terça-feira, 17 de junho de 2025

IBÁPOHDU, O Carro Olho de Fogo







Por Nhenety Kariri-Xocó


Na borda leste da floresta sagrada do Ouricuri, viviam algumas famílias indígenas de Porto Real do Colégio, em Alagoas. Tinham deixado a Rua dos Índios, onde o espaço estreito sufocava o plantar da mandioca e o criar seus animais domésticos como: galinhas, patos e porcos. Ali, próximos da antiga estrada real — caminho pisado desde os tempos do Brasil Império — buscavam paz, terra e sombra.


Era um tempo de silêncio entre os troncos, de cheiro de fumaça branda no entardecer, e de histórias contadas ao redor da fogueira. Mas certo dia, em 1935, a mata tremeu. Um barulho estranho cortou o sossego da manhã. Um bicho de ferro, cuspindo fumaça e com olhos de fogo, surgiu da curva da estrada.


Era um automóvel — o primeiro que se via por aquelas bandas. Conduzido por um homem branco chamado Carlos Estevão, vindo do Museu Goeldi, o carro deslizava sobre a estrada vermelha feito coisa de outro mundo.


Na mata, a velha anciã Aninha de Cristina colhia lenha. Quando viu a criatura, arregalou os olhos, o feixe de gravetos caiu de suas mãos. O pavor tomou-lhe as pernas, e ela correu mata adentro, sumindo como um pássaro assustado.


Horas depois, Luiz Teipó, caçador e também indígena, a encontrou agachada entre as folhas.

— Dona Ana, o que a senhora faz aqui, sozinha? — perguntou, surpreso.

— Eu vi chegar um bicho feio… o Ibápohdu, o Carro Olho de Fogo que o homem branco trouxe! — respondeu, com os olhos ainda arregalados.


Luiz sorriu com doçura.

— Não tenha medo, Dona Ana. Já ouvi falar desse bicho… Lá pras bandas de Propriá, em Sergipe, dizem que já tem. Mas não é bicho não… É um aparelho de transporte. Leva gente dentro dele, como uma canoa sobre terra firme.


Com paciência, Luiz conduziu a velha de volta até a casa de sua filha, Cristina. Quando chegaram, o Ibápohdu já havia sumido na poeira da estrada. O estudioso tirara algumas fotos e seguira caminho em direção à cidade, passando pela Rua dos Índios, de onde muitos haviam partido.


Foi João Baca quem disse o nome do homem: Carlos Estevão, pesquisador dos costumes e saberes dos povos originários. Ele passou, viu, e registrou.


Essa história chegou até mim pela boca de minha mãe, Indaiá, que ouvira de quem viveu: a própria Aninha de Cristina, a anciã que viu o bicho de olhos de fogo, e Luiz Antigo, o conhecido Luiz Teipó, que a trouxe de volta com coragem e palavra calma.


E assim, entre o medo e a curiosidade, o Ibápohdu virou história, contada à sombra do Ouricuri, onde o tempo escuta e a memória vive.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 







YEENDZI MERÃKIÉ, Grande Pássaro de Ferro do Céu






Naquele tempo antigo, quando o silêncio da mata falava mais alto que o barulho das cidades, os Kariri de Porto Real do Colégio, em Alagoas, viviam esquecidos pelos homens do poder. Mas nem por isso deixaram de sonhar. Era 1942 quando Jurandi, jovem de espírito firme e olhos curiosos, decidiu deixar a aldeia. Filho de Euclides Poité e Maria Pureza Poité, carregava no peito a coragem dos antigos. Tinha apenas vinte e três anos quando partiu em busca de um destino melhor, deixando para trás a aldeia, o rio, os cantos dos pássaros e o cheiro do barro molhado.


Viajou para o Norte, navegando por águas largas até chegar ao Amazonas. Por lá, experimentou o suor dos seringais, a solidão das matas fundas e a dureza da vida distante. Mas sua coragem abriu caminhos: tornou-se policial militar, casou-se com Jéssica, uma branca de Manaus, e teve quatro filhos, dois homens e duas mulheres. Construiu uma vida com as mãos e a saudade no peito.


Enquanto isso, sua irmã Indaiá permanecia na aldeia, guardando lembranças, cuidando da terra, esperando notícias. Vinte e um anos se passaram até que, num dia em que o céu parecia mais azul que nunca, Jurandi voltou.


Chegou como quem trazia o mundo nos ombros e o coração aberto. Carregava presentes embrulhados com afeto: roupas novas, retratos tirados na cidade grande, sua farda de tenente — que mostrava com o orgulho de quem venceu sem esquecer suas raízes. Trouxe até um enxoval de bebê, destinado a um menino recém-nascido na aldeia, o pequeno Nhenety — eu mesmo, abençoado por aquele gesto.


Mas o que encantou a todos foi a história que Jurandi contou em volta da fogueira, cercado por olhares atentos e bocas abertas de espanto. Falou do avião. Um silêncio reverente caiu.

— Mas o que é isso, Jurandi, esse tal de avião? — perguntou um ancião.

Ele sorriu e respondeu:

— Yeendzi Merãkié, o Grande Pássaro de Ferro do Céu.

Explicou que era como uma grande canoa coberta, mas que voava por cima das nuvens, levando gente dentro como se fosse um barco do ar. Era coisa de outro mundo para nós, que nunca tínhamos visto além do horizonte da serra.


Durante um mês, Jurandi partilhou histórias, riu com os parentes, abraçou os mais velhos e caminhou descalço pela terra vermelha da infância. Depois, partiu novamente, voando no mesmo pássaro de ferro.


Os anos passaram, mas ele nunca esqueceu sua origem. Sempre voltava. Certa vez, trouxe sua mãe, Pureza Poité, para conhecer o avião. Ela, já com os cabelos prateados pelo tempo, sentou-se com dignidade no assento da máquina que cortava o céu. Ficou um ano no Norte e voltou à aldeia com olhos cheios de novas paisagens.


Jurandi foi o primeiro índio da nossa aldeia a voar no Yeendzi Merãkié. E sua história, contada de geração em geração, vive entre nós como memória sagrada. Não podemos deixar que se apague.

É com essas lembranças que costuramos o futuro, como uma rede de pesca feita com fios de tempo e afeto.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó

Guardião da Palavra e da Memória Viva do Povo Kariri-Xocó




IAƝATÉ BECHIÉ, Mutirão da Roça







O sol ainda mal despontava por entre as copas das árvores altas quando os primeiros passos pisaram o chão fresco da terra escolhida. Era tempo de Iaɲaté — o mutirão da roça. No coração da aldeia Kariri-Xocó, a comunidade se preparava para mais uma jornada de trabalho coletivo, um costume antigo que ecoava como canto ancestral entre os galhos e as raízes da memória.


Anaciã, mulher de sabedoria firme, já separava o feijão para o almoço comunitário. Seu filho mais velho, Indoá, observava os homens afiando as foices à sombra de um umbuzeiro. A terra, úmida das últimas chuvas, parecia sorrir sob os pés descalços dos que se aproximavam, vindos de várias casas, de várias famílias.


— Hoje é dia de roçar, meu filho — disse o avô Ibinawá, entregando-lhe uma enxada com cabo novo. — Iaɲaté começa com o respeito à terra e à união.


Na área marcada, os homens avançavam em fileiras, derrubando o mato fino, deixando em pé apenas as grandes árvores. As sombras dessas árvores refrescavam o corpo e também a alma. Outros puxavam os tocos teimosos, limpando a área com dedicação. Tudo que era arrancado era levado para o centro da futura roça, onde seria feito o ajuntamento para a coivara.


Ao meio-dia, o aroma da feijoada trazia todos de volta para perto das panelas de barro. Homens, mulheres, jovens — todos sentados em esteiras de palha, dividindo histórias, risadas e o alimento sagrado.


— Esta é a força do nosso povo — disse Anaciã, servindo um prato a um jovem recém-chegado. — Trabalhamos juntos, colhemos juntos, vivemos juntos.


Depois de dias de roçado, veio a coivara. O mato seco crepitava em labaredas controladas, limpando o terreno com respeito ao ritmo da natureza. Em março, as mãos já depositavam sementes na terra: milho, feijão, mandioca. Era o nascimento do Bechié — a roça viva.


Quando abril chegou, os matos indesejados ameaçavam as brotações, e com eles veio outra fase do mutirão: a limpeza da lavoura. Mas agora os cantos de rojão ecoavam. Homens e mulheres formavam duplas, trocando desafios em versos cantados, em vozes fortes, cheias de riso e provocação saudável. O som atravessava as plantações e alcançava os corações como batida de tambor ancestral.


— Vamos ver quem vence na cantoria hoje! — gritava uma mulher, enfrentando o compadre com versos de sabedoria e alegria.


O tempo passou, os meses correram. Junho trouxe a colheita do milho verde, do feijão, da abóbora e da batata. Dezembro chegaria com a mandioca e o algodão, encerrando mais um ciclo da roça viva, da terra mãe.


Apesar das mudanças dos tempos, dos asfaltos que tentam cobrir os caminhos de barro, o mutirão da roça ainda pulsa no peito dos Kariri-Xocó. Iaɲaté Bechié não é apenas um costume — é memória viva, é comunhão. É a certeza de que onde há canto, terra e gente de coração firme, há também resistência.


E ali, no coração do sertão de Alagoas, essa tradição continua. Como diz o povo: “Enquanto houver canto de rojão e mão que planta, a roça viverá.”


— Conto de Nhenety Kariri-Xocó






Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






segunda-feira, 16 de junho de 2025

IAƝATÉ ERA BUNHÁ — A Casa de Barro e Comunhão







Na aldeia banhada pelas águas do grande rio, quando o sol se deita no horizonte, o vento sopra histórias antigas nos ouvidos atentos dos mais novos. É nesse tempo que começa a se falar de Iaɲaté — o mutirão sagrado do povo Kariri-Xocó.


Zawã, um jovem de olhos atentos como os do gavião, havia pedido a mão de Nãmá, filha de um velho sábio das ervas. O casamento se aproximava, e como manda a tradição viva, era chegada a hora de construir a nova morada. Mas não seria apenas uma casa — seria um elo feito de barro, madeira e união.


Na língua Dzubukuá, falada pelos antigos e ensinada aos filhos, Iaɲaté quer dizer “juntar para trabalhar”. E quando a aldeia ouve essa palavra, o chamado é mais forte que o tambor: todos sabem que é tempo de juntar os corpos, os risos, os cantos e as mãos.


Logo ao amanhecer, a floresta foi saudada. Os homens seguiram mata adentro para buscar as madeiras retas e firmes. Com sabedoria antiga, cortaram os troncos certos, trançaram as paredes com cipó forte como laços de sangue. Não havia pressa, cada gesto tinha alma. Sobre a armação, cobriram com capim sapé. E onde não havia sapé, palha de arroz — pois a terra sempre oferece o que for preciso.


Chegada a hora do barro, foi feito o convite: "Venham todos. A casa vai ganhar paredes." As famílias vieram com alegria. Ao redor da futura morada, os homens pisavam no barro cantando, os jovens buscavam água nos potes de barro queimado, as crianças gargalhavam e moldavam pequenos punhados de lama como se fossem brinquedos sagrados.


As mulheres, donas do sabor e do cuidado, preparavam panelas fumegantes de comida, alimentando a força dos que trabalhavam. E os cantos de Iaɲaté ecoavam entre as árvores e as paredes em construção — melodias que contavam histórias de antepassados e anunciavam que ali o amor tomaria forma de lar.


À medida que a taipa subia, as mãos deixavam suas marcas: dedos grandes, finos, pequenos, fortes — impressões digitais de um povo unido. Era como se cada um assinasse ali: "Eu estive. Eu fiz. Eu pertenço."


Quando a casa ficou pronta, o sol se punha novamente. No barro úmido ainda fresco, as marcas eram visíveis como tatuagens da memória. A casa era mais que abrigo — era a história de um povo contada em silêncio, feita com suor, riso e cantoria.


E assim, a cada nova união, renasce o costume. Pois enquanto houver amor, floresta, barro e vontade de estar junto, Iaɲaté Era Bunhá continuará — eterno como o rio que segue.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




domingo, 15 de junho de 2025

MAECRÓTÇAWO, A Cerca de Pedra Corta o Rio







No silêncio sagrado da noite, o fogo crepitava no centro do círculo formado por corpos cansados e memórias antigas. As estrelas brilhavam sobre o vale do Opará — o Rio São Francisco como chamam agora — mas para os povos originários, era o eterno Opará, serpente viva que atravessava o coração da terra.


Ali, no terreiro batido pelo tempo e pela história, os anciãos se reuniam. Suas vozes baixas teciam histórias como se fiapos do tempo fossem costurados na noite. O velho Wãmy, de olhar profundo como a própria correnteza do rio, conduzia a roda. As palavras fluíam como água: falava-se dos tempos antigos, dos tempos de floresta alta, de caça abundante, das roças férteis e do barro bom para modelar a vida.


Mas também se falava do lamento.


— O homem branco cortou a pele do Opará — murmurou Wãmy, olhando as chamas dançarem.


— Primeiro foi Paulo Afonso, em 1955... — disse outro ancião, contando nos dedos os golpes.


— Depois Três Marias, em 1962... — completou outro, com a voz embargada.


— Sobradinho, 1979... Xingó, 1994... — sussurrou Wãmy.


O silêncio pesou. A dor do rio era dor do povo. Cada barragem erguida era como uma cicatriz aberta na memória coletiva.


Foi quando se ouviu a voz curiosa de Juaerã, o jovem aprendiz, que sentava sempre ao lado do avô:


— Wãmy... como se diz “hidrelétrica” na nossa língua?


O velho sorriu, como quem sente o peso da pergunta e a alegria da continuidade.


— Ah, Juaerã... quando o homem branco traz coisas novas, a gente se aperta todo pra achar um nome. Mas cada palavra nossa é uma história, e nenhuma história deixa de ter seu tempo.


Ele pensou um pouco, como quem colhe no ar as palavras antigas. E então, falou com firmeza:


— Em nossa língua Kariri, “cerca” é maená, “pedra” é cró, “cortar” é tçate e “rio” é iwo. Então, se a cerca feita de pedra corta o rio, podemos chamá-la de Maecrótçawo.


No Rio Opará viviam muitos povos indígenas: Aramuru, Natu, Romaris, Caxagó, Tupinambá, Caetés. Atualmente vivem alguns: Kariri-Xocó, Trucá, Tumbalalá, Xocó, Kariri-Xocó, Rodelas e outros mais. 

O fogo iluminou o rosto de Juaerã. Havia tristeza nos olhos — a tristeza por um rio ferido — mas também uma luz de entendimento.


— Nada passa fora do tempo, Juaerã — concluiu Wãmy, olhando para o céu — a tradição registra tudo, até mesmo aquilo que tenta nos calar.


E naquela noite, sob o canto dos grilos e o sussurro do Opará, a palavra Maecrótçawo foi acolhida pela memória viva do povo. O rio podia ser cortado, mas a língua era ponte. E enquanto a palavra vivesse, o rio também viveria.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



sábado, 14 de junho de 2025

DUMYSÃ, A Fogueira Digital







Em tempos de distanciamento e incertezas, quando o mundo parecia girar mais devagar, algo novo começou a arder — não em cinzas ou lenha, mas em cabos, telas e sinais invisíveis. Era o ano de 2020, o tempo em que o coronavírus silenciou ruas, interrompeu festas e separou corpos. Mas nem mesmo ele foi capaz de apagar a chama dos encontros humanos.


Foi nesse cenário que nasceu Dumysã, a Fogueira Digital.


No coração de Ilhéus, na Bahia, a ONG Thydêwá seguia viva, pulsante, feita de pontes entre povos indígenas e não indígenas, entre o Nordeste do Brasil e outros cantos do planeta. De dentro de suas casas, homens e mulheres conectavam-se por janelas de vidro eletrônico, unidas não mais por estradas de terra ou barcos em rios, mas por sinais que cruzavam o céu.


Entre os rostos que surgiam nas reuniões online — ou “lives”, com Sebastian presidente da Thydêwá e os sócios da ONG de algumas aldeias do Nordeste do Brasil 

 entre eles Nhenety Kariri-Xocó. 


🔥 O Fogo Tradicional e o Fogo Digital


Certa noite, em mais uma dessas rodas digitais, Sebastian olhou para Nhenety através da tela e perguntou, curioso:


— O que você sente nessas lives, irmão? O que elas são pra você?


Nhenety sorriu com serenidade e respondeu como quem ouve a voz dos antigos:


— São nossas fogueiras digitais.

Antes, nossos povos se reuniam ao redor do fogo para conversar, decidir, compartilhar.

Agora, esse fogo ganhou outro corpo, outra forma.

Mas ainda é o mesmo espírito.


Os olhos de todos brilharam como brasas. Era verdade. As telas iluminavam como as chamas da fogueira, aquecendo corações dispersos e criando um novo círculo — não mais apenas local, mas planetário.


A ONG Thydêwá a responsável por esse projeto, que contou com o apoio da Neoenergia Coelba e do Instituto Neoenergia. 


A iniciativa utiliza recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Estado da Bahia (Fazcultura), por meio do Edital Transformando Energia em Cultura da Neoenergia 2023. 


Posteriormente outros projetos da Thydêwá estava Karina Desana, da Amazônia; Elder e Kadu Xucuru, do Pernambuco; e Nhenety Kariri-Xocó, filho do São Francisco, guardião das palavras antigas.


🧒🏾 A Pergunta dos Jovens


No ano 2024 durante o estudo da língua Kariri no grupo OKAX de WhatsApp durante uma conversa com jovens Kariri-Xocó por um deles perguntou:


— Nhenety, como se diria “Fogueira Digital” na língua Kariri?


O ancião pensou, como quem ouve um sussurro vindo do tempo, e disse:


— Seria Dumysã.

“Du” é fogo.

“Mysã” é mão.

Porque é com as mãos que cuidamos do fogo, que o alimentamos, que o mantemos vivo.

E agora, são nossas mãos que digitam, clicam, tocam... acendendo esse novo fogo que nos une.


E assim nasceu o nome. Dumysã.

A palavra antiga para um conceito novo.

A tradição que não se apaga, mas se transforma.


🌍 Uma Fogueira para o Mundo


Na tela acesa de cada lar, lá estava ela: a chama dos povos que jamais se apagam.

Dumysã ardia firme, provando que nem a distância, nem a pandemia, nem o tempo seriam capazes de silenciar os que sabem escutar o fogo — seja ele de lenha, seja ele de luz.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






 

sexta-feira, 13 de junho de 2025

A RUA DOS ÍNDIOS NOSSA ALDEIA






Na beira do São Francisco, onde as águas murmuravam antigas canções, havia uma pequena rua de terra batida. Nela se alinhavam humildes casas de taipa, algumas cobertas com palha de arroz, outras com telhas quebradas que testemunhavam os ventos do tempo. Era a chamada Rua dos Índios, no coração de Porto Real do Colégio — mais que um endereço, era nossa aldeia, onde viviam 230 almas, guardiãs de um passado profundo e quase esquecido.


Maria Tomasia, velha anciã Natu de fala mansa e olhos que guardavam séculos, costumava sentar-se à sombra de um juazeiro e contar às crianças o que seus avós haviam vivido. Ela dizia:


— “Quando a Vila de Colégio nasceu, em 1876, o Império se esqueceu de nós. As terras que eram nossas foram tomadas, e fomos empurrados para as margens... Não havia mais proteção, nem justiça, apenas resistência.”


Os pequenos escutavam em silêncio, sentindo o peso do que era ser Kariri, Xocó, Karapotó, Pankararu, Fulni-ô ou Natu naquele lugar. Mas também sentiam o calor da união que os mantinha vivos, mesmo após tanta perda. Ali, na simplicidade da rua, cada casa era um oco de resistência. Cada quintal, um terreiro de memória.






Foi no ano de 1944, sob um céu de fevereiro, que chegou um homem diferente. O agente do SPI chamado Cícero Cavalcante de Albuquerque, veio com a ajuda de alguns amigos do governo,  fundou o Posto Indígena de Alfabetização e Tratamento Padre Alfredo Dâmaso. Não era muito, mas era um começo. Havia cuidado, havia palavras, havia um olhar humano — algo que há muito tempo não sentiam vindo de fora.


O Padre Alfredo Dâmaso, amigo dos indígenas do Nordeste já conhecia os Kariri de Porto Real do Colégio desde 1942, por várias viagens empreendidas pelo Pajé Francisquinho, Iraminõ, Jurandi, Firmino e outros, para Bom Conselho, PE, onde residia. Agora o padre ordenou a Cícero Cavalcante para instalar o posto, escola e enfermaria.


Ali, na Rua dos Índios — nossa aldeia entre cercas e calçadas — crescia um novo sopro de esperança. Crianças aprendiam a escrever, curandeiras trocavam saberes com enfermeiras, e os casamentos entre etnias fortaleciam os laços de uma nova identidade. Um povo plural, nascido da dor e da convivência, de braços dados entre os que ali buscaram refúgio: Kariris do Baixo São Francisco, seus parentes e aliados.


Por muitos anos, o posto carregou o nome de seu fundador. Mas em 1967, com a criação da FUNAI, o governo deu-lhe um novo nome: Posto Indígena dos Kariri de Porto Real do Colégio. Ainda era uma rua, ainda era barro, mas a alma da aldeia seguia firme, plantada nos quintais e nos olhos de sua gente. No tempo da FUNAI a rua foi reformada, ganhou uma nova aparência, chegou água encanada — as coisas foram melhorando.

As dificuldades, porém, eram sócio-culturais: viver na rua sem poder praticar com liberdade seus rituais, sem as fontes de argila para fazer a cerâmica, base de sua economia ancestral.


Foi só em 1978, quando a comunidade deixou a Rua dos Índios e caminhou rumo à Fazenda Modelo, que um novo ciclo se abriu. O nome então mudou de vez: Kariri-Xocó. Um nome que não apagava o passado, mas o reunia. Um nome que trazia em si as vozes de todos os que ali haviam vivido, amado, lutado.


Hoje, o vento ainda passa por aquela antiga rua. Já não há tantas casas de taipa, mas se alguém escutar bem, poderá ouvir a voz de Maria Tomasia sussurrando nas árvores:


— “O que somos não se escreve em papéis. Está no barro da nossa casa, na raiz dos nossos nomes, no sangue que pulsa ao som do maracá.”




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




quinta-feira, 12 de junho de 2025

CAMINHOS DA COLÔNIA






Na cidade de Porto Real do Colégio, em Alagoas, havia uma rua chamada Rua dos Índios. Era ali que moravam os filhos da terra, os Kariri-Xocó. Viviam amontoados em casas simples, mas firmes na identidade ancestral. Ainda assim, não tinham terra para plantar suas roças nem criar os animais que sustentavam o dia a dia.


Foi depois da chegada do Posto Indígena Padre Alfredo Dâmaso que uma luz brilhou no horizonte: em 4 de agosto de 1947, o Fomento Agrícola cedeu à comunidade uma área de 54 hectares, conhecida desde então como Colônia Indígena. A Colônia ficava a três quilômetros do grande Rio São Francisco, distante da Rua dos Índios, mas perto do coração dos que sonhavam com liberdade.


A terra fértil logo atraiu os que ansiavam por mais que paredes — queriam raízes. Vinte e cinco famílias deixaram a Rua dos Índios e rumaram em mutirão para a nova morada. Muitos se reuniram ao redor da casa do velho Pajé Francisquinho, sábio guardião dos cantos e dos mistérios do Ouricuri. Outros se espalharam pelos lotes, levantando suas casas de taipa, plantando milho, feijão e sonhos.


Ali se ouviam os cantos de rojão, ecoando entre plantações e fogueiras, celebrando o esforço coletivo e a força de um povo. A Colônia ganhou vida: uma escola com 72 alunos, a casa de farinha do Sr. João Sampaio, um chafariz com água corrente e tantos pés de fruta que os pássaros festejavam.





Antes da escola, havia um campo de futebol. Era lá que os jovens se desafiavam em partidas animadas entre os times da Rua dos Índios e da Colônia, suando a camisa entre risos e gritos de torcida.


Em 1950, uma cicatriz atravessou aquele chão sagrado: a Estrada de Ferro. Com o tempo, trouxe tristeza — como a morte do índio Cadête, atropelado por um trem. Ainda assim, a vida resistia. Os que ainda moravam na Rua dos Índios iam até a Colônia cuidar das suas roças. Cada família tinha três tarefas de terra, onde criavam bichos, plantavam e pescavam.


Nos meses de abril e junho, a Colônia vibrava: abril era tempo de plantio, junho de colheita. Em cada canto, os mutirões seguiam como antigamente, com cantos, risadas, e o batimento do feijão no chão da cultura.


O tempo, porém, é como o vento — sopra para muitos lados. Em 1978, os ventos da retomada da Fazenda Modelo A Sementeira levaram muitos de volta. A Colônia foi sendo deixada, mas o amor à terra é teimoso. Em 1989, ainda havia famílias por lá, apegadas à memória e à história.


Entre elas, estavam nomes eternos: Pajé Francisco Suira, Julio Suira, Odilon, Amarilio e Clara, Analbertino Pires, José Quirino, Candará, Selé, Pixaxo, Tonho Neguinho, Manarí, e muitos outros que resistiram com dignidade.


A estrada que levava ao ritual do Ouricuri sempre passava pela Colônia. Ali, os viajantes paravam, encontravam parentes, partilhavam farinha e histórias. As famílias Caciano, Crizelina, Firmino Pires, João Sampaio, Anabertino Pires, Amarilho e Mari-Inha moravam ao longo do caminho, acolhendo os que seguiam com fé.


A Colônia era muito mais que terra — era refúgio, era esperança, era cultura viva. Nos tempos bons, os homens saíam juntos para pescar na Várzea do Itiúba. O caminho passava pela Colônia, onde combinavam a pescaria de camarões e mandins, em abundância, como bênçãos do rio.


E os jovens? Jogavam futebol. Disputavam partidas animadas com os times da Rua dos Índios, entre poeira, bola e alegria.


A Colônia, mesmo em silêncio, guarda ainda hoje os ecos desses passos, dessas cantigas, desses risos.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



A RUA DOS ÍNDIOS REFORMADA






Havia um tempo em que a pequena cidade de Porto Real do Colégio, no coração do sertão alagoano, começava a se transformar. Prédios novos surgiam, ruas eram pavimentadas, e o progresso caminhava lentamente pelas margens do Rio São Francisco. No entanto, havia uma rua que resistia ao tempo e ao cimento: a Rua dos Índios. Localizada ao norte da cidade, perpendicular às águas barrentas do Velho Chico, ali ainda reinavam as casas de taipa, enraizadas na terra como as histórias dos anciãos.


Na esquina da rua, o Posto Indígena erguia-se com paredes de alvenaria — uma solitária sentinela de concreto ao lado da escola indígena, que também era feita de tijolo e esperança. Em 1972, algo mudou. Veio de Brasília a decisão: a Fundação Nacional do Índio, sob comando do Ministério do Interior, anunciava uma grande reforma. A Rua dos Índios seria transformada.


A notícia correu como vento entre as palhas dos telhados. Seriam casas novas, escola ampliada com três salas de aula, uma enfermaria e até moradia para as professoras. Na Colônia Indígena, onde viviam outros parentes da mesma etnia Kariri-Xocó, instalaram um chafariz com água encanada — um milagre líquido para quem tanto conhecia a sede do sertão.


A professora Terezinha Wanderley, uma mulher firme e sábia que já ensinava desde os tempos do SPI, ainda resistia com seus cadernos surrados e sua voz paciente. Mas agora, novas educadoras chegaram: Marly Pimentel, Lourdes, Catunília… cada uma trazendo livros, sotaques e novos horizontes. Era o começo de uma nova era.


No posto, o chefe era o Tenente Ademir, homem do Exército, com botas engraxadas e olhar severo. Impunha respeito tanto na aldeia quanto na cidade. Dizia-se que bastava sua presença para pôr ordem onde havia confusão. Alguns o temiam, outros o respeitavam. Mas todos reconheciam: ele fazia cumprir as regras — inclusive a de que agora era tempo de mudança.


Com o passar dos anos, as crianças cresceram, os jovens se casaram, e a rua — aquela mesma rua reformada — começou a ficar pequena. A terra já não bastava para tantos passos.


Foi então que, em 1978, os Kariri-Xocó tomaram uma decisão histórica. Retornaram às suas antigas terras na Fazenda Modelo. Lá, ergueram uma nova aldeia, mais ampla, mais viva, como se a memória dos antepassados brotasse do chão.


E a Rua dos Índios ficou para trás, não esquecida, mas lembrada como o ponto de partida de um novo capítulo na longa caminhada do povo Kariri-Xocó.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



quarta-feira, 11 de junho de 2025

HINEBAKRÓ, A Luz no Tronco de Pedra






Meu nome é Aruá, e carrego nas lembranças o dia em que a luz chegou na nossa rua, a Rua dos Índios, em Porto Real do Colégio. Eu era só um menino, com os pés rachados de correr no barro e os olhos cheios de estrelas. Mas aquele dia ficou gravado no meu peito como se fosse o primeiro nascer do sol que vi na vida.


Antes disso, a noite era dona de tudo.


A aldeia dormia cedo, e os olhos aprendiam a enxergar no escuro. A gente sabia os caminhos pela posição da lua e das árvores, e as vozes dos mais velhos conduziam nossas histórias sob a luz do fogo. A vida era acesa por outros brilhos.


Foi minha avó, Júlia Muirá, quem me contou como tudo começou, muito antes de eu nascer.


— Aruá, tu sabias que a primeira luz nas ruas era fogo em água?


— Fogo em água, vó? Isso existe?


Ela sorriu com aquele jeito calmo de quem sabe mais do que diz.


— Era o gás, meu neto. Nas lamparinas de rua, penduradas nos troncos de madeira. Chamávamos de Hinedzudu, a luz da água de fogo. Hine é luz, dzu é água e du é fogo. Tudo junto, uma novidade naquela época em que a aldeia virou vila colonial, por volta de 1876.


Imaginava aqueles postes como árvores mágicas com olhos de fogo, iluminando caminhos de terra batida.


Com o tempo, a avó disse que vieram os motores a óleo, e a energia passou a vir de fios e geradores. Só funcionavam até as onze da noite. A gente ainda dependia da lua.


— Chamamos de Hinebarú, luz no tronco de pau. Porque era assim mesmo, neto — postes de madeira com as lâmpadas penduradas no alto.


Mas foi só em 1962 que chegou a luz elétrica no centro da cidade, com a CEAL. E na nossa rua... bem, foi só em 1967.


Lembro que era fim de tarde, o céu já começava a mudar de cor, e os homens da companhia estavam terminando a instalação dos postes novos. Eram de cimento, pesados, cinzentos, enormes.


Eu e outras crianças ficamos assistindo de longe. Cada vez que um fio era puxado, parecia um cordão ligando a terra ao céu. Os mais velhos estavam em silêncio. O pajé Suíra, de cocar baixo e passos firmes, observava atento.


Quando os técnicos desceram dos caminhões e acenaram, a rua inteira se juntou. Um homem girou uma chave, e então...


Zzzzzshhhhh — TAC!


Um som correu pelos fios como um trovão contido. Um a um, os postes se acenderam. Uma luz branca, firme, clara, como se o sol tivesse se multiplicado em cada ponto da rua.


As crianças começaram a gritar:


— Olha, olha! Parece estrela no chão!


Os adultos não disseram nada. Era como se estivessem ouvindo algo que só eles podiam entender. O silêncio dos antigos carregava respeito, temor... e encanto.


O pajé Suíra levantou o rosto para o alto e falou, com voz grave e pausada:


— HINEBAKRÓ.


— Hine o quê?, perguntei, puxando a ponta do manto do pajé.


Ele me olhou com os olhos de quem escuta o tempo.


— HINEBAKRÓ, Aruá. Quer dizer “a luz no tronco de pedra”.


— Por causa do poste de cimento?


— Sim, menino. É a luz do novo tempo. Mas lembra: não é só pedra nem só fio. É o espírito da transformação. Se não tiver memória, não é luz — é só claridade vazia.


Fiquei quieto, mas aquelas palavras entraram em mim como semente.


Naquela noite, não quis dormir cedo. Sentei no batente de casa e fiquei olhando o poste mais próximo. A lâmpada parecia olhar de volta. Ao meu lado, minha avó passou a mão na minha cabeça e disse:


— Agora temos luz, Aruá. Mas nunca esqueça de onde vem a nossa verdadeira clareza.


Desde então, nunca mais vi a noite da mesma forma. A luz chegou, sim. Mas o que nunca se apagou foi o brilho das palavras do meu povo.


E sempre que vejo um poste iluminado, me lembro:

Hinebakró — a luz no tronco de pedra —

E no coração da pedra, ainda pulsa a memória da floresta.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





TOKLIDDAYSÃ, Falar Com o Mundo na Mão







No tempo em que as nuvens carregavam apenas chuva e não sinais digitais, o som das vozes corria livre pelos caminhos de terra, pelos rios e pelas palavras ditas ao pé do ouvido. Na Rua dos Índios, em Porto Real do Colégio, as novidades chegavam com o vento, os barcos e os passos apressados de quem tinha algo urgente a dizer.


Foi numa tarde quente de novembro, em 1972, que algo novo se ergueu no horizonte da nossa aldeia. Lá na Rua da Aurora, uma torre metálica apontou para o céu como se quisesse conversar com as estrelas. A Estação Terrena da TELASA havia sido instalada. A cidade agora estava ligada ao mundo.


De nossa casa, dava para ver a torre em direção ao leste. Curioso e maravilhado, fui até o velho Iraminõ, sábio guardião das palavras da nossa gente, conhecedor profundo da língua Kariri.


— Seu Iraminõ, o telefone chegou na cidade! — contei.


Ele ouviu com calma, olhos semicerrados de lembrança.


— Já vi um desses... muitos anos atrás, em Penedo.


Então perguntei:


— E como se chama esse aparelho em nossa língua?


Iraminõ sorriu com leveza e disse:


— Chamamos de Beɲeokli, que quer dizer "falar na orelha". É formado por Beɲe, que é orelha, e Toklikli, que é falar.


E assim, por muitos anos, o Beɲeokli serviu nossa comunidade. Era o fio invisível que unia parentes distantes, que trazia notícias da capital, que nos fazia rir e chorar com vozes do outro lado do mundo.


Mas o tempo não para, nem para os ventos, nem para os aparelhos. O telefone mudou, encolheu, perdeu os fios e ganhou novas funções. Trazia câmera, rádio, internet, aplicativos de toda ordem. E estava, agora, sempre ao alcance das mãos.


No ano de 2017, um grupo de jovens da aldeia veio me entrevistar. Era um trabalho de pesquisa sobre o telefone celular. Um deles, chamado Kayany, me perguntou:


— E como seria o nome desse aparelho novo em nossa língua, Nhenety?


Refleti. Os tempos tinham mudado, mas a raiz da nossa fala permanecia viva.


— No tempo do velho Iraminõ, o telefone analógico era o Beɲeokli, "falar na orelha". Mas agora ele é digital, cabe na palma da mão e fala com o mundo todo. Podemos chamá-lo de Tokliddaysã, que significa "falar com o mundo na mão".


Expliquei:

Toklikli é "falar", Radda é "mundo", e Mysã é "mão".


Os olhos dos jovens brilharam. Saíram satisfeitos com a resposta, levando não só o nome, mas também o espírito daquilo que carregavam no bolso.


E assim ficou: o telefone celular, em nossa língua, é Tokliddaysã —

Falar com o mundo na mão.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



terça-feira, 10 de junho de 2025

NETSODDAYÉ, Ver o Mundo Todo







Um conto do povo Kariri-Xocó


Autor: Nhenety KX


Apresentação


Netsoddayé — Ver o Mundo Todo é um conto nascido da tradição oral do povo Kariri-Xocó.

Por meio da jornada de um menino que deseja se tornar contador de histórias, este texto nos convida a refletir sobre o valor da escuta, da sabedoria coletiva e da visão compartilhada de mundo.


Cada pessoa carrega um pedaço da realidade. O verdadeiro contador de histórias é aquele que costura essas visões com respeito e sensibilidade.


Que este conto, simples e profundo, inspire outros a ouvirem com mais atenção e a contarem com mais verdade.


Dedicatória


Dedico este conto ao meu povo Kariri-Xocó,

às vozes ancestrais que nos ensinaram a ouvir,

aos velhos e às velhas que guardam o mundo em palavras,

e às crianças que um dia levarão adiante as nossas histórias.


Desde pequeno, Nhenety carregava um desejo no peito: queria ser um contador de histórias. Sonhava em guardar as memórias do seu povo e levá-las adiante como sementes levadas pelo vento.


Certa manhã, tomou coragem e procurou o velho cacique Otávio Nidé, que morava bem em frente à sua casa. Ele era respeitado como um grande mestre das histórias e dos saberes ancestrais.


— Tio Otávio, disse com os olhos cheios de brilho, quero ser contador de histórias como o senhor. O que preciso fazer?


O cacique sorriu com ternura e respondeu:


— Para isso, você precisa conhecer Netsoddayé.


Nhenety arregalou os olhos:


— O que é essa palavra, tio?


— Netsoddayé é “ver o mundo todo” — explicou o cacique, com voz serena, no Kariri a palavra netso é ver, enquanto radda o mundo e buyé poder ser grande.


O menino suspirou, preocupado:


— Então... eu nunca vou conseguir. Como poderei ver o mundo todo? 


O velho sábio repousou a mão em seu ombro e falou:


— Nosso povo Kariri-Xocó é o nosso mundo. E cada pessoa carrega um pedaço dele. Vá, fale com os mais velhos. Ouça com atenção. Assim você começará a ver o mundo. 


Renovado de esperança, Nhenety partiu em sua jornada.


Seu primeiro encontro foi com sua avó, a ceramista Júlia Muirá, que moldava com carinho a argila da terra.


— Vovó, perguntou com doçura, como é o mundo para você?


A avó sorriu e respondeu:


— Para mim, o mundo é a terra de onde retiro a argila. É nela que moldo potes e panelas de barro. O mundo nasce da terra e retorna para ela.


Mais adiante, em outro dia, Nhenety cruzou caminho com o caçador Kandará, que caminhava com passos leves pela mata.


— Senhor Kandará, perguntou, como é o mundo para o senhor?


Kandará respondeu:


— O mundo é a floresta. É onde caço tatu, capivara, preá, nambu. É um mundo de folhas, sombras e sons. Cada passo é um encontro com a vida.


Dias depois, à beira do rio, Nhenety encontrou o pescador Moaci.


— Senhor Moaci, perguntou com curiosidade, como é o mundo para o senhor?


O pescador, enquanto ajeitava suas redes, respondeu:


— O mundo, para mim, é o rio. Ele é cheio de peixes que alimentam minha família. É um mundo de águas que nunca param, sempre em movimento.


O tempo passou, e Nhenety cresceu. Por muitos anos, conversou com seu povo: ouviu as histórias dos anciãos, dos artesãos, dos curandeiros, das crianças. Guardou cada palavra com carinho.


Um dia, já rapaz, viu o velho cacique Nidé sentado sob uma árvore, agora com os cabelos brancos como nuvem.


Sentou-se ao seu lado e contou tudo o que havia aprendido — os mundos que conhecera em cada pessoa.


O cacique ouviu em silêncio. Depois, com um sorriso sábio, disse:


— Nhenety, o mundo do nosso povo ninguém vê por completo. Cada pessoa enxerga um lado, um canto, um fragmento. O contador de histórias precisa andar todo o círculo, ouvir cada um, costurar esses fragmentos. Só assim terá uma visão maior do mundo.


Nhenety compreendeu, enfim, que a verdadeira arte de contar histórias não estava em conhecer tudo, mas em ouvir com o coração aberto. E que, em cada voz, morava um pedaço do Netsoddayé.


Naquele dia, ela se levantou com uma certeza: já havia começado a ver o mundo todo.

Agora era sua vez de espalhar essas histórias como sementes.


Pois quem ouve para aprender, um dia contará para ensinar.




Autor : Nhenety KX 



HINETOKLITÉ , A Luz que Fala no Pano







Um Conto do Baixo São Francisco



Memória de um encantamento no Baixo São Francisco, onde a luz e as palavras atravessam o tempo.


Autor: Nhenety Kariri-Xocó



Prefácio



Contar histórias é como lançar sementes no rio do tempo. Algumas afundam, outras viajam longe, e algumas florescem nas margens mais inesperadas.


Esta é uma dessas histórias. Vem de minha terra, de meu povo Kariri-Xocó do Baixo São Francisco. É uma memória que brilha feito luz sobre pano — e como dizemos em nossa língua Kariri, Hinetoklité.


Escutem bem: não é apenas sobre cinema. É sobre o encanto da primeira vez, sobre o olhar que vê o mundo se transformar. É sobre palavras que resistem, que atravessam o tempo e ainda falam aos nossos corações.


O conto


No Baixo São Francisco, onde o rio espelha o céu e as cidades crescem à beira de suas águas, há lugares de história viva.


Entre eles, Penedo e Propriá se destacavam como portais por onde as novidades do Brasil chegavam primeiro — como se o progresso descesse o rio em canoas de luz.


Defronte a Propriá, em Porto Real do Colégio, moram o povo indígena Kariri-Xocó — também conhecidos dos colegienses, como eram chamados. Sempre atentos, suas vidas se entrelaçavam com as marés de modernidade que batiam à porta.


Foi num dia de sol manso, em 1948, que Maria de Lourdes — a quem todos chamavam de Indaiá — atravessou o rio, acompanhando seu pai, Euclides.


Iam vender cerâmica no mercado de Propriá, como tantas vezes já haviam feito. Mas, naquela tarde, algo novo esperava por ela.


Havia um burburinho nas ruas: um tal de cinema.


O Cine Odeon reluzia com letreiros e uma fila de gente curiosa.


Sem saber bem do que se tratava, Indaiá entrou. Sentou-se na cadeira de madeira, com os olhos arregalados.


Quando as luzes se apagaram e a tela brilhou, ela sentiu um calafrio: imagens dançavam num grande pano, e dali saíam vozes, risos, sons...


Era como se o espírito da luz estivesse contando histórias.


Na volta à aldeia, correu a contar à mãe, Maria Pureza:


— Mamãe, vi um negócio chamado cinema! — disse, ofegante. — É como um pano onde a luz fala...


Maria Pureza sorriu e respondeu:


— Nós chamamos isso de Hinetoklité... Luz que fala no pano. Vem do nosso Kariri: hine, que é luz; toklikli, falar; cruté, pano.


Assim, a palavra correu entre os nossos.


O Hinetoklité passou a ser conhecido, encantando adultos e crianças.


Em Propriá, além do Odeon, o Cine Propriá também projetava seus feitiços luminosos.


Mais tarde, em 1959, surgiu o Cine Fernandes, pelas mãos do empresário Fernandinho.


Não demorou muito para que o Hinetoklité atravessasse o rio e chegasse também a Porto Real do Colégio.


Primeiro, na Fazenda Sementeira, do Ministério da Agricultura, onde um pequeno cinema servia aos funcionários e suas famílias.


Mas foi só nos anos de 1970 que o cinema se abriu ao povo da cidade.


O Cine Fernandes começou a trazer sessões aos finais de semana.


No salão paroquial ou no antigo prédio da Escola Frei Damião, as pessoas se reuniam, de olhos brilhantes, para ver o pano encantado.


Lembro como se fosse hoje: o primeiro filme que vi foi Paixão de Cristo.


Eu e meu irmão Antônio assistimos juntos, de mãos suadas de emoção.


A cada cena, a cada fala, o Hinetoklité nos levava para longe, para dentro das histórias.


No final dos anos 1970, lá por 1978, as sessões pararam.


O salão ficou vazio, o pano emudecido.


Mas as memórias ficaram.


E até hoje, quando a luz do projetor se acende em qualquer sala, ou mesmo quando assisto um filme em tela pequena, é como se ouvisse o sussurro de minha mãe:


"Hinetoklité... a luz que fala no pano."


E assim, de geração em geração, essa palavra segue brilhando — como as histórias que o rio leva e traz.


Nota do autor


Este conto nasce de lembranças vividas e contadas no seio de meu povo, o Kariri-Xocó, de Porto Real do Colégio, Alagoas. Hinetoklité é uma palavra de nossa língua ancestral, que traduz a maravilha de ver o cinema chegar a nossas terras — a luz que fala no pano. Que este registro preserve não só a memória de um tempo, mas também a riqueza das palavras que guardam nosso olhar sobre o mundo.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó





segunda-feira, 9 de junho de 2025

NHENETY E A ESCOLA DA VIDA







"Memórias de um contador de histórias: Nhenety relembra seus primeiros passos na escola indígena e os ensinamentos ancestrais de seu povo Kariri-Xocó."



"Cada memória é uma semente que guardo no coração. Neste conto, compartilho um pedaço da minha infância na aldeia Kariri-Xocó, quando descobri o poder das palavras e dos saberes ancestrais. Que essa história possa também tocar você."


Nhenety e a Escola da Vida


Um conto de saberes entre livros e histórias ancestrais


Na Rua dos Índios, na periferia de Porto Real do Colégio, em Alagoas, existia um pedaço de tempo guardado. Ali, onde hoje passavam carros e crianças com mochilas coloridas, foi, desde o Brasil Colonial, a morada dos Kariri.


Em 1944, o Posto Indígena Padre Alfredo Dâmaso trouxe novos ventos para a aldeia. Com ele, nasceram uma escola e uma pequena enfermaria — janelas para o futuro em meio ao barro vermelho da terra.


Era ao lado da escola que morava o pequeno Nhenety, filho de Alírio Nunes e Maria de Lourdes. Na casa simples, com cheiro de café e ervas do mato, cresciam também seus irmãos: Marinalva, Lindinalva, Hélia, Antônio, Lurdinha e Erílio.


Nhenety era o penúltimo da fila. Começou a escola em 1969, aos seis anos, levado pela mão calejada do pai. Quem ensinava era dona Terezinha Wanderley, uma mulher branca, vinda da cidade, que abria as portas do conhecimento com um sorriso e uma paciência infinita.


Na escola, o menino se encantou pelas palavras. Em 1973, já lia e escrevia com fluência. Seus olhos brilhavam mais forte quando, após as aulas, se refugiava na pequena Biblioteca Padre Anchieta. Ali descobriu mundos encantados nos contos dos Irmãos Grimm, e histórias que diziam do seu próprio povo e da terra onde pisava.


Os anos corriam, como o rio São Francisco que margeava a aldeia. Em 1976, Nhenety concluiu a 4ª série primária, como se dizia então. A escola tinha um novo nome — Gilberto Pinto Figueiredo Costa — homenagem da FUNAI a um sertanista que havia desbravado sertões e corações.


Tão próxima era a escola de sua casa que, nos momentos em que o rádio se calava, Nhenety ouvia as aulas da professora como um eco familiar, entrando pela janela.





Que tempos doces aqueles. Havia o recreio, as brincadeiras, as quadrilhas juninas, e o Dia do Índio, celebrado a cada 19 de abril com cantos e danças. No fogão da escola, dona Marieta preparava lanches que até hoje povoam as lembranças de Nhenety com gosto de infância.


Em 1980, já adolescente, ele seguia para o Ginásio São Francisco, na cidade. Atravessava ruas e estradas para estudar a 8ª série, ao lado de colegas indígenas e brancos. Ali conheceu jovens de outras paragens — meninos e meninas que vinham dos povoados, trazendo suas próprias histórias.


Mas foi em casa, ao cair da noite, que Nhenety aprendeu as lições mais valiosas. O ancião Otávio Nidé, cacique da aldeia, morava defronte. Todas as noites, atravessava a rua para escutar o rádio junto de Alírio, pai de Nhenety. E ali, entre uma canção e outra, os anciãos contavam histórias antigas, passadas de boca em boca como relíquias.


Nhenety ouvia em silêncio. Palavras se desenhavam em sua mente como traços de um bordado invisível. Mal sabia ele que, um dia, seria também contador dessas histórias — guardião da memória do povo Kariri-Xocó.


E assim, entre livros e fogueiras, rádio e tradição, o menino da Rua dos Índios foi se tornando aquilo que já era, em essência: um contador de histórias reconhecido a partir de 1990 com 27 anos de idade e daí não parou mais até os dias de hoje.


A escola da Aldeia recebeu vários nomes ao longo de sua história. Quando fundou o Posto Indígena Padre Alfredo Dâmaso em 1944 a instituição educacional recebeu o nome de Escola Kariri dos indígenas de Porto Real do Colégio. Em 1978 mudou o nome para Gilberto Pinto Figueiredo Costa. A partir de 2006 recebeu o nome de Escola Indígena Estadual Pajé Francisco Queiroz Suíra. 



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




domingo, 8 de junho de 2025

HEBARUSÁ, O Pau de Sebo







(Um conto das margens do Velho Chico)


Dizem que há memórias que moram nas águas — e quem nasce à beira do Rio São Francisco sabe disso. Cada canoa que desliza, cada remada que corta a corrente traz também histórias antigas, contadas de avô para neto, de mãe para filha.


Assim era em Porto Real do Colégio. Quando o último domingo de fevereiro se anunciava no calendário do povo, a cidade se vestia de festa: era dia de Bom Jesus dos Navegantes.


Mas entre os meninos da Rua dos Índios e os velhos pescadores de mãos calejadas, havia um outro encantamento que fazia os olhos brilhar: o Hebarusá, o Pau de Sebo.


Quem orquestrava a alegria era Joaquim Miguel, homem branco de fala mansa e sorriso aberto, casado com a índia Anorina Muirá, do povo Kariri-Xocó. Na casa deles, ao pé de uma velha algaroba de sombra generosa, começava cedo a movimentação.


Os músicos afinavam os pífanos, a zabumba ganhava vida, e a rua inteira acordava dançando. Era como se o rio lá embaixo chamasse as almas para a celebração. Bandeirolas coloridas cruzavam o céu, e o cheiro de bolo de macaxeira e café coado se espalhava como incenso profano.


E lá estava ele: o Hebarusá, um tronco alto, liso de gordura, erguido como um desafio aos rapazes da cidade. No topo, uma arca de madeira escondia doces, moedas reluzentes e um lenço bordado por Anorina — um prêmio que era mais honra do que riqueza.


As equipes se formavam. Eram grupos de irmãos, primos, amigos de rua. Os corpos suavam, os pés firmavam no chão de barro. O mais forte agarrava o tronco, e logo sobre seus ombros subiam os companheiros, uns sobre os outros, formando uma torre viva. Cada avanço era saudado com palmas, assobios e o som cortante dos pífanos.


Homens e mulheres de todas as cores assistiam. Brancos, negros, índios — ali, naquele momento, todos eram filhos do mesmo chão, irmãos sob o mesmo céu bordado de bandeirinhas.


Havia quedas, gargalhadas, novas tentativas. Até que um jovem ágil, de olhos brilhantes como o rio, alcançava o topo e puxava o prêmio, arrancando um grito coletivo da multidão.


E o velho Joaquim, com o chapéu na mão, ria como menino, abraçado a Anorina.


Mas o tempo é como o rio: nunca cessa.


Quando Joaquim Miguel partiu para os caminhos que só os espíritos conhecem, a Rua dos Índios silenciou. O Hebarusá não subiu mais. Sem ele, o reisado calou seu canto, o guerreiro baixou seus estandartes.


Ainda assim, a fé seguiu seu curso. Ano após ano, as embarcações ainda cruzam o Velho Chico na procissão do Bom Jesus dos Navegantes. E lá, diante da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a banda de pífanos continua a tocar, suas notas subindo aos céus como preces.


E às vezes, quando a tarde cai e o vento sopra leve pelas ruas vazias, dizem que é possível ouvir, ao longe, os ecos de um tempo em que o Hebarusá fazia vibrar os corações. Porque as verdadeiras tradições não morrem: dormem, à espera de quem as desperte.




Autor: Nhenety KX


Adaptação em forma de conto por: ChatGPT, com respeito à tradição oral do povo Kariri-Xocó.





BECHIANTSE, Natureza é a Roça









Apresentação 



Este conto é inspirado nos saberes do povo Kariri-Xocó. Nele se entrelaçam palavras ancestrais, respeito à terra e a visão de que a Natureza não é apenas um recurso, mas um círculo sagrado de vida.

O termo Bechiantse — Natureza é a Roça — nos ensina que a Roça não é só milho, feijão e mandioca, mas tudo aquilo que o mundo nos oferece em equilíbrio: as águas, os ventos, o barro, os saberes e até os elementos que um povo não cultiva, mas outro valoriza.


Este conto foi escrito para honrar essa visão e compartilhá-la com todos os que desejam ouvir.


BECHIANTSE — A Roça do Mundo


Um conto Kariri-Xocó

Por Nhenety Kariri-Xocó


Escutem bem, crianças, jovens e velhos. Vou lhes contar uma história antiga como o sopro do vento nas folhas da gameleira.

Em tempos passados, quando os pássaros ainda cantavam canções que os homens entendiam, havia uma aldeia Kariri-Xocó às margens do grande rio Opará.


Nessa aldeia nasceu um menino chamado Yüri, cujo nome significava Filho do Caminho da Água. Diziam os anciãos que ele nascera com os olhos do rio: profundos e curiosos.

Sua avó, a velha sábia Jurema, cuidava dele com amor e sabedoria. À noite, ao redor do fogo, ela contava:


— Wohotsé, meu neto. Toda a floresta é um ser vivo que nos alimenta. Somos parte dela, e ela é parte de nós. Não esqueça isso nunca.


Yüri ouvia, encantado. Durante o dia, corria pelos caminhos da mata com seu amigo Kauê, menino risonho e rápido como o vento. Aprendiam juntos os segredos das plantas e dos bichos.

A mandioca ensinava que a terra só dá frutos a quem a respeita. O jenipapo mostrava que a beleza vem também do que se pinta no espírito. O cipó-de-cobra dizia que certas forças precisam distância e reverência.


Mas Jurema sempre lembrava outra lição:


— Há uma palavra antiga, Yüri: mipedda. É tudo aquilo que tiramos do mundo. Não só o que plantamos na roça, mas o barro do rio que tua mãe usa para a cerâmica, a madeira para as casas, o peixe que nada no Opará, as folhas que curam. Tudo é mipedda. Mas cuidado: devemos tirar só o que precisamos, com respeito.


Yüri guardava essas palavras no peito.


Um dia, chegou à aldeia um homem da cidade, montado num cavalo branco. Chamava-se Seu Valdo. Trazia sacos cheios de sementes douradas.

Reuniu os anciãos e disse:


— Com estas sementes, suas roças darão mais milho do que já viram! Vocês terão fartura e eu comprarei tudo por bom preço. Será progresso para o seu povo.


Alguns jovens se entusiasmaram. Mas os mais velhos, como cacique Muruibá e Jurema, desconfiaram.


Naquela noite, Yüri sonhou. No sonho, viu a floresta encolhendo, o rio secando, os pássaros sumindo. Acordou assustado.


— Avó — disse —, sonhei que a mata chorava. Fizemos errado?


Jurema o olhou com ternura.


— Teu espírito já escuta os sinais, meu neto. Lembre-se de outra palavra: kenantse. É nossa criação na natureza. Devemos cultivar apenas aquilo que realmente serve à vida e à nossa necessidade, não ao desejo sem fim.


Mas parte da aldeia não ouviu. Muitos plantaram as sementes do forasteiro em grandes roçados.


Nos primeiros meses, tudo parecia maravilhoso. O milho crescia mais alto que um homem. Mas logo vieram os sinais.

As abelhas desapareceram. As borboletas não visitavam mais as flores. A terra endureceu, seca e cansada.

O rio Opará, antes cheio de peixes, começou a se calar.


Foi quando os anciãos reuniram todos sob a grande gameleira. Jurema falou com voz firme:


— Filhos da aldeia, esquecemos o que nos ensinaram os antigos. Bechiantse: Natureza é a Roça. Não só aquilo que plantamos, mas tudo que vive em harmonia. Quando quebramos esse círculo, tudo sofre.


Yüri pediu a palavra:


— Proponho que peçamos perdão à floresta. Vamos replantar com as sementes dos nossos ancestrais. Vamos restaurar o equilíbrio.


Os anciãos concordaram. Fizeram um grande ritual. Cantaram canções antigas. Pediram aos ventos, às águas, às árvores que aceitassem o pedido de desculpas.


Com cuidado, replantaram o milho nativo, o feijão, a mandioca. Voltaram a colher o barro com reverência. Deixaram espaço para a floresta respirar.


O tempo passou. As abelhas voltaram. Os peixes dançaram de novo no rio. A mata se vestiu de verde.

A terra, renovada, voltou a sorrir.


E Yüri, agora um jovem respeitado, tornou-se contador de histórias. Sob a gameleira, dizia às crianças:


— Escutem, pequenos. Bechiantse: Natureza é a Roça. A Roça é o mundo. O mundo é um círculo. O círculo é vida. Nunca tomem mais do que o necessário. Respeitem sempre o equilíbrio.


E dizem que até hoje, nas noites de lua cheia, se você andar pelas trilhas da mata e ouvir um canto suave, talvez seja Yüri ensinando a uma nova geração a canção do equilíbrio:


"Natureza é a Roça. Roça é o mundo.

O mundo é um círculo. O círculo é vida."


Assim termina esta história. Que ela nunca se perca no vento.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





sábado, 7 de junho de 2025

BEMYDJÉRETÓ — A Jornada do Colar Vivo







Como os colares dos povos indígenas guardam histórias de vida, saberes e conquistas?

No povo Kariri-Xocó, existe o BEMYDJÉRETÓ — o Colar da Memória. Inspirado por um texto de Nhenety Kariri-Xocó, este conto nos conduz numa jornada onde tradição e tecnologia se encontram, mostrando que a verdadeira memória vive nos gestos e nas histórias que compartilhamos. Leia e descubra.


Um conto sobre o colar que guarda a memória viva do povo Kariri-Xocó e o elo entre tradição e modernidade.



Introdução



No universo simbólico dos povos indígenas, os colares não são simples adornos: são testemunhos vivos das histórias, conquistas e saberes que cada pessoa carrega.


No povo Kariri-Xocó, esse colar chama-se BEMYDJÉRETÓ — o Colar da Memória.


Inspirado em um texto de Nhenety Kariri-Xocó, este conto recria a jornada de um jovem guerreiro que aprende a trilhar o caminho da memória viva, em tempos de tradição e de transformação digital.


O Conto


No tempo em que a palavra era ensinada ao pé do fogo, quando as estrelas ainda eram lidas como um grande livro no céu, havia um jovem chamado Aranã, da Nação Kariri-Xocó.


Desde menino, seus olhos eram atraídos pelos colares dos guerreiros e anciãos. Não eram simples adornos, mas verdadeiros pergaminhos vivos. Um dente de onça, uma pedra azul, uma semente rara: cada elemento carregava uma história de coragem, sabedoria ou serviço à comunidade.


O mais belo desses colares pertencia a seu avô, Txopã, grande caçador e mestre da floresta. Numa noite de lua cheia, Aranã, já tomado pelo desejo de um dia portar um colar como aquele, perguntou:


— Avô, como se conquista um colar desses?


O velho sorriu e respondeu:


— Não se compra, não se pede. Cada peça só vem ao pescoço de quem a mereceu com verdade. A cada ato importante para o nosso povo e para a vida, um novo símbolo pode ser adicionado. Mas cuidado: quem coloca no colar um feito pequeno, será visto como pequeno. Nosso colar é a memória viva de quem somos.


A partir daquele dia, Aranã iniciou sua jornada de merecimento.


Partiu com os caçadores, aprendeu a seguir rastros, a ouvir o silêncio da floresta. Em uma caçada difícil, conseguiu ajudar a abater uma anta. Participou da partilha, mas sabia que ainda não era hora de um grande dente em seu colar.


Depois, foi com os pescadores. No grande rio, capturou um peixe raro e recebeu como reconhecimento um pequeno osso polido, que o pajé lhe autorizou a pendurar ao pescoço.


Nos anos que se seguiram, Aranã não buscou proezas por orgulho. Com humildade, foi aprendendo as artes da cura, da coleta e da palavra. Ao salvar uma criança doente com um remédio extraído da Árvore do Vento, o pajé lhe entregou uma semente reluzente. Com reverência, Aranã a pendurou no colar.


O tempo avançava, e o mundo ao redor da aldeia também mudava. Estradas cortavam a mata, e as vozes da cidade chegavam às aldeias em sons e imagens desconhecidas.


Aranã foi enviado à cidade para estudar e ajudar seu povo a navegar aqueles novos tempos.


Ali, entre os prédios de vidro e as ruas de ferro, estranhou os "colares" modernos. Observava homens e mulheres com crachás, chaves de moto penduradas, celulares em cordões coloridos.


Em um congresso, viu um homem com um colar diferente: pequenas peças metálicas pendiam de um cordão.


— Amigo Sebastián, que colar é aquele? — perguntou.


Sebastián sorriu:


— São pen-drives. Guardam memória de computador: documentos, imagens, músicas, histórias.


Aranã ficou em silêncio. Percebeu que, mesmo entre os homens da cidade, o impulso ancestral permanecia: pendurar ao pescoço aquilo que nos lembra quem somos, o que sabemos, o que carregamos de valor.


Antes de voltar à aldeia, Aranã comprou um pequeno pen-drive. Nele, gravou registros das histórias do seu povo, canções antigas, imagens da floresta e a voz do avô.


Ao chegar, pediu licença aos anciãos e ao pajé. Explicou que aquele objeto, embora novo, continha a memória da aldeia para tempos futuros.


Com permissão sagrada, pendurou o pen-drive em seu colar, entre o osso do peixe e a semente da Árvore do Vento.


O velho Txopã, com olhos brilhantes, disse:


— Assim é o BEMYDJÉRETÓ. Não pertence a um tempo, mas a todos os tempos. Continua vivo porque nós continuamos vivos. A verdadeira memória não é o que se carrega, mas o que se vive e se compartilha.


E naquela noite, sob as estrelas, Aranã compreendeu que a sua jornada jamais teria fim, pois o colar vivo da memória sempre se renovaria com cada novo passo da história do seu povo.


Fechamento para oralidade


"Assim segue o BEMYDJÉRETÓ: não colar de um só tempo, mas de todos os tempos; não memória de um só homem, mas de um povo inteiro."



Nota do Autor


Este conto foi inspirado no texto original "BEMYDJÉRETÓ — Colar a Memória de Quem Somos", escrito por Nhenety Kariri-Xocó, do povo Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio (AL).


Sua recriação em forma de narrativa busca valorizar e compartilhar com leitores de todas as culturas o saber ancestral do BEMYDJÉRETÓ — o Colar da Memória — como símbolo vivo da identidade, da história e da sabedoria dos povos indígenas do Brasil.


Nhenety Kariri-Xocó é contador de histórias oral e escrita, pesquisador e defensor da preservação da memória cultural dos povos originários.


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✨ "O Colar da Memória segue vivo. Cada história, uma semente de eternidade."

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Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



BATÉIRETSÉ, Morando na Floresta







Conto para crianças



Era uma vez um povo muito antigo que morava na floresta.

Eles eram os Kariri-Xocó.


Na floresta, eles encontravam tudo o que precisavam: frutas docinhas, folhas cheirosas, água fresquinha dos rios, madeira para fazer suas casas e até tintas para pintar o corpo nas festas. A floresta era como uma mãe para eles.


Mas um dia chegaram homens de longe, chamados portugueses.

Eles disseram que os indígenas deviam aprender a viver como eles. Foi assim que muitos foram levados para um lugar chamado Missão Jesuítica. Lá, fundaram a Aldeia do Colégio, onde receberam um pedaço de terra para plantar.


Com o tempo, mais portugueses e africanos vieram para viver ali também. A aldeia cresceu, cresceu e acabou virando uma vila! Mas, conforme a cidade crescia, o espaço dos indígenas diminuía.


Sobrou para eles uma pequena rua e um lugar muito especial chamado floresta sagrada do Ouricuri.

Era lá que eles faziam suas festas, dançavam, cantavam e ensinavam às crianças as histórias do seu povo.


Como já não tinham terra para plantar, muitas famílias decidiram voltar para a mata.

Construíram pequenas casinhas de barro no meio da floresta, perto da estrada. Ali formaram uma rua diferente, onde se ouvia o som dos passarinhos e o vento contando histórias.


Entre os que foram morar ali estavam:

👉 João Baca, que fazia cestos lindos de cipó;

👉 Mané Preto Véio, que sabia conversar com os bichos;

👉 Inocêncio Muirá, que contava lendas para as crianças;

👉 Antônio Correia, que ensinava a plantar;

👉 Zabé e Cristina, que cantavam canções antigas.


Na floresta, eles continuaram ensinando às crianças a cultura Kariri-Xocó. No Ouricuri, as festas eram cheias de alegria. As crianças pintavam o rosto, dançavam e ouviam os contos dos mais velhos.


Um dia, em 1944, uma boa notícia chegou: o governo reconheceu os indígenas e o Posto Padre Alfredo Dâmaso conseguiu uma nova terra para eles — chamada Colônia. Lá eles puderam plantar de novo e muitas famílias saíram da floresta.


Mas até hoje, quando as crianças se reúnem ao redor do fogo e escutam os avôs e avós contando histórias, todos se lembram com carinho daquele tempo:


👉 Batéiretsé — morávamos na floresta!


Porque, mesmo que a floresta fique do lado de fora, ela continua viva dentro do coração dos Kariri-Xocó.



🌟 Moral da história:


👉 Nunca devemos esquecer de onde viemos.

👉 A floresta é nossa amiga e nossa casa.

👉 As tradições e histórias dos mais velhos são um tesouro que devemos guardar e contar sempre.

👉 Mesmo quando o mundo muda, nosso espírito e nossa cultura vivem em nossos corações.






TORATIM BATÉ RETSÉ

(Música lugar na floresta)


Música Língua Indígena

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- *Aí bihé baté anrá retsé ayby natiá*

- *Cá matikay*

- *Kanghy baté ayby radá*

- *Mó pidé sembohó warakedzã*

- *Matikay Eri radá* 

- *Matikay dicrodycelé* .


Tradução em Português

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- Há um lugar na floresta da aldeia

- Chamado ouricuri

- Melhor lugar do mundo

- Para ter contato com Deus

- Refrão-ouricuri meu mundo

- Ouricuri sagrado


*Ficha Artística*

Grupo Soyré: Geninho, Diran, Thkawanã, Manoel.

Organização: Nhenety

Língua: Kariri-Xocó

Tradução: Indiane Crudzá




🌿 Cantiga de encerramento


(Ritmo simples, tipo "um-dois, um-dois", para que as crianças possam acompanhar batendo palmas ou com instrumentos)


Na floresta eu nasci,

Na floresta eu cresci,

Com as histórias dos velhos,

Nosso povo é sempre aqui.


Batéiretsé, Batéiretsé,

Morando na floresta, Batéiretsé!

Batéiretsé, Batéiretsé,

Nosso canto nunca vai se esquecer!


A floresta é minha amiga,

As histórias vou guardar,

Pra um dia bem grandinho,

Eu também poder contar!


(refrão, com palmas)

Batéiretsé, Batéiretsé...



Versão completa da cantiga de encerramento com:


✅ estrofes extras

✅ ritmo sugerido (cantiga de roda — leve e circular, para as crianças acompanharem com palmas ou andando em círculo)

✅ refrão que pode ser repetido várias vezes


🌿 Cantiga Batéiretsé — Morando na Floresta


(Para encerrar o conto)


👉 Ritmo sugerido: cantiga de roda (como Ciranda Cirandinha ou Peixe Vivo)

👉 Forma de cantar: andando em roda (se possível), ou com palmas marcando o compasso


1ª estrofe


Na floresta eu nasci,

Na floresta eu cresci,

Com as histórias dos velhos,

Nosso povo é sempre aqui.


Refrão (cantar 2x)


Batéiretsé, Batéiretsé,

Morando na floresta, Batéiretsé!

Batéiretsé, Batéiretsé,

Nosso canto nunca vai se esquecer!


2ª estrofe


Os passarinhos contavam,

Segredos pelo ar,

As árvores bem antigas,

Tinham tanto pra ensinar.


Refrão (cantar 2x)


Batéiretsé, Batéiretsé,

Morando na floresta, Batéiretsé!

Batéiretsé, Batéiretsé,

Nosso canto nunca vai se esquecer!


3ª estrofe


Agora eu conto a história,

Que um dia ouvi contar,

Que a floresta é sagrada,

E devemos respeitar.


Refrão (cantar 2x, com mais força e alegria no final)


Batéiretsé, Batéiretsé,

Morando na floresta, Batéiretsé!

Batéiretsé, Batéiretsé,

Nosso canto nunca vai se esquecer!


(Final — as crianças podem gritar juntas com alegria):


👉 Batéiretsé!!! 🌿🌞✨



🌿 Gestos sugeridos por estrofe


👉 isso ajuda muito as crianças pequenas a se envolverem com o corpo e com a canção. Você pode ensinar os gestos antes da roda ou durante, de forma natural.


🌿 1ª estrofe


👉 Na floresta eu nasci → apontar com os dois polegares para o peito (eu)


👉 Na floresta eu cresci → abrir os braços para cima, como se fosse crescer como uma árvore


👉 Com as histórias dos velhos → fazer gesto de "falar" com a mão (como boca mexendo)


👉 Nosso povo é sempre aqui → apontar para o chão em círculo (aqui no grupo)


🌿 Refrão (todo com palmas suaves ou andando em círculo)


👉 Batéiretsé, Batéiretsé → bater palmas duas vezes no ritmo da palavra


👉 Morando na floresta, Batéiretsé! → mãos abertas para cima (como acolhendo a floresta)


🌿 2ª estrofe


👉 Os passarinhos contavam → mãos em forma de asa batendo levemente


👉 Segredos pelo ar → mãos deslizando no ar para os lados


👉 As árvores bem antigas → braços para cima, abertos como copa de árvore


👉 Tinham tanto pra ensinar → dedo indicador apontando para cima (ensinando)


🌿 3ª estrofe


👉 Agora eu conto a história → gesto de abrir um livro imaginário


👉 Que um dia ouvi contar → mão em concha no ouvido (ouvindo)


👉 Que a floresta é sagrada → mão no coração


👉 E devemos respeitar → gesto de reverência com as duas mãos (como agradecimento)


🌿 Final — grito coletivo


👉 Batéiretsé!!! → todos com os braços erguidos para cima, em alegria


🌿 Melodia sugerida



👉 Referência: Ciranda, Cirandinha ou Peixe Vivo (andar em círculo com ritmo leve e alegre).


👉 Padrão melódico simples:

1ª e 3ª linha da estrofe → melodia descendente (vai caindo suavemente)

2ª e 4ª linha da estrofe → melodia ascendente (sobe no final, chamando para o refrão)


👉 Refrão:

Repetitivo e alegre, quase como um grito de afirmação.


Exemplo (imaginar em tom de voz infantil ou em roda alegre):


🎵

Ba-téi-re-tsé, ba-téi-re-tsé → 2 notas alternando (ex.: Dó - Ré - Dó - Ré)

Mo-ran-do na flo-res-ta, ba-téi-re-tsé! → melodia sobe no "flores-ta", cai suave no "Batéiretsé!"


👉 Instrumentos que combinam muito bem:


Pandeirinho


Ganzá (chocalho)


Tambor pequeno


Reco-reco


Violão leve



BATÉIRETSÉ — Morando na Floresta, já pronto para ser usado em:


✅ apresentações culturais infantis

✅ escolas (indígenas e não indígenas)

✅ rodas de história

✅ material para blog ou livrinho



🌿 ROTEIRO COMPLETO


Título:


BATÉIRETSÉ — Morando na Floresta

Autor: Nhenety Kariri-Xocó


🌞 1. Abertura (contação de história)


👉 Sugestão de chamada para as crianças:


“Vocês querem ouvir uma história muito bonita do nosso povo Kariri-Xocó?”

“Então sentem-se em roda e abram bem os ouvidos e o coração…”


🌿 2. Conto


(narrado com voz calma e ritmo poético — veja versão adaptada para crianças, já fornecida acima)


(O contador pode usar chocalho suave ou fundo com som de floresta gravado.)


Resumo do conto:


Os Kariri-Xocó moravam na floresta. Lá viviam felizes, aprendendo com as árvores e os animais.

Vieram os portugueses, mudaram muitas coisas, e os indígenas foram para uma aldeia chamada Colégio.

Depois, a aldeia virou vila, cidade. E a terra dos indígenas ficou pequenininha.


Mas havia um lugar muito especial: a floresta sagrada do Ouricuri. Quando já não podiam mais plantar nas suas terras, muitas famílias voltaram a morar na floresta. Construíram casinhas de barro e continuaram suas festas, seus cantos e seus ensinamentos.


Um dia, veio a boa notícia: a terra da Colônia foi dada para que pudessem plantar de novo.

Mas até hoje, os velhos dizem com orgulho:


👉 BATÉIRETSÉ — Morávamos na floresta!


🌟 3. Moral da história


(dizer pausadamente, para as crianças repetirem juntos em coro, se quiserem)


👉 Nunca devemos esquecer de onde viemos.

👉 A floresta é nossa amiga e nossa casa.

👉 As histórias dos mais velhos são um tesouro que devemos guardar.

👉 Mesmo que o mundo mude, nosso espírito e cultura vivem no nosso coração.


🎵 4. Cantiga final com gestos


👉 Formar uma roda (se possível)

👉 Cantar com alegria e movimentos (conforme os gestos sugeridos acima)


🌿 Cantiga Batéiretsé — Morando na Floresta


1ª estrofe


Na floresta eu nasci,

Na floresta eu cresci,

Com as histórias dos velhos,

Nosso povo é sempre aqui.


Refrão (2x)


Batéiretsé, Batéiretsé,

Morando na floresta, Batéiretsé!

Batéiretsé, Batéiretsé,

Nosso canto nunca vai se esquecer!


2ª estrofe


Os passarinhos contavam,

Segredos pelo ar,

As árvores bem antigas,

Tinham tanto pra ensinar.


Refrão (2x)


Batéiretsé, Batéiretsé,

Morando na floresta, Batéiretsé!

Batéiretsé, Batéiretsé,

Nosso canto nunca vai se esquecer!


3ª estrofe


Agora eu conto a história,

Que um dia ouvi contar,

Que a floresta é sagrada,

E devemos respeitar.


Refrão (2x)


Batéiretsé, Batéiretsé,

Morando na floresta, Batéiretsé!

Batéiretsé, Batéiretsé,

Nosso canto nunca vai se esquecer!


Final coletivo:

👉 Todos gritam: BATÉIRETSÉ!!! 🌿🌞✨


🎼 Melodia sugerida (para músico ou violão simples)


👉 Melodia tipo cantiga de roda (como Ciranda Cirandinha ou Peixe Vivo)

👉 Estrutura A-B-A-B (estrofes suaves e refrão alegre)

👉 Instrumentos: pandeirinho, ganzá, reco-reco, tambor pequeno, violão



🌈 Encerramento


👉 Perguntar às crianças:

“Quem aqui também ama a floresta?”

“Quem vai guardar as histórias dos Kariri-Xocó no coração?”


👉 Agradecer com uma pequena reverência ou com as mãos no coração (gesto cultural bonito e respeitoso).




Autor: Nhenety Kariri-Xocó