Um Conto Sobre Kariri Originários
Sob a luz amarela do entardecer, o fogo da aldeia crepitava no centro do pátio, enquanto os pássaros encerravam seu canto. Ali, sentados sobre esteiras de caroá, estavam um jovem curioso e o ancião da memória longa. O jovem, de nome Ysupã, tinha olhos brilhantes e o coração inquieto. Aproximou-se com respeito de Txopé, o mais velho dos contadores de história do povo.
— Txopé, posso lhe perguntar algo? — disse o jovem, enquanto se sentava.
— Sempre, meu neto — respondeu o ancião, com a voz grave como o tambor da terra.
— Como era o indígena Kariri original? Como vivia? Como se vestia? Como lutava e cantava?
Txopé fechou os olhos por um instante e pareceu voltar ao tempo de seus antepassados. Então, com voz firme, começou a falar, como quem evoca os espíritos antigos:
— Uanie Ebadzú, meu neto... O indígena originário. Ele se distinguia pelos seus gestos, sua fala, sua arte e seus adornos. Cada peça em seu corpo contava uma história. Vou te contar...
Puxou de sua memória a primeira imagem.
— No lábio inferior, usava o Tembetá, um adorno inflexível, de madeira ou espinho, que mostrava sua força e maturidade. Não era apenas enfeite — era identidade.
— Amarrado ao corpo, carregava o Dubé, o nosso aió, feito de fibras de caroá ou palha de aricuri. Ali guardava utensílios pessoais, como se levasse parte do lar consigo.
— Os homens fumavam no Paiáwi, o cachimbo feito de pau ou barro, moldado por mãos hábeis como a de um artesão da memória.
— E quando ia à mata, levava o Iarú, a flecha, enfeitada com penas, afiada como a visão do caçador. Para lançá-la, usava o Seridzé, nosso arco, curvado como a lua crescente.
— Para guardar as flechas, havia a Yaru, uma bolsa resistente feita também de caroá. Nas costas, ela dançava com o vento enquanto o guerreiro corria.
— E se o combate era corpo a corpo, usava o Tçoncupy, uma clava pesada, com o poder de abrir caminho ou defender o território.
— Para anunciar os companheiros nas quebradas, tocava o Tçuiru, feito do casco de tatu, soando como o chamado dos antigos.
— Nas festas, agitava o Buibú, nosso maracá, feito de coité. Era mais que música — era a voz da terra nas mãos do pajé.
Ysupã escutava atento, olhos fixos como se visse cada objeto surgir diante de si.
— E como se vestiam, Txopé?
— Pintavam-se, meu neto, com Bukencré, a tinta vermelha do urucum, e com Nhiró, a tinta do jenipapo, que marcava o corpo com grafismos que só os antigos sabiam interpretar. Às vezes, usavam Hebidizancró, carvão ou argila branca no rosto. Pintura é proteção e é fala.
— Homens e mulheres usavam a Sasá, saia feita de aricuri ou pindoba, balançando como folhas ao vento.
— No pescoço, pendia o Bebaté, o colar de sementes, dentes e pedrinhas. E nas orelhas, os Ubadi, brincos e botoques, enfeites de quem respeita o próprio corpo.
— Nas danças do Toré, soava o Tsereró, a gaita feita de embaúba, chamando os espíritos a dançar junto.
— Na cabeça, o guerreiro levava o Keisontsebu, o cocal de penas de aves, sinal de bravura. E nos braços, o Craraisõbó, a braçadeira de penas, leve como vento, firme como coragem.
Txopé então olhou para Ysupã com ternura:
— Ser Kariri é mais que usar cocar, mais que pintar o corpo. É viver em harmonia com os ensinamentos da terra e dos que vieram antes. Tudo o que vestimos, usamos e tocamos tem espírito. E é por isso que digo: o verdadeiro Uanie Ebadzú não se perdeu, ele vive em nós, quando lembramos e contamos como agora.
Ysupã abaixou a cabeça em respeito. O fogo lançava sombras longas no chão, como se os espíritos dos ancestrais dançassem em roda.
— Gratidão, Txopé — disse o jovem, emocionado.
— Leve tudo isso, meu neto. E quando te perguntarem sobre o indígena original, conte como eu contei. E um dia, será tua a vez de ser o ancião que guarda a memória.
E assim, a noite caiu sobre a aldeia, protegida pela sabedoria dos antigos.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó