vamos quando deixamos este mundo?


O velho sorriu, ajeitou o cachimbo de barro e respondeu com voz serena:


— Minha filha, cada povo tem seus caminhos e suas moradas sagradas. Mas nós, do povo Kariri, sabemos que, quando o sopro da vida se despede, seguimos para Natiankié, a Aldeia Espiritual dos Antepassados.


Namara franziu o rosto, intrigada, e pediu que lhe contasse mais.


— Em Natiankié — continuou Kamyá —, todos se reencontram. Os que vieram antes de nós vivem lá, dançam em roda, caçam, pescam e cuidam da terra sagrada, como faziam aqui. É uma aldeia sem dor e sem fome, onde o fogo nunca se apaga e a memória dos ancestrais se mantém viva. Lá, os espíritos nos observam, aconselham e fortalecem nosso caminho neste mundo.


Um silêncio respeitoso tomou conta do espaço. O coração de Namara se aqueceu com aquelas palavras, como se pudesse ouvir os tambores de Natiankié ecoando além do tempo.


Ela agradeceu ao ancião com um gesto de reverência. No entanto, sua curiosidade a levou a buscar ainda mais. Partiu para estudar outras tradições, navegando pelas histórias da humanidade, comparando caminhos e crenças, como quem costura um grande manto de sabedoria.


E assim começou a viagem de Namara entre mundos, onde a aldeia dos Kariri se encontrava com o Egito, a Grécia, Roma, os Celtas, os Hebreus e os Germânicos. Mas no fundo, em todos os povos, ela via a mesma chama: a esperança de que a vida não termina, apenas muda de morada.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



📖 Artigo Acadêmico


A MORADA ESPIRITUAL APÓS A MORTE: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A VISÃO KARIRI E OUTRAS TRADIÇÕES ANTIGAS


Resumo


O presente artigo busca analisar comparativamente as concepções sobre a vida após a morte entre diferentes tradições culturais e religiosas, tomando como ponto de partida a cosmovisão do povo Kariri acerca de Natiankié, a “Aldeia Espiritual dos Antepassados”. A pesquisa segue com a descrição de outras visões históricas, como o Duaat dos egípcios, os Campos Elísios da Grécia e Roma, o Valhalla germânico, o Sheol e o Gan Eden hebraicos, bem como o Tír na nÓg e o reino dos Tuatha Dé Danann na tradição celta. O objetivo é destacar as semelhanças e diferenças na construção simbólica das “moradas espirituais”, mostrando que, apesar das particularidades culturais, existe um elo comum: a busca pela continuidade da vida em outra dimensão.


Palavras-chave: espiritualidade; povos indígenas; cosmovisão; mitologia comparada.


Introdução


A espiritualidade humana sempre buscou compreender o destino após a morte, elaborando narrativas que oferecem consolo, orientação moral e sentido à existência. Entre os povos indígenas brasileiros, a relação com os ancestrais é central. No caso do povo Kariri, a crença na Natiankié — a aldeia espiritual onde vivem os antepassados — reforça a continuidade da vida e a ligação sagrada entre gerações.


Da mesma forma, outras culturas antigas formularam conceitos semelhantes, ainda que adaptados às suas realidades sociais, políticas e religiosas. O presente estudo visa apresentar, em perspectiva comparada, como esses diferentes povos representaram o “mundo após a morte”, revelando tanto a diversidade quanto a universalidade da experiência humana diante do mistério da morte.


Desenvolvimento


A visão Kariri: Natiankié


Para o povo Kariri, a morte não representa um fim absoluto, mas uma passagem. O espírito segue para Natiankié, a aldeia dos antepassados, onde a vida continua em harmonia, sem fome ou dor. Essa concepção expressa a importância da ancestralidade como fundamento da existência.


Antigo Egito: o Duaat


Na tradição egípcia, o Duaat era o mundo dos mortos. Ali, a alma era julgada: o coração era pesado em comparação à pena de Maat, deusa da verdade e da justiça. Se fosse mais leve, o falecido ganhava a eternidade.


Grécia Antiga


Os gregos acreditavam em diferentes destinos após a morte:


Campos Elísios: local de honra para heróis e virtuosos.


Prados de Asfódelos: lugar das almas comuns.


Érebo/Hades: domínio sombrio dos mortos.


Roma Antiga


Influenciados pelos gregos, os romanos mantinham crenças semelhantes:


Campos Elísios para os virtuosos.


Submundo (Hades/Érebo) para os não virtuosos.


Povos Germânicos


Valhalla: reservado aos guerreiros mortos em batalha, que viviam em glória ao lado de Odin.


Helheim: destino frio e sombrio dos que não morreram em combate, governado pela deusa Hel.


Hebreus


Sheol: inicialmente concebido como um lugar sombrio para todos os mortos.


Gan Eden (Jardim do Éden): desenvolvido posteriormente como recompensa para os justos.


Povos Celtas


Tír na nÓg: terra mítica de juventude eterna e imortalidade.


Reino dos Tuatha Dé Danann: espaço espiritual habitado por seres sobrenaturais, associado a poder e beleza.


Conclusão


A análise comparativa mostra que, apesar das diferenças culturais, todas as tradições reconhecem a morte como passagem e não como término absoluto. Seja na aldeia espiritual Kariri, no Duaat egípcio, nos Campos Elísios gregos e romanos, no Valhalla germânico, no Gan Eden hebraico ou no Tír na nÓg celta, a humanidade revela sua busca por continuidade, justiça e transcendência. O estudo confirma a universalidade da esperança de reencontro com os ancestrais e da perpetuação da vida em dimensões espirituais.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 


ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.


LE GOFF, Jacques. O Nascimento do Purgatório. Lisboa: Estampa, 1995.


MELLO, José Antonio Gonsalves de. Religiões da Antiguidade. Recife: UFPE, 2001.


MIRANDA, Shirley. Mitologia Celta: deuses, heróis e lendas. São Paulo: Madras, 2006.


PINSKY, Jaime. As primeiras civilizações. 12. ed. São Paulo: Contexto, 2010.


👉 Assim, temos o conto (em tom literário) e o artigo (em tom acadêmico).



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



EVOLUÇÃO CONTÍNUA: Para Onde Vai o Futuro Humano?






O Conto Sobre o Futuro Humano


Havia um tempo em que a Terra respirava sozinha, moldando espécies ao sabor dos ventos, das águas e do fogo que vinha das entranhas do mundo. Nesse grande ciclo, surgiram os humanos — frágeis em corpo, mas ricos em imaginação.


Durante séculos, fomos apenas mais uma parte desse fluxo invisível chamado evolução. Caçávamos, fugíamos, aprendíamos a sobreviver. Mas um dia, algo mudou: não nos contentamos em ser moldados pela natureza, quisemos moldá-la também.


Primeiro, domesticamos o fogo, inventamos a roda, traçamos sinais que viraram escrita. Depois, criamos máquinas, cidades, redes que ligaram nossas vozes através do ar. Cada invenção era um espelho: mostrava o que podíamos ser, mas também revelava nossas sombras.


Agora, chegamos a um ponto sem retorno. Não apenas vivemos a evolução — começamos a escrevê-la.


Com a biotecnologia, tocamos nos fios secretos da vida: corrigimos genes, sonhamos com corpos mais resistentes e longevos. Com a inteligência artificial, construímos mentes que aprendem, algumas vezes mais rápido do que nós. Com a computação quântica, abrimos portas para realidades que ainda não sabemos decifrar.


Quatro caminhos se desenham diante de nós:


O biotecnológico, onde prolongamos a saúde e desafiamos doenças antigas.


O cibernético, em que cérebro e máquina se fundem numa só consciência.


O digital, onde memórias e pensamentos podem habitar além do corpo.


O simbiótico, em que humanos e máquinas criam juntos algo maior do que ambos.


Mas a pergunta ecoa no silêncio: para onde vai o futuro humano?


Se corrermos apenas atrás da perfeição tecnológica, podemos esquecer que somos feitos de terra, água e vento. Se perdermos a ligação com a natureza, talvez deixemos para trás nossa própria essência.


O destino da evolução nunca esteve escrito. Ele é um rio que muda de curso a cada escolha. Pela primeira vez, seguramos o timão desse barco. Podemos navegar para horizontes de luz ou para tempestades de sombra.


No fim, a verdadeira evolução talvez não esteja apenas nas máquinas que criamos, mas na sabedoria de equilibrar ciência e espírito, inovação e vida.


E assim, diante do espelho do amanhã, a humanidade se pergunta: seremos apenas engenheiros do futuro ou guardiões da essência da vida?



Autor do conto: Nhenety Kariri-Xocó


👉 Esse conto segue em seguida com um artigo acadêmico, a narrativa é uma porta poética para o tema, fazendo o leitor sentir antes de refletir.


Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



📜Artigo Acadêmico 


EVOLUÇÃO CONTÍNUA: O Futuro Humano na Era Tecnológica 



Introdução


A teoria da evolução compreende a vida como um processo contínuo de mudança, no qual cada espécie se adapta ao ambiente em que vive. Nesse contexto, os seres humanos não representam um ponto final da evolução, mas uma etapa dentro de um processo dinâmico e criativo que segue em constante transformação. Atualmente, a humanidade atravessa um momento singular de sua trajetória: a convergência entre evolução biológica e evolução tecnocultural. O avanço de áreas como a biotecnologia, a inteligência artificial (IA) e a computação quântica abre novos horizontes para compreender e refletir sobre o futuro da evolução humana.


Desenvolvimento


A evolução biológica, tradicionalmente regulada pela seleção natural e por mutações genéticas, continua atuando sobre os seres humanos. Mudanças ambientais, pandemias e alterações nos hábitos alimentares representam pressões seletivas que podem influenciar adaptações futuras. Entretanto, diferentemente de outros seres vivos, a humanidade desenvolveu meios de intervir ativamente nesse processo, especialmente através da engenharia genética, capaz de editar características hereditárias e acelerar mudanças que antes ocorreriam ao longo de milhares de anos.


Paralelamente, a evolução tecnocultural avança em ritmo exponencial. Desde a domesticação do fogo até a invenção da escrita, cada salto cultural ampliou a cognição humana. Na contemporaneidade, a integração entre redes digitais, IA e computação quântica redefine não apenas a comunicação, mas a própria noção de inteligência. Esse processo inaugura uma fase de coevolução entre seres humanos e suas criações tecnológicas, possibilitando novos caminhos evolutivos:


Biotecnológico – edição genética para maior longevidade, resistência a doenças e adaptação a diferentes ambientes, inclusive extraterrestres;


Cibernético – fusão entre biologia e tecnologia, como implantes neurais e interfaces cérebro-máquina;


Digital – preservação ou extensão da consciência humana em sistemas de IA;


Simbiótico – evolução conjunta de humanos e máquinas, formando uma inteligência coletiva.


Essas possibilidades demonstram que a evolução humana não é apenas um fenômeno natural, mas também um processo cultural e tecnológico. A humanidade passa a ser sujeito ativo de sua própria evolução, capaz de escolher caminhos que podem levar à expansão da consciência ou, em contrapartida, à perda de vínculos essenciais com a natureza.


Conclusão


A evolução deve ser compreendida como um processo contínuo e aberto, que não possui finalidade última. O ser humano é um dos muitos resultados da evolução da vida, mas encontra-se em um ponto crítico de sua trajetória: pela primeira vez, uma espécie não apenas sofre os efeitos da evolução, mas também tem a possibilidade de dirigi-la conscientemente. A questão central, portanto, não é apenas para onde a evolução nos levará, mas que futuro a humanidade deseja construir. Nesse cenário, o equilíbrio entre inovação tecnológica e preservação da vida torna-se fundamental para que a evolução futura não rompa o elo essencial entre o ser humano e a natureza.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 


DARWIN, Charles. A origem das espécies. São Paulo: Martin Claret, 2004.


DAWKINS, Richard. O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.


HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.


KURZWEIL, Ray. A singularidade está próxima. São Paulo: Aleph, 2016.


MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2015.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



GUARAWÁ CARAÍ, O Homem Lobo dos Brancos






O Conto do Homem Lobo


Dizem os antigos que, quando os brancos atravessaram o mar e chegaram a estas terras, não trouxeram apenas ferro, pólvora e novos costumes. Trouxeram também seus medos e maldições.

Entre eles, vinha a história do lobisomem, o homem que, sob a lua cheia, se transformava em fera.


Nas vilas coloniais, muitos falavam de galinhas mortas, de pegadas estranhas na terra e de uivos que gelavam a noite. E esses boatos chegaram até as aldeias.


Certa noite, a lua estava grande e clara no céu. Os cães latiam sem parar, os cavalos batiam as patas no chão, e no galinheiro restavam penas espalhadas e aves mortas.

Os jovens, assustados, correram até o velho Tanuã, que estava diante da fogueira.


— Avô — disseram eles —, que bicho é esse que anda pela noite? É espírito da mata?


O ancião olhou as chamas dançantes e respondeu com voz grave:


— Não, meus filhos. Esse ser não nasceu aqui. É o Guarawá, o Homem-Lobo. Ele veio dos Caraí, os brancos. Carregam essa maldição em sua essência. Entre nós, nunca houve criatura assim. Foi por isso que lhe demos esse nome em nossa língua.


O fogo estalava, e o silêncio se fez ao redor. Os jovens se entreolharam, entre medo e curiosidade, enquanto o vento soprava na mata.

E desde aquela noite, sempre que a lua cheia aparece redonda no céu, o sussurro do Guarawá Caraí percorre a aldeia — lembrança de que até os medos podem atravessar oceanos e ganhar novo nome em outras terras.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó