sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

CONTO DE PISSÔRÊ


Pt.: 


 Antigamente todos os índios eram reunidos em um só corpo. Todos os kariris reunidos limpavam o "malambá" (roça comum dos índios) semana após semana. Havia sempre um que se encarregava da família. Chamava-se Pissôrê. Era uma pessoa entendida e que advinhava. Era chamado "advinho". Quando os índios precisavam caçár ou pescar, reuniam-se todos e recebiam ordens do pissôrê. A caça melhor era enviada para o pissôrê. Na casa dele havia terno de pife (instrumentos musicais) , zabumba e todos os instrumentos de música e dança. Sua casa era bem limpa. Havia um grande terreiro para evitar doenças. Os índios, quando saíam para as águas, ísto é, para a pesca, iam felizes, enquanto outros iam para a mata ou para a caça.


Xk. (Ortografia 1):

Sûàh tò, mà ba pàh pîòn-ri ti pe. Mà ba pîòn pàh quènà par màrba pè tsîàh îah. Îà gûah sùh. Îà tîah Pisòrè. Îà pîà sèh pîa caî coî. Îà tîah “mà caî”. Îà pîan-ri màrquè îa, tam su îa îu ràh, pîon-ri pà, quètali pewêr Pisòrè hà. Îa mre îa tîà quèlimà sòh Pisòrè mà. Îà mrà îò cà tir mà pah sah, nah coî, îa tsîe páh. Îà pàh cà tir. Îà pah tisèr pîa, tîo to gûèî hà. Îa mà ba, îa pèquèh ca hà îu ràh, tam su hà îa, îà tîà, îe mà ba îa paboh îa, màrqueh îa.

Xk. (Ortografia 2)

Swàh tò, mà ba pàh pyòn-ri ti pe. Mà ba pyòn pàh kènà par màrba pè tsyàh yah. Yà wah sùh. Yà tyah Pisòrè. Yà pyà sèh pya kay koy. Yà tyah “mà kay”. Yà pyan-ri màrkè îa, tam su ya yu ràh, pyon-ri pà, kètali pewêr Pisòrè hà. Ya mre ya tyà kèlimà sòh Pisòrè mà. Yà mrà yò kà tir mà pah sah, nah koy, ya tsye páh. Yà pàh kà tir. Yà pah tisèr pya, tyo to wèy hà. Ya mà ba, Ya pèkèh ka hà yu ràh, tam su hà ya, yà tyà, ye mà ba ya paboh ya, màrkeh ya.





Autor da matéria: Ari Llusan 



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

ETIMOLOGIA CUNUBÒ 'FARINHA'


A Palavra deriva da combinação de cunu 'farinha', cognato do Boróro kuddu 'farinha' + bo 'parte, porção', cognato do Boróro bo 'parte, porção'




Autor da matéria: Ari Llusan 



quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

EVOLUÇÃO DEMONSTRADA NOS MAPAS COLONIAIS


Algumas palavras demonstram que esse idioma, sendo ou um dialeto do Tremembé ou uma língua a parte, tinha sofrido influências de línguas que temos pouca documentação, mas alguns registros de mapas coloniais demonstram que, no passar de algumas décadas, essa língua estava evoluindo.


Note a anotação do nome dos dois rios Aracati, cujo em 1649, era chamado de Orecatu (Pompeu Sobrinho, 1945, p. 166, Orecatu-mirim & Orecatumirim), em 1680, 29 anos depois, são documentados as variantes dos nomes Curu e Aracati, no formato de Croo e Aracat, o salto fonético de Orecatu para Aracat (Pompeu Sobrinho, 1945, p. 166, r. Croo, r. Aracat) demonstra um processo extremamente rápido de evolução dessa língua, sendo que as mudanças são:

1º) A mudança das vogais /o/ e /e/ para, o que se pode presumir /ə/ ou /ɐ/, assim: oɾe‘katu > əɾə‘kat(i)

2º) A mudança da vogal /u/ para /i/, assim: oɾe‘katu > əɾə‘kat(i)

3º) Queda de vogais fracas em palavras paroxítonas, criando codas nesse dialeto, assim: oɾe‘katu > əɾə‘kat(i)


Também, além das codas novas criadas, nota-se que encontros consonantais, não vistos no Vale do Curu, são criados nesse dialeto, assim o rio Croo é chamado, ao invés de Curu, como na foz do rio do mesmo nome, território dos Anacés e Guanacés. A partir de 1690 é que vemos variantes que parecem recuperar a vogal perdida, resultando no termo moderno: Aracati. É possível que a vogal não tivesse sido perdida, e sim que haviam dialetos que a deletava e recuperava em variação livre.


Há também a mudança sonora de antigos ditongos para monotongos, como no nome Cauron, que é o ancestral do moderno Curu, onde /au/ virou /o/, como visto no nome Coruybe, e posteriormente /u/. Ainda no tópico de vogais, escrevo a ortografia dessa língua usando o [e] como base para o /ə/ (schwa), que parece ter sido a vogal principal donde os sons de /e/ e /o/ evoluiram para, isso é visto no nome do rio Ubatuba, na cidade de Chaval-CE, que era chamado de Josari /(d)ʒosarɪ/, posteriormente de Sosara /sosaɾə/, demonstrando a evolução de /ɪ/ > /ə/ e de /(d)ʒ/ > /s/.


Outra evolução vista no Cauron é a geminação, que resultou em fonemas surdos nas formas modernas dos topônimos, isso é demonstrável no nome Siupé moderno, que tem variantes antigas em Siebeba e Siebba, o processo aqui sendo:


*j-epe-pa ‘3-fruta-NEG’ 

> sʲ-ebe-ba (parcial fricativização de j- > sʲ; vozeamento de /p/ > /b/) 

> sʲ-eb-ba (redução de vogal fraca; possivelmente redução do fonema /e/ > /ə/ em ambos ambientes tônicos e átonos, em ambientes átonos, a vogal é perdida e cria coda (consoante final); A coda nesse ambiente se reduz à proxima consoante, criando uma consoante geminada /bː/) 

> sʲ-əp-pɛ (concretização na forma Siopé; desvozeamento da consoante geminada /bː/ > /p(ː)/; Alçamento da vogal /a/ final para /ɛ/) 

> sʲ-u-pɛ (redução da vogal /ə/ para /u/ em ambiente átono; Possível perda da consonate geminada, tornando-a em uma consoante simples: /p(ː)/ > /p/, concretizando-se na forma atual Siupé)


Outras mudanças são comparáveis por meio de seus cognatos, como Dequeamamene, cujo o prefixo de-, cognato do Kaliña ty-, nos indica que houve uma evolução do som de /ɨ/ > /e/ em ambiente átono, cujo alofonicamente, também virava /ə/. Mas existe a possibilidade de, na verdade, a primeira mudança (/ɨ/ > /e/) ter acontecido e ter sido sucedida pela mudança geral de /e/ > /ə/, visto que Dequeamamene é um nome registrado em 1614, enquanto Sosara, variante sucessora de Josari, foi documentado em 1698, quase um século depois.


O fonema /a/ parece ser o mais estável, apesar de sabermos que ele pode mudar para /ɛ/ em ambiente tônico, possivelmente pois o sotaque já pronunciava o som de /a/ como /æ/, logo elevando-o para o som visto em Siupé.


O fonema /o/ deriva tanto do fonema /o/ do Kaliña propriamente dito, como também do som de /ə/ (aproximação ortográfica por parte dos portugueses), o som de /o/ próprio parece ter sobrevivido, como no caso do rio Timônha, que deriva de antigos Temona e Pemona, estes possuindo a posposição pona ‘contra’. Enquanto isso, os que representam a vogal fraca central /ə/ logo parecem ter virado /u/ em ambientes átonos, ou desaparecido em posição de sílaba final, criando consoantes finais em muitos dos nomes, como araca-t ‘coisa rápida’ e eb ‘fruta’ de Si-eb-ba. Conclue-se então que:


VOGAIS

Proto-Cauron */a/ > /a/

ex.: moña ‘deixar, abandonar, ir contra’, em Ti-moña ‘rio Timonha’, cognato do Puri-Coroado tamriponam ‘escuro, noite’ (ta ‘escuro’ + mri ‘olho, ver’ + ponam ‘deixar, largar’) e do Kaliña pona ‘contra’


Mas também */a/ > /ɛ/

ex.: -pé ‘negação’, em Sy-u-pé ‘sem frutas’, cognato do Kaliña -pa ~ -pyra ‘negação’


Proto-Cauron */e/ > /ə/ ou /Ø/ (em posição de sílaba final)

ex.: wase ‘indígena’, de Wase-puy-na ou Was-puy-na ‘Guasapuina, Guaspuina, riacho Tapuiú’, cognato do Kariri wãye/woyên ‘tapuya bravo’, Pankararú mãye ‘mato, floresta’, Puri-Coroado mae ‘mato’ de mae-kü ‘milho’ (mae-kü ‘semente do mato’) e do Boróro boe ~ woe ‘indígena Boróro’


Mas também */e/ > /ə/ > /u/

ex.: sy-ebe-ba > sy-u-pé ‘sem frutas’


Proto-Cauron */i/ > inicialmente preservado, porém /ə/ a partir de 1689

ex.: josari, cognato do Kaliña j-oja-ry ‘amontoado’, tradução de Ubatuba (yba ‘fruta’ + tyba ‘abundância’), em 1689 virou sosara.


Proto-Cauron */o/ > /o/, em algumas palavras também vira /u/

ex.: moña ‘deixar, abandonar, ir contra’, em Ti-moña ‘rio Timonha’, cognato do Puri-Coroado tamriponam ‘escuro, noite’ (ta ‘escuro’ + mri ‘olho, ver’ + ponam ‘deixar, largar’) e do Kaliña pona ‘contra’

ex.: kauron ‘rio’, depois koru, porfim kuru.


Mas também */o/ > /ə/

ex.: oreka-tu ‘coisa rápida’ > ârâka-t(i) ‘coisa rápida’


Proto-Cauron */u/ > /u/

ex.: puy ‘fazer’, de Wase-puy-na ou Was-puy-na ‘Guasapuina, Guaspuina, riacho Tapuiú’, cognato do Puri-Coroado puy ‘fazer’ de guara puy ‘construir’ (lit.: casa fazer) e do Kariri wi ‘fazer-se’.


Mas também */u/ > /i/ ~ /Ø/ (em posição de sílaba final)

ex.: oreka-tu ‘coisa rápida’ > ârâka-t(i) ‘coisa rápida’


Proto-Cauron */ɨ/ > /e/, /i/ (este último virando /ə/ a partir de 1689)

ex.: de- ‘terceira pessoa correferencial’, em dê-quêama-me-ne ‘lugar que contém superfície aberta e elevada’, cognato do Kaliña ty- ‘terceira pessoa correferencial’

ex².: josari, cognato do Kaliña j-oja-ry ‘amontoado’, tradução de Ubatuba (yba ‘fruta’ + tyba ‘abundância’), em 1689 virou sosara.


CONSOANTES

Proto-Cauron */p/ > /b/, mas em casos de geminação: /b/ > /bː/ > /p/

ex.: sy-ebe-ba > sy-u-pé ‘sem frutas’


Proto-Cauron */m/ > /m/

ex.: kuama ‘alto’, de a-kuama-mu-ne ‘lugar que contém superfície aberta e elevada’, cognato do Kaliña kawo


Proto-Cauron */t/ > /t/ ou /d/

ex.: de- ‘terceira pessoa correferencial’, em dê-quêama-me-ne ‘lugar que contém superfície aberta e elevada’, cognato do Kaliña ty- ‘terceira pessoa correferencial’


Proto-Cauron */n/ > /n/

ex.: muna ‘pegar tubérculos’ de muna-aseri ‘lugar novo de pegar tubérculos’

ex².: -tu (depois -t(i)) ‘nominalizador’ de  oreka-tu ‘coisa rápida > ârâka-t(i) ‘coisa rápida’


Proto-Cauron */ɾ/ > /ɾ/

ex.: -ri (depois -ra) ‘possessivo’ de j-osa-ri, depois s-osa-ra


Proto-Cauron */s/ > /s/

ex.: aseri ‘novo’ de muna-aseri ‘lugar novo de pegar tubérculos’


Proto-Cauron */j/ > /sʲ/

ex.: sy- ‘terceira pessoa’, de sy-ebe-ba ‘sem frutas’, cognato do Kaliña j-epe-pa

Mas também /dʒ/ por um curto período de tempo, em 1689 virou /s/

ex.: josari, cognato do Kaliña j-oja-ry ‘amontoado’, tradução de Ubatuba (yba ‘fruta’ + tyba ‘abundância’), em 1689 virou sosara.


Proto-Cauron */k/ > /k/

ex.: oreka-tu ‘coisa rápida > araka-t(i) ‘coisa rápida’

Mas também */k/ > /kʲ/ > /tʃ/ > /dʒ/ (possivelmente em ambiente próximo de vogais altas /e/ e /i/)

ex.: dê-quêa-ma-me-ne > je-ma-me


Exemplo de reconstrução baseado nos estudos fonológicos


tapita morokon pomyi man

ty- api -ta moro -kon pomyi man

3aml- red_colour -Vii that -pln pepper is

‘those peppers have become red’

Fonte: Courtz, 2008, p. 140


Frase do Cauron reconstruída:

*data muruku bom ma

d-a-ta muru-ku bom ma

3RFLX-vermelho-tornar aquilo-PL pimenta ser

‘aquelas pimentas tornaram-se vermelhas’


Aplicando as regras fonéticas, justificativa principais:

1º) O Cauron demonstra uma abreviação vista no Kaliña moderno, a negação -ba (atual -pé) deriva de um antigo -pyra/-myra, que é comumente abreviado para -pa/-ma no Carib, assim, justifico que as abreviações vistas na documentação do Kaliña de 1655 (anotadas por Courtz, derivadas da documentação de Pelleprat) são aproximadas do que vejo no Cauron.


Regra 1: Vozeamento

Como visto em si-ebe-ba, o som de p virou /b/, e o ty- Kaliña corresponde ao de- Cauron, a única consoante que não vejo vozeada na documentação é /k/, que se mantém surdo, exceto quando é palatalizado para /tʃ/, cujo alofonicamente vira /dʒ/ (cf.: Dêquêamamene > Jemame), assim tapita, que é ty-api-ta ‘3CORRF-vermelho-Vii’ (Vii significa nominalizador de verbos ingressivo, significa basicamente ‘tornar’, assim api-ta ‘vermelho-tornar’), regularmente viria como dabida no Cauron.


Regra 2: Desnasalização

A única palavra nasal documentada e preservada é Curu de Paracuru-CE e do rio Curu, que deriva de um antigo Kauron, demonstrando que as vogais nasais se tornaram orais em algum momento da história da língua.


Regra 3: A neutralização das vogais /i/ e /e/ para /ə/

Nos registros mais antigos, as duas vogais são conservadas, mas a partir do final do século 17, elas convergem na pronúncia de /ə/, em alguns casos, isso causou geminação e posterior desvozeamento (si-ebe-ba > si-eb-ba > si-əb-bæ > si-əp-pɛ > si-u-pɛ), isso faria com que tapita, que foi reconstruído acima para dabida passasse por:


dabida > dabəda > dabda > dadːa > datːa > data






Autor da matéria: Ari Llusan 



A ETIMOLOGIA DAS PALAVRAS DO CAURON E A PORCENTAGEM DOS COGNATOS


Aquiraz, Baikirás, Agoaki-rá ‘cobra comprida (?) (Albissetti, 1962, p. 185, 893, awagɨ ‘cobra’, rai ‘comprimento’)


Awa ‘altibaixos’ (Carvalho, 1987, p. 9, agûá ‘altibaixos’)


Away 'chocalho, maracá' (Courtz, 2008, p. 293, karawasi, kawai, awai 'chocalho, espécie de Thevetia')


Awamamune, Aguamamune, Awamamene, Aquamamune, Camamune, Aquemamune (Lachnit, 1986, 36, 69; Carvalho, 1987, p. 9, (a)gûá ‘altibaixos’ do Tupi Antigo + mame ‘onde’ + -ne ‘semelhante’ > agûa-mame-ne > awa-mame-ne ‘3-altibaixo-onde-semelhante’)


Acuma (possivelmente c = ç, visto o s nas outras variantes), Asuceme, Asumame, Asumeme ‘povo, gente (?) (Compare o nome dos Acimi na Ibiapaba, também Loukotka, 1937, p. 198, cemim, cumema ‘gente’)


-be 'com, contendo, sufixo comitativo' (Compare Courtz, 2008, 341, -pe 'com, contendo'; Loukotka, 1937, p. 200, mnim-pe ‘úmido’, lit.: ‘água-com’)


Bon, bum ‘ilha’ (Pompeu Sobrinho, 1951, p. 265; Curubon, Curubum ‘nome de uma ilha’, compare a ilha de Upaon-Açu, lit.: ‘ilha-grande’; Courtz, 2008, p. 341, pawu ‘ilha’)


Aracati  'muito rápido' (variante posterior de Orecatu, compare Courtz, 2008, p. 239, orekan, arekan, erekan ‘rapidez, velocidade’)


Cauron 'variante antiga do nome do rio Curu' (Courtz, 2008, p. 295, Kauru 'rio Courou (rio da Guiana Francesa)')


Conoribo, Coronibo ‘rio turvo’ (Compare com Albissetti, 1962, p. 766, kuru ‘líquido’, Courtz, 2008, p. 295, Kauru 'rio Courou (rio da Guiana Francesa)' e Loukotka, 1937, p. 207, marim ponam ‘escuro’ > mripon/mnipon > Cono-ribo/Coro-nibo)


Coruy ‘água (abundante), rio’ (Compare com Albissetti, 1962, p. 766, kuru ‘líquido’ e Courtz, 2008, p. 295, Kauru 'rio Courou (rio da Guiana Francesa)')


Coruybe ‘com água (abundante)’ (Compare com Albissetti, 1962, p. 766, kuru ‘líquido’ e Courtz, 2008, p. 295, Kauru 'rio Courou (rio da Guiana Francesa)'  + -pe ‘com’)


Curu ‘água (abundante), rio’ (Compare com Albissetti, 1962, p. 766, kuru ‘líquido’ e Courtz, 2008, p. 295, Kauru 'rio Courou (rio da Guiana Francesa)')


Curubon ‘nome de uma ilha (Ilhas de Chaval-CE ?) (Compare com Albissetti, 1962, p. 766, kuru ‘líquido’ e Courtz, 2008, p. 295, Kauru 'rio Courou (rio da Guiana Francesa)'  + pawu ‘ilha’)


Curubu ‘Rio Trairí’ (Compare com Albissetti, 1962, p. 766, kuru ‘líquido’ e Courtz, 2008, p. 295, Kauru 'rio Courou (rio da Guiana Francesa)'  + pun-ka ‘remover a carne’, tradução do Tupi taraíra)


Curujune ‘rio turvo’ (Compare com Albissetti, 1962, p. 766, kuru ‘líquido’, Courtz, 2008, p. 295, Kauru 'rio Courou (rio da Guiana Francesa)' e Lachnitt, 1987, p. 28, dzu ‘turvo, escuro’ + -ne ‘agentivo’, assim, curu-ju-ne ‘água-turvo-AG’ ou ‘que é água de aspecto escuro’)


Dequeamamene ‘que é local de altibaixos’ (Lachnit, 1986, 36, 69; Carvalho, 1987, p. 9; de- ‘3ª pessoa’ + (a)gûá ‘altibaixos’ do Tupi Antigo + mame ‘onde’ + -ne ‘semelhante’ > de-gûa-mame-ne > de-quea-mame-ne ‘3-altibaixo-onde-semelhante’)


Estaju 'ser escaldante' (Courtz, 2008, aset- 'reflexivo/reciprocativo' + aju 'escaldar')


Jemame (Gemame, 1666) ‘que é local de altibaixos’ (Evolução de deceamamene)


Deli ‘nome registrado pelos holandeses das Serras do Ceará’


Josari ‘cacho(s) (de)’ (Tradução do afluente do Rio Timonha, Ubatuba ‘abundante em ubás’, Albissetti, 1962, p. 998, enari ‘cacho’))


Munaseri ‘(lugar) novo de pegar tubérculos’ (Courtz, 2008, muna ‘pegar tubérculos’; asery ‘novo’)


Orecatu 'coisa rápida' (Courtz, 2008, p. 239, orekan, arekan, erekan ‘rapidez, velocidade’ + -tu ‘nominalizador (?)’')


Pesen (Pecém) 'linha de fronteira horizontal' (Courtz, 2008, pe, peje 'linha de fronteira horizontal')


Po-noné 'Serra de Ibiapaba’ (Albissetti, 1962, p. 278, 812, bo ‘rachadura’ + no, né ‘ponta’, semelhante ao yby-apab-a ‘terra fendida (fendida de fenda, rachadura)’)


Ribo, nibo (Loukotka, 1937, p. 207, marim ponam ‘escuro’ > mripon/mnipon > ribo/nibo)


Seara, Siara ‘Rio Ceará’ (Albissetti, 1962, p. 594, 892, ia ‘boca, abertura’, ra ‘descida’) 


Siebeba, Siebba ‘sem frutos’ (Courtz, 2008, p. 264, j-epe-pa ‘sem frutos’)


Siupe, Siope ‘(ele é/tem) fruto, fruta’ (Courtz, 2008, p. 330, j-ope ‘fruto, fruta’)


Sosara ‘cacho(s) (de)’ (Tradução do afluente do Rio Timonha, Ubatuba ‘abundante em ubás’, Albissetti, 1962, p. 998 enari ‘cacho’)


Temona ‘escuro’ (Loukotka, 1937, p. 206, tamariponam, por meio de: tamriponam > tam(r)ponam > tamona > temona (forma antiga do nome atual de Timonha, cujo possui a variante Tamonha registrada))


Wasapuyna, Waspuyna ‘feito pelos Wase’ ( wase ‘indígena, mata, floresta’, cognato do Kariri wanye ‘floresta, mata, indígena’, do Pankararú main-ê ‘mata’, do Boróro boe ‘coisa, indígena Boróro’ e do Puri-Coroado mae de maekü ‘milho’ (< Nikulin, 2020, p. 8, *bõ-cy ‘mato-semente’); A segunda palavra é puy ‘fazer’ + -na ‘predicativo’, cognato do Puri-Coroado puy de guara puy ‘construir (casa fazer)’ e do sufixo -na ‘predicativo’, assim puy-na ‘feito, construído’)



Existem ao todo cerca de 36 morfemas diferentes documentados da língua dos Topônimos da Costa Cearense, cerca de 8 morfemas com cognatos no Boróro (sendo que dois ainda precisam de uma reanálise: ia e ra > sia-ra ‘Ceará’), cerca de 16 cognatos com o Kaliña (tronco Caribe) e cerca de 8 cognatos do Puri-Coroado e 4 cognatos do Akuwẽ (Jê Cerratense), isso nos indica que temos:


44% de vocábulos com cognatos Kaliña (Caribe)

22% de vocábulos com cognatos Boróro

22% de vocábulos com cognatos Puri-Coroado

11% de vocábulos com cognatos Akuwẽ (Macro-Jê > Jê Cerratense) 






Autor da matéria: Ari Llusan 


terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

PORCENTAGEM DOS COGNATOS NO VOCABULÁRIO XOKÓ


46% do vocabulário Xokó conhecido possui cognatos no Akuwẽ (contando as palavras mistas), sendo um total de 12 palavras


30% do vocabulário Xokó conhecido possui cognatos no Cayapó do Sul (não estou contando as frases descobertas, mas digo que elas elevariam a porcentagem de influência na gramática da língua), dando um total de 8 palavras.


23% do vocabulário possui cognatos no Jê Setentrional (contando palavras mistas), dando um total de 6 palavras.


A maior porcentagem de palavras encontradas no vocabulário de Loukotka são de origem Akuwẽ, mas noto que duas das palavras demonstram processos fonológicos atípicos desse ramo, sendo mais aproximado do Jê Setentrional, como o câmbio de /w/ > /b/, que é visto nesse grupo de línguas, sendo uma inovação comum deste (Nikulin, 2017, p. 159).


Sabemos por meio das frases "kalicê bêlêtsiê báskíô" e "quetalique" que existe um grau elevado de presença do Cayapó do Sul na língua Xokó, Natú e Wakonã, na primeira frase, vemos "escapar" o uso de um bloco de conjugação Jê Setentrional, que é o báskiô 'comigo', que possui o pronome ba na sua forma vozeada, visto somente na língua Kayapó (Mẽbengôkre), enquanto as outras transformam ba > pa ou wa, entregando-nos que a origem dos vocábulos Jê Setentrional estão no subramo Trans-Tocantins (Apinajé, Mẽbêngôkre, Kĩsêdjê, Tapayúna).


Não ignorando claro a frase a-kra-wan 'estou indo', que possui a expressão kra-wan, que só surge no Akuwẽ Oriental (Xerente) na forma do verbo krãiwâ 'surgir, aparecer', indicando também a presença de expressões e frases em formato Akuwẽ, o surgimento dessa palavra aproxima o Terejê do Akwẽ-Xerente, visto que o Xavante não possui esse verbo.



Fontes:


Nikulin, 2017, A phonological reconstruction of Proto-Cerrado (Jê family), p. 159

[25/02, 15:41] Ari Loussant: A lista de onde estou extraindo esses dados é a de Loukotka (1963, p. 14)






Autor da matéria: Ari Llusan 



GRUPO CAYAPÓ DO SUL (8 PALAVRAS)


Do grupo Cayapó do Sul, temos poucas palavras, em comparação à presença significante de aspectos gramaticais desse grupo:


ati’a ‘fogo’: essa palavra, já em sua forma documentada, é mista, pois utiliza de um prefixo que não existe nas línguas do grupo do Panará, que é o prefixo a- ‘argumento genérico’, sendo este do Jê Setentrional. A palavra, no entanto, parece ter entrado na língua sem a remoção do prefixo de terceira pessoa ti-, que marca que esse lexema é um verbo (cf.: Cayapó do Sul: tikaa ‘queimar’), ou talvez, tal fosse a forma de nominalização de verbos nessa língua mista. Palavra de aspecto misto.


ke ‘tu’ (Xk) e ka ‘tu’ (Wk): Esse é o pronome de segunda pessoa do singular ergativa, surge nas frases ketalike ‘deixe-nos ir’ e kalicê bêlêtsiê báskíô ‘fale comigo’.

ta ‘2/3.IRR’ (Xk): Surge na frase ketalike, significa ‘tu/ele(a)’ na forma irrealis (futuro, imperativo).


li ‘1.ABS’ (Xk e Wk): surge nas duas frases supracitadas, significa ‘para mim’ no singular e ‘para nós’ no plural.


ke ‘ir’ (Xk): surge em ketalike, cognato do Panará kwy ‘ir’.


kinfa ‘pequeno’: A palavra é cognata do Cayapó do Sul kit ‘pobre’ e pan ‘pequeno’, demonstrando que a língua Xokó preservava suas codas por meio de extensão delas, às vezes também perdendo-a completamente, o mesmo sistema fonético do Akuwẽ.


tipià ‘cabeça’: literalmente ‘grande-alto’, cognato do Cayapó ti ‘grande’ e pià ‘alto, comprido’, possivelmente, assim como no Kariri buyewoho ‘corpo’, ti ‘grande’ significa ‘corpo’ nesse sentido, assim ti-pià ‘no alto do corpo’.


gàdilîa ‘casa’: Muito provavelmente cognato do Cayapó do Sul uncuá ‘casa’ + o verbo dilîa ‘carregar’, cognato do Cayapó do Sul tu-ri ‘carregar’, assim gà-dilîa ‘casa-carregar’ ou ‘casa de carregar, acampamento, tenda’.


INFLUENCIADO PELO CAYAPÓ DO SUL (2 PALAVRAS)


aspikîa ‘mulher’: Mais uma palavra que sofreu fusão, nesse caso, parece que os falantes confudiram pikwa ‘mulher’, um cognato do Xavante pi’õ (< *pikõ) com um cognato do Cayapó do Sul insipiá ‘mulher’, gerando as formas aspikiá e spikwais (-is ‘plural’ provavelmente do português), demonstrando a característica mista da língua Terejê.


pikûa ‘homem’: Essa forma provavelmente surgiu por processos similares ao de cima, a palavra Cayapó do Sul para ‘homem’ é impuaria ou puara, cujo nesse caso sofreu influências fonéticas de pikwa ‘mulher’.



GRUPO AKUWẼ (12 PALAVRAS)


màzi’èò ‘homem’: Essa palavra também é mista, primeiro surge a palavra mà ‘gente, PL’, cognato do Jê Setentrional mẽ ‘gente, PL’, seguido por uma descrição a partir de um verbo Akuwẽ zi’èò, cognato do Xavante tsi’ahöri ‘combater’ (< *tsi-kahö-ri lit.: ‘bater entre si’). Palavra de aspecto misto


aspikîa ‘mulher’: Mais uma palavra que sofreu fusão, nesse caso, parece que os falantes confudiram pikwa ‘mulher’, um cognato do Xavante pi’õ (< *pikõ) com um cognato do Cayapó do Sul insipiá ‘mulher’, gerando as formas aspikiá e spikwais (-is ‘plural’ provavelmente do português), demonstrando a característica mista da língua Terejê.


pikûa ‘homem’: Essa forma provavelmente surgiu por processos similares ao de cima, a palavra Cayapó do Sul para ‘homem’ é impuaria ou puara, cujo nesse caso sofreu influências fonéticas de pikwa ‘mulher’.


atisèrè ‘terra’: Cognata direta do Xavante ti’a ‘terra’ (< *tika), parece que havia uma ênfase na descrição da terra como local dos camotins, pois o verbo sêrê ‘colocar, meter’ é diretamente cognato do Xavante tsẽrẽ ‘colocar, meter’, mas existe a possibilidade de ser uma expressão antiga que significa ‘colocar os pés’ ou ‘viver’. O a- inicial é cognato do Jê Setentrional *a- ‘terra’ (usado em compostos), assim a-ti-sêrê ‘terra-terra-colocar’.


bari ‘fumo, tabaco’: Cognato direto do Akuwẽ warῖ ‘fumo, tabaco’, note que a língua Xokó modificou o /w/ para /b/, isso é um aspecto típico das línguas Jê Setentrional, que transformaram todos os seus antigos /w/ em /b/.


basîiu ‘cachorro”: Possivelmente derivado do Xavante watsihu ‘desamarrar, soltar’, note três evoluções na palavra /w/ > /b/, perda do -h- medial e a fricativização de /ts/ > /ʃ/, assim: watsihu > batsiu > bashiu

kra- ‘classificador de objetos redondos’: Assim como surge no Kariri (kro-/klo-) e Tarairiú (kla-), esse morfema surge classificando objetos redondos, como astros. Deriva de um cognato do Xavante ‘rã ‘dar frutos’ (< *krã), surge como sufixo classificador no Xerente -krã, também classificando objetos redondos.


kra-sîulò ‘sol’: kra- ‘classificador de objetos redondos’ + sîu-lô, duas palavras diferentes, a primeira sendo cognata do Xavante tsu ‘suor’ e do Xerente su ‘queimar’ + lô, cognato do Xavante ro/ro’o ‘luz’, assim sîu-lò ‘queimar-luz’ ou ‘suor-luz’, portanto ‘luz que queimar, luz de calor, luz de suor’.


kra-ûawe/kri-ûawi ‘lua’: kra-/kri ‘classificador de objetos redondos’ + wave/wavi ‘riscar’, fazendo referência aos ‘riscos’ da lua, que são suas crateras. Cognato do Xavante wawi ‘risco, riscar’:


a-koma ‘grande’: Composto entre o prefixo Jê Setentrional a- ‘argumento genérico’ + koma ‘afastado de’, cognato do Xavante ‘ãma ‘afastado de’, assim a-koma ‘coisa afastada, grande’.


tulîuso ‘dente’: Composto de tulîu ‘rosto’, este provavelmente sendo uma verbalização de tu ‘olho, rosto’, na forma não-finita, assim tu-r > tu-lîu ‘olhando, vendo, observando’ + so ‘morder’, cognato do Xavante tsa ‘morder’.


tulîusò ‘olho’: Composto de tulîu ‘rosto’ + sò ‘olhar, ver’, cognato do Xavante tsãmri ‘ver’.


wêsirê ‘pé’: Composto de wêsi ‘mexer’ + rê ‘mexer’, cognatos do Xavante watsi ‘mexer, misturar’ + ré ‘mexer, chocalhar’


GRUPO JÊ SETENTRIONAL (6 PALAVRAS)


sabûe ‘arco’: bûe corresponde foneticamente com o Kariri buicu ‘flecha’ e o Maxakali pohox ‘flecha (pronunciado pohoy, sendo que sílabas -hV- são extensões no Maxakali, portanto derivam de sílabas menores, assim *pox /poj/ é o ancestral dessa palavra), também corresponde com o Boróro boeiga ‘arco’, cujo Albissetti especula ser boe ‘coisa’ + iga ‘arco’. É difícil dizer se bûe nesse contexto significa ‘arco’ ou ‘flecha’, levando em consideração a divergência entre o Kariri e o Boróro, que parecem derivar seus significados diferentes de uma mesma palavra ancestral




Existe a possibilidade do Xokó, Kariri e Boróro derivarem a sílaba comum entre eles de um cognato do PJS *po-cê ‘taquara, flecha’:




Note que em nenhum dos descendentes do Proto-Jê Setentrional, o som de /c/ é preservado, transformando-se ou em /ʔ/ ou /h/, é possível que bûe/boe/bui derivem de uma variante que transformou /c/ em /h/, visto as comparações antigas com o Boróro e o Mehime, as comparações que já fiz entre o Kariri e o Mehime e a presença de vocábulos de origem Jê Setentrional no Xokó, possivelmente o ancestral da palavra supracitada sendo de um dialeto do Canela.



Figura: Canela Apãniekrá para ‘bambu’. Alves, 2004, p. 172


O morfema sa é que discuti antes, podendo ser descendente de um cognato do Xavante tsãmra ‘atirar, jogar’, assim sa-bûe ‘atirar-flecha’ ou ‘atirar-arco’, assim ‘que atira flecha’ ou ‘arco de atirar’, esse mesmo morfema surge no Kipeá na forma de tçè ‘atirar’.


ikrâ ‘machado’: Cognato do Jê Setentrional krã-mẽ ‘cabeça-arremesar’ > ‘machado’, a palavra sofreu redução silábica, possivelmente por intermeio de: krã-mẽ > krã-m > krã > kraː (krâ) > i-kraː (ikrâ) ‘3-machado’


a-wèlîa ‘boca’: Composto entre o prefixo Jê Setentrional a- ‘argumento genérico’ + wẽr ‘dizer, falar’, cognato do Wakonã bêlê ‘dizer’


màzi’èò ‘homem’: Essa palavra também é mista, primeiro surge a palavra mà ‘gente, PL’, cognato do Jê Setentrional mẽ ‘gente, PL’, seguido por uma descrição a partir de um verbo Akuwẽ zi’èò, cognato do Xavante tsi’ahöri ‘combater’ (< *tsi-kahö-ri lit.: ‘bater entre si’). Palavra de aspecto misto


atisèrè ‘terra’: Cognata direta do Xavante ti’a ‘terra’ (< *tika), parece que havia uma ênfase na descrição da terra como local dos camotins, pois o verbo sêrê ‘colocar, meter’ é diretamente cognato do Xavante tsẽrẽ ‘colocar, meter’, mas existe a possibilidade de ser uma expressão antiga que significa ‘colocar os pés’ ou ‘viver’. O a- inicial é cognato do Jê Setentrional *a- ‘terra’ (usado em compostos), assim a-ti-sêrê ‘terra-terra-colocar’. Palavra de aspecto misto.


ati’a ‘fogo’: essa palavra, já em sua forma documentada, é mista, pois utiliza de um prefixo que não existe nas línguas do grupo do Panará, que é o prefixo a- ‘argumento genérico’, sendo este do Jê Setentrional. A palavra, no entanto, parece ter entrado na língua sem a remoção do prefixo de terceira pessoa ti-, que marca que esse lexema é um verbo (cf.: Cayapó do Sul: tikaa ‘queimar’), ou talvez, tal fosse a forma de nominalização de verbos nessa língua mista. Palavra de aspecto misto.



INFLUENCIADO PELO SOTAQUE JÊ SETENTRIONAL, /W/ > /B/ (2 PALAVRAS)


basîiu ‘cachorro”: Possivelmente derivado do Xavante watsihu ‘desamarrar, soltar’, note três evoluções na palavra /w/ > /b/, perda do -h- medial e a fricativização de /ts/ > /ʃ/, assim: watsihu > batsiu > bashiu


bari ‘fumo, tabaco’: Cognato direto do Akuwẽ warῖ ‘fumo, tabaco’, note que a língua Xokó modificou o /w/ para /b/, isso é um aspecto típico das línguas Jê Setentrional, que transformaram todos os seus antigos /w/ em /b/.






Autor da matéria: Ari Llusan 


domingo, 23 de fevereiro de 2025

A ORIGEM DA FRASE QUETALIQUE 'VAMOS' OU 'DEIXE-NOS IR' DA LÍNGUA XOKÓ



Na publicação "Os filhos de Jurema na floresta dos espíritos" de Clarice Mota, duas frases Kariri-Xokó são anotadas, por intermédio do pajé Suíra, que lembrava dessas palavras e frases. 


Ele nos deu duas frases que são identificadas com dois idiomas Jê Cerratenses: Cayapó do Sul e Akuwẽ, demonstrando mais uma vez a característica mista do Monterejê. A frase quetalique pode ser analisada por meio do Panará:


ka=ti=ra=kwy

tu=IRR=1PL.ABS=ir


Que no Xokó se torna


ke=ta=li ke

tu=IRR=1PL.ABS=ir

'deixe-nos ir', literalmente 'por ti, nossa ida'


Essa é a segunda frase que é analisável através do Cayapó do Sul, a outra sendo Kalicê bêlêtsiê báskíô 'fale comigo'.






Autor da matéria: Ari Llusan 


VOCABULÁRIO REGISTRADO NOS TOPÔNIMOS


Aciras, Bayquiras, Aguaquiras 'queixada' (Courtz, 2008, pakira 'queixada')


Awa ‘suspensão, levantamento’ (Albissetti, 1962, p. 185, awaga)


Awain 'chocalho, maracá' (Courtz, 2008, karawasi, kawai, awai 'chocalho, espécie de Thevetia')


Awama, acwama, cama, ceama ‘elevado’ (Albissetti, 1962, p. 1031; Loukotka, 1937, p. 165, awa ‘elevar’ + -ma ‘adjetivizador’)


Awamamune (awa-ma-mu-ne) ‘(lugar) que é de colocação elevada’ (Albissetti, 1962, p. 1002, 1031; Loukotka, 1937, p. 165; Lachnitt, 1987, p. 40, awa ‘elevação’ + ma ‘adjetivizador’ + mu ‘colocação’ + -ne ‘como, semelhante’)


Asuma (asuma) ‘fazer tornar-se arrepiado, juá' (Courtz, 2008, asu 'arrepio' + -ma 'causativo de tornar-se')


Asumame (asuma-me) ‘contém juás, Riacho Juá’ (Courtz, 2008, -me ‘ter função de’)


-be 'com, contendo, sufixo comitativo' (Coruybe 'contém água abundante', Courtz, 2008, -pe 'com, contendo')


Bon ‘ilha’ (Curubon ‘nome de uma ilha’, Courtz, 2008, kauru ‘rio’ + pawu ‘ilha’)


Aracati  'muito rápido' (Courtz, 2008, erekan, orekan 'rápido' + ty ‘nominalizador’)


Cauron 'variante antiga do nome do rio Curu' (Courtz, 2008, Kauru 'rio Courou, rio da Guiana Francesa')


Conoribo, Coronibo ‘rio turvo’ (Loukotka, 1937, p. 207, marim ponam ‘escuro’ > mripon/mnipon > ribo/nibo)


Coruy ‘água (abundante), rio’ (Courtz, 2008, kauru ‘rio’ )


Coruybe ‘com água (abundante)’ (Courtz, 2008 kauru ‘rio’  + pe ‘com’)


Curu ‘água (abundante), rio’ (Courtz, 2008, kauru ‘rio’)


Curubon ‘nome de uma ilha (Ilhas de Chaval-CE ?) (Courtz, 2008, kauru ‘rio’  + pawu ‘ilha’)


Curubu ‘Rio Trairí’ (Courtz, 2008, kauru ‘rio’  + pun-ka ‘remover a carne’)


Curujune ‘rio turvo’ (Lachnitt, 1987, p. 28, dzu ‘turvo, escuro’ + -ne ‘semelhante’, assim, curu-ju-ne ‘água-turvo-semelhante’ ou ‘água de aspecto escuro’)


Decamamene ‘lugar de lados elevados’ (Loukotka, 1937, p. 186; Albissetti, 1962, p. 185, Puri-Coroado takwen ‘alto, céu’ e Bororo awaga + -ma ‘particípio’ + me ‘lado’ + ne ‘semelhante’, assim: de-wa-ma-me-ne ‘alto-elevação-PTCP-lado-semelhante’ ou ‘lugar de lados de altas elevações’, referentes às serras de Maranguape)


Estaju 'ser escaldante' (Courtz, 2008, aset- 'reflexivo/reciprocativo' + aju 'escaldar')


Gemame 'contém caminho' (Courtz, 2008, esema 'caminho' + -me 'contendo')


Deli ‘Monte Deli, monte do espírito ruim’ (Courtz, 2008, Tiritiri ‘espírito malevolente’)


Josari ‘cacho(s) (de)’ (Tradução do afluente do Rio Timonha, Ubatuba ‘abundante em ubás’, Albissetti, 1962, p. 998, enari ‘cacho’))


-me ‘sufixo que significa ter função de, funcionar como’ (Courtz, 2008, -me ‘ter função de’)


Munaseri ‘(lugar) novo de pegar tubérculos’ (Courtz, 2008, muna ‘pegar tubérculos’; asery ‘novo’)


Orecatu, Aracaty 'coisa rápida' (Courtz, 2008, erekan/orekan 'rápido, veloz' + -to 'nominalizador' = orekanto > orecatu 'coisa rápida, coisa veloz')


Pesen (Pecém) 'linha de fronteira horizontal' (Courtz, 2008, pe, peje 'linha de fronteira horizontal')


Pononé 'habitado(a)' (Courtz, 2008, pono 'habitante' + -ne 'adjetivizador')


Ribo, rybo, nibo (Loukotka, 1937, p. 207, marim ponam ‘escuro’ > mripon/mnipon > ribo/nibo)


Seara, Siara ‘Rio Ceará’ (Courtz, 2008, jaran ‘cercado’)


Siebeba, Siebba ‘sem frutos’ (Courtz, 2008, (j-)epe-pa ‘sem frutos’)


Siupè, Siopè ‘(ele é/tem) fruto, fruta’ (Courtz, 2008, (j-)ope ‘fruto, fruta’)


Sosara ‘cacho(s) (de)’ (Tradução do afluente do Rio Timonha, Ubatuba ‘abundante em ubás’, Albissetti, 1962, p. 998 enari ‘cacho’)


Temona ‘escuro’ (Loukotka, 1937, p. 206, tamariponam, por meio de: tamriponam > tam(r)ponam > tamona > temona (forma antiga do nome atual de Timonha, cujo possui a variante Tamonha registrada))


Wasapuyna, Waspuyna ‘feito pelos Wase’ ( wase ‘indígena, mata, floresta’, cognato do Kariri wanye ‘floresta, mata, indígena’, do Pankararú main-ê ‘mata’, do Boróro boe ‘coisa, indígena Boróro’ e do Puri-Coroado mae de maekü ‘milho’ (< *bõ-cy ‘mato-semente’); A segunda palavra é puy ‘fazer’ + -na ‘predicativo’, cognato do Puri-Coroado puy de guara puy ‘construir (casa fazer)’ e do sufixo -na ‘predicativo’).





Autor da matéria: Ari Llusan 



SERRAS DE MARANGUAPE



Tem uma ordem cronológica dos registros do nome das serras de Maranguape. Notem que o último nome de origem não-tupi é Gemame, cujo vem logo depois de Dequeamamene. Eu sugiro que Gemame seja o último resultado do nome, que demonstra dois processos de grande interesse:


1º) Conclusão da fortição de /w/ > /k/ e sua palatalização de /k/ > /kʲ/, tornando-se /tʃ/ (tch de tchau do português), depois vozeando para /dʒ/ (dj de django), assim:


awa-ma-mu-ne > agwa-ma-mu-ne > akwa-ma-mu-ne > aka-ma-mu-ne > ka-ma-mu-ne > te-ka-ma-mu-ne > de-kya-ma-mə-ne > de-tʃa-ma-mẽ-n > tʃə-ma-mẽ > dʒə-ma-me (Gemame, sendo que g aqui é uma aproximação dos portugueses, o som provavelmente sendo a africada dj ao invés da fricativa j de janela ou jato).


A transcrição desse seria:


Awamamune > Agwamamune (Aguamamune) > Akwamamune > Akamamune > Kamamune (Camamune) > Tekamamâne > Dekyamamâne (Dequeamamene) > Detxamamẽn > Txâmamẽ > Djâmame (Gemame)


Obs.: Ortografia temporária para eu trabalhar melhor depois.






Autor da matéria: Ari Llusan 


A ETIMOLOGIA DE BAKIRIBU 'PENTE DE CABELO'



A palavra é derivada de dois empréstimos, baki 'pentear', do Tupi Antigo abyky e uma palavra de origem do substrato caribe do Kariri, cognato do Ikpeng (eret)put 'cabelo' e do Arara retpudn 'cabelo', assim:


baki ribu 'pentear cabelo' > 'pente de cabelo'



Kariri: 'pentear'

Dz.: baki

Kp.: baki

Sp-Km: bakì

KX.: bakí


Kariri: 'cabelo'


Dz.: libu

Kp.: ribù

Sp-Km.: libbù

KX.: ribú, libú





Autor da matéria: Ari Llusan 


API 'DOIS' COMPARADO AO NOSSO WI-TANE



Essa daqui vai com a imagem do *api 'dois'


Comparo com nosso wi-tane, cujo seguindo minha ideia de menor resistência, creio ser mais fácil ser derivado do composto dessas duas palavras: api-txane 'dois-pessoa', ou seja 'duas pessoas', derivando nossos:


Dz.: wi-tane

Kp.: wa-chani

Sp-Km.: wi-thikani.





Autor da matéria: Ari Llusan 

ÁGUA DOS NATÚ E DOS XOKÓ



Esse daqui é para o Natú, kra-unan 'água-água' e o Xokó kra-na-nan 'água-água-água'




Autor da matéria: Ari Llusan 

KIPEÁ-WO EM YACAWOTÇÃ



Kipeá -wo em yacawotçã ? 'sou porventura um cachorro ?', decomposto como:


yaca 'cachorro' + wo 'semelhante' + tçã 'eu' = yaca-wo-tçã 'cão-semelhante-eu'


O segundo sufixo também é registrado por Mamiani, é o sufixo -cù 'no fim de nomes adjetivos, denota propriedade', como em:


kŷdi 'bolor' > kŷdi-cù 'ferrugento'


Sabemos agora que ambos os sufixos do Kariri derivam de uma fonte Mojeña, que é um grupo linguístico Arawak.





Autor da matéria: Ari Llusan 



WITANE É 'DOIS' E BO-WITABE SERIA O 'SEGUNDO'



Essa palavra aqui é interessante, bo eu digo, pois sabemos que witane é 'dois', então bo-witane é o 'segundo bo', so que... o que é bo ?


Eu descobri que a palavra para 'pajé' ou 'xamã dos espíritos' dos Boróro, é chamado de bari, cujo a variante é bori, derivado de boe 'indígena, mato, floresta' + ri 'grande', assim 'grande indígena'. A nossa palavra deriva de um nome antigo que usavamos para nós mesmos, que é bo, boe 'indígena, mato, floresta'.


O que isso faz de bidzamu ? Como falei antes, o bidza significa 'gritar', enquanto -mu é o agentivo, portanto bidza-mu 'gritador', sendo um título alternativo para nossos antigos bo.





Autor da matéria: Ari Llusan 

O PRIMEIRO INSULTO ENCONTRADO NO KARIRI



A palavra tarurukie /taɾu'ɾukʲə/ 'ser indiferente' é um verbo derivado de uma expressão de impaciência, cognata do Boróro taruruia 'diacho! diabo!'



Autor da matéria: Ari Llusan 

A ORIGEM DA PALAVRA NABÂLU 'COSTAS' DO DZUBUKUÁ



A palavra é cognata do Boróro póru. De acordo com o autor Albissetti, esse o de póru, marcado com uma cedilha em baixo na sua ortografia [ǫ], é a vogal ó aberta, portanto agora sabemos que o ó aberto corresponde ao nosso â laringal, que é parecido em pronúncia com o â com circunflexo em cima do português.


A primeira sílaba é cognata do honae 'pescoço' do Kipeá, assim na-balu 'pescoço-costas'.






Autor da matéria: Ari Llusan 


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

EXEMPLO TEREJÊ 1 A FRASE TRANSITIVA RECONSTRUÍDA


Exemplo Terejê 1 (frase transitiva reconstruída):


Wakonã: [ti-tsîè] [sò-r tsîè] [ba mà]

Xokó: [ti-tsè] [sò-r¹ tsè] [ba mà]

Peagaxinã: [ti-xè] [sò-r xè] [ba mà]

[3.RLS=1SG.DAT] [dar-PERF.=1SG.DAT] [1SG DAT]

S-V-O

‘ele(a) me deu’


¹: -r em posição de coda no Xokó equivale à sílaba -ʎə


Panará (Bardigal-Mas, 2018, p. 139):

[mãra hẽ] [ti =kjẽ =sõ-ri] [ῖkjẽ mã]

[ele/ela ERG] [3.RLS=1SG.DAT=dar-PERF.] [1SG DAT]

S-V-O

‘ele(a) me deu’


Regra: Em contraste com o Panará, o Wakonã não marca sua conjugação de TAM, sujeito e objeto no verbo, e sim marca-o fora dele em um bloco dedicado para este, assim, uma frase, em sua totalidade de separa em alguns blocos: [bloco do sujeito] [posposição] [TAM + sujeito + objeto direto + objeto indireto/pronome dativo] [verbo + PERF + objeto da frase] [objeto direto] [objeto indireto], por exemplo:


Wakonã: [Mè-ka²] [Ø-kar³-ra-tsîè] [sò-r-tsîè] [kan-kà tsîet] [tsîè mà]

Xokó: [Mà-ka] [Ø-tîar⁴-ra-kîè⁵] [tsò⁶-r-kîè] [tîan-kà kîat] [kîè mà]

Peagaxinã: [Mè⁷-ka]  [Ø-kar-ra-kîè] [xò-r kîè] [kan-kà kîet] [kîè mà]

[PL-tu] [RLS-2PL.ERG-3PL.ABS-1SG.DAT] [dar-PERF-1SG.DAT] [cesta-casca muito] [eu DAT]


A ordem vista acima é a seguinte:


[bloco do sujeito] [TAM + sujeito + objeto direto + objeto indireto + pronome dativo] [verbo + PERF + objeto da frase] [objeto direto] [objeto indireto]


²: levo em consideração a presença do morfema mẽ ‘gente, PL’ no Xokó em mã-ji’êô ‘gente que luta entre si’ > ‘homens’, pronunciado com abaixamento vocálico, também em mensô ‘pajé’ e micéagê ‘cacique’.


³: codas equivalem à sílabas extendidas implícitas, assim a coda -r em ka-r = karə e sò-r = sòrə


⁴: O Xokó palataliza ka para /ca/ sem um motivo discernível, compare o Xokó catokə ‘cachimbo’ vs Natú katuka ‘cachimbo’


⁵: O Xokó não tem indício de africação do encontro /kj/, compare merekiá ‘dinheiro’ em relação à palatalização do Wakonã de ĩkjẽ > tsîè ‘eu’.


⁶: o dígrafo [dz] aqui representa a variação história entre as africadas /dz/ e /dʒ/, a primeira vista na palavra para ‘chuva’ do Xokó (sehoidzé’á), e as fricativas, como na palavra para homem (mãji’êô)


⁷: O Natú é próximo do Wakonã em termos de desnasalização e alçamento vocálico de /a/ > /æ/ e /e/, aqui a letra [è] representa os dois sons de /æ/ e /e/ em variação livre.


Compare o Panará (Dourado, 2001, p. 28):

kamɛrã Ø =kari =ra =kyẽ =sõ -ri kan ĩkieti ĩkyẽ mã

[vós] [RLS =2PL.ERG =3PL.ABS =1SG.DAT =dar -PERF] [cesta muito] [eu DAT]

[bloco do sujeito] [TAM + sujeito + objeto direto + objeto indireto + pronome dativo + verbo + PERF] [objeto direto] [objeto indireto]


Exemplo Terejê 1 (frase intransitiva reconstruída):

sò-sò tsîè (Wk), sò-sò tsè (Xk), sò-sò xè (Nt)

‘eu entro/entrei’


Regras das frases intransitivas: O verbo precede tudo, usa-se ou reduplicação ou as sílabas -r/-n/-t para marcar o perfectivo (realis, isto é, presente habitual e passado perfeito).







Autor da matéria: Ari Llusan 

A ORIGEM DO NOME TEMONA 'RIO TIMONHA' DO CEARÁ



A origem do termo Temona, que nos documentos antigos varia com Pemona é de uma variante cognata do Puri-Coroado 'preto', comparem:


Ceará temona vs Puri-Coroado tânghuană

Ceará pemona vs Puri-Coroado pehuôno


A mudança sonora que ocorreu aqui foi de /w/ > /m/, ou seja wona > mona.


A nomenclatura desse rio faz referência à sua cor turva, causada pelo sedimentos no fundo do rio, que dá a coloração escura tipicamente vista em muitos rios do Brasil. Isso indica que a língua falada naquela região (Tremembé) é relativa do Puri-Coroado.






Autor da matéria: Ari Llusan 

OS DOIS NOMES CORONIBO E CONORIBO DOS TREMEMBÉ



Os últimos dois nomes (Coronibo e Conoribo) talvez provem que essa língua seja relativa do Tremembé. A palavra Coro é relativa do Coru, Curu e Cauron.


A palavra -nibo/-ribo parece derivar de um cognato do Puri-Coroado mriponam 'escuro, noite' (lit.: mri 'olho, ver, visão' + ponam 'deixar, abandonar', ou seja, 'o deixar da visão'), note que a palavra passou por processos fortíssimos de redução de seus encontros consonantais, que são implicados em suas sílabas restantes:


ni/ri 'olho' é cognato do miri, mri, mni 'olho' do Puri-Coroado, que perdeu o m- do encontro consonantal mri/mni, sobrando apenas a segunda consoante.


bo/bom 'deixar, abandonar' é cognato do ponam/monam do Puri-Coroado, aqui vemos a redução para a esquerda, causada por uma sílaba tônica paroxítona: ponam > ponə > bõ/bo.





Autor da matéria: Ari Llusan 

AS VARIANTES DO PURI-COROADO PARA NOITE



Aqui estão as variantes do Puri-Coroado para noite, notem a primeira palavra e a última palavra, que possuem mri e mni, que logo se reduziram nessa língua do Ceará para ri e ni.


A primeira palavra (mripôn) é o ancestral perfeito, visto que já reduziu a segunda palavra, assim: mripôn > ribo/ribõ.


Essa simplificação de encontros consonantais é, até onde vejo, estranha para o Puri-Coroado, mas surge no Boróro, como em reru/rere 'dançar', que deriva do Proto-Jê Cerratense *ŋgre-r 'dançar, cantar', assim:


ŋgre-r > kre-r > ʔre-rV > rere ~ reru 'dançar


ʔ = travada na garganta, como quando um falante de inglês comete um erro e diz uh-oh.






Autor da matéria: Ari Llusan 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

KURU A ÁGUA SURGE NO BORÓRO E NO KARIRI


Voltando aqui, eu descobri algumas coisas quando olhei o Puri-Coroado, Boróro e Kariri


1º) O termo *kuru*, usado por essa língua para designar 'água, rio', só surge no Boróro e no Kariri, no Puri-Coroado só surge a palavra *mñama* 'água, rio, chuva', que pode ser cognata do *manima* Tremembé dos cantos de torém.


2º) Algumas palavras tem origem externa, não fui capaz de encontrar uma palavra para 'ilha' que batesse com Curubon 'nome de uma ilha' (lit.: kuru 'rio, água' + bon 'ilha'). Bon é comparável ao termo Upaon-Açu, cujo se me lembro bem, foi um nome dado pelos Tremembés. A palavra surge no Tupi Antigo como ypa'ũ 'ilha' (lit.: y 'água' + pa'ũ), também surgindo no Kaliña como pawu 'ilha'. Antes julguei ser de origem caribe, mas olhando para a palavra Tupi, fica claro que o que houve aqui foi um empréstimo parcial dessa língua do Tupi Antigo de sua região, visto que o Tupi criou o composto y-pa'ũ 'água-ilha', assim como vemos em kuru-bon 'água-ilha'. 


3º) Uma coisa aproxima essa língua do Puri-Coroado, mesmo distantes geograficamente um do outro, muitos morfemas com o som de /w/ viram /gw/ e depois /kw/, /k/ e /g/, isso é visto na palavra Coroado kuaya 'falar, dizer', que vira kaya, gaya em variações de fala rápida. Diogo de Menezes registrou em carta para o rei de Portugal, no ano de 1612, o termo Aquamamune, dois anos depois, em 1614, no "Exame de Pilotos", surge o mesmo termo com a pronúncia rápida de Camamune, ignorando o a- inicial e transformando QU (kw) em C (k), delabializando-o.


4º) Levo em consideração quem estava na região para classificar esse idioma, nas proximidades do Curu (Paracuru-CE), como Valdivino me disse, forma-se uma região. A região do Curu se divide em três: Alto Curu, Médio Curu e Baixo Curu, em referência ao rio. No Alto Curu, que é na foz do rio, estão os parentes Anacés e Guanacés, é lá que mais vemos a presença do termo _*curu/kauron*_ 'rio, água'.






Autor da matéria: Ari Llusan 

A ORIGEM DO VERBO YAHÌ 'SER CONCEBIDO'



A palavra deriva de duas outras, ya 'abertura, boca, vagina, cloaca', derivado da composição de i 'corpo humano' + a 'abertura'


-hi é um sufixo locativo, cognato do Boróro -gi 'em, dentro de', assim ya-hi significa 'dentro da vagina', tal expressão logo se extendeu e virou um verbo, que significa 'ser concebido'


Dz.: yahi

Kp.: yahi

Sp-Km.: yagì

Kt.: yahi

KX.: yahí.





Autor da matéria: Ari Llusan 

UMA REANÁLISE DOS NOMES DAS SERRAS DO CEARÁ



Baseado no conhecimento adquirido do Boróro e Puri-Coroado, volto aqui para analisar a língua de minha terra natal, que deixou pouquíssimos traços de sua existência, salvo alguns nomes para as Serras do Ceará, que Pompeu Sobrinho aqui diz se referirem à Camará, Juá, Maranguape, Aratanha e Guiaúba


A teoria antiga mudou apenas um pouco, visto que ao invés de ser uma palavra awama 'lutar, brigar, combater', eu sugiro que o segundo nome, de 1612, que é Aquamamune, com suas variante Aguamamune e Aquemamune, todas significam algo como 'lugar elevado'.


Comparo agua de agua-ma (awa-ma) com o verbo Boróro aogwado 'suspender, erguer, elevar', enquanto o sufixo -ma é comparável ao sufixo adjetivizador, assim awa-ma 'elevado, erguido'. 


Os morfemas mu e me de mune e mene não são os mesmos, o -mu muito provavelmente sendo cognato do Boróro mu 'colocação' e o me do Boróro me 'lado'.


Por último, temos -ne, que muito provavelmente funciona aqui como sufixo relativo, basicamente 'aquele(a) que...', portanto temos:


awa-ma-mu-ne 'que é de colocação alta'


e também


awa-ma-me-ne 'que é de lados altos' (fazendo referência ao vale entre a serra de Maranguape e Aratanha)


Também não mudei minha posição sobre dequeamamene ser a palatalização awamamune, mas vejo que o morfema inicial bate diretamente com o Puri-Coroado takuém 'alto, céu', assim:


tekia-ma-me-ne 'lugar de lados altos'


Por último, existe mais uma referência ao vale do Maranguape, que é Ariama. Essa palavra possui um cognato do Boróro aría 'panela de barro grande', assim temos aría-ma 'que se parece com panela de barro grande', novamente fazendo referência ao vale e como as serras de Maranguape e Aratanha circulam e fecham o local em um formato côncavo.


 QUAL É A CLASSIFICAÇÃO DA LÍNGUA DE DEQUEAMAMENE


A maioria dos vocábulos aqui vistos são comparáveis ao Boróro e o Kariri, e um pouco do Puri-Coroado. No caso do Puri-Coroado faz sentido, visto os assentamentos Tremembés no litoral cearense.


Se o Puri-Coroado, Boróro e Kariri formam uma família conjunta, essa língua não participaria diretamente do Puri-Coroado até onde sabemos, pois a palavra para 'água, rio' deste grupo linguístico parece ter sido *kuru*, como visto no rio Curu e em outros rios com o nome de Curu (Curubon, Curujone, Coronibo e o próprio Curu, também chamado de Kauron), essa é a mesma palavra que deriva o Boróro kuru 'líquido, caldo' e o Kariri dzu 'água' (< gʸu < gu < ku < ku-ru) e o classificador kru- 'classificador de líquidos e rios'.




Autor da matéria: Ari Llusan 


A ORIGEM DO KIPEÁ MOROYÒ 'SER OBRIGADO, OBRIGAÇÃO'



A palavra deriva de um cognato do Boróro máragô-do 'trabalhar', de acordo com Albissetti (1962, p. 783), márago-do deriva do substantivo maragodu 'pressa', da raiz mara 'pressa, rapidez', assim, a nossa palavra é:


moro 'pressa, rapidez' + -yo 'nominalizador' > moro-yo 'pressa, rapidez, trabalho, obrigação'



Dz.: moroiho

Kp.: moroyò

Sp-Km.: moroggò

Kt.: moroyó

KX.: moroihò, moroyò.




Autor da matéria: Ari Llusan 


A FRASE 'CORTE A CARNE PARA SER ASSADA' DO SAPUYÁ



Essa frase confirma a minha teoria sobre as línguas Sapuyá-Kamurú serem verbo final, ou SOV:


thà borè/bohè gratzò-hü-llè, a-kobotò

para assar carne-PRED-POSS, 2-cortar

'para a carne que é do assar, tu cortes'





Autor da matéria: Ari Llusan 

A ORIGEM DA PALAVRA CONIAH 'COQUEIRO' DO KAMURÚ



A palavra é cognata do Boróro kujeréu 'palmeira nova', de acordo com Albissetti (1962, p. 760, 762), a palavra kuje é uma comparação dos Boróro à ave mutum, kuje-réu 'como o mutum', portanto koñà do Sapuyá-Kamurú, além de significar 'palmeira, coqueiro', também deriva de uma palavra nativa para 'mutum'.




Autor da matéria: Ari Llusan 

FINALMENTE A TRADUÇÃO DA FRASE KAMURÚ 'VAMOS PARA A MATA CAÇAR'



A frase demonstra uma coisa interessante sobre o Kamurú, como especulei anteriormente, o paingoküh é o verbo principal da frase, enquanto o bucuming 'vamos' (cognato do Kipeá bocuwí 'vamos') é o verbo auxiliar.


A frase não possui uma preposição no thezeh 'mata, floresta', mas agora eu percebi o porquê, o Kamurú não usa preposições e sim posposições, a frase se traduz literalmente assim:


bukuming theze-paingo-küh 'vamos mata-caçar-em', sendo que theze-paingo é um verbo que compõe a ação (caçar, matar) e o objetivo dela (a mata), tudo para que a preposição küh 'em' possa juntar a informação em uma só.




Autor da matéria: Ari Llusan 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

OS COGNATOS DE NOSSA PALAVRA PARA VINHO E SEU SIGNIFICADO ORIGINAL



A palavra yeru deriva de cognatos do Puri-Coroado véru 'bebida de milho' e do Otúke (família Boróro) i-yoro/i-shoro 'chicha (cerveja de milho)', isso indica que essa bebida, o yeru, antes de se tornar uma tradução de vinho de uva, era referente a uma bebida que se parece com a chicha ou o abatiui Tupi, que é uma bebida fermentada de madiki (milho).





Autor da matéria: Ari Llusan 

O VERBO WODDO 'TOLDAR-SE, EMBRIAGAR-SE' DO DZUBUKUÁ



No Kipeá, esse verbo surge como nome wodò 'bêbado', ele deriva da forma vozeada de motò 'encher', ambos cognatos do Boróro podo 'encher de água', assim:


wo 'água, rio' + -ddo 'causativo' > wo-ddo 'aguar, colocar água, encher de água, buscar água'.





Autor da matéria: Ari Llusan 

A ORIGEM DA PALAVRA IPABOE


Ainda continuando sobre a temática dos Wanye, Nantes menciona nossos antigos rituais de ipaboe, que possuem um análogo direto no Boróro.


A palavra ipa de ipa-boe significa 'lugar fora da aldeia', enquanto boe é cognato do wanye, sendo 'mato, mata', assim: ipa-boe 'mata fora da aldeia'


Assim, a tradição de confissão não é um costume católico e sim uma modificação por parte dos cristãos de um ritaul de evocação de espíritos antes da caçada ou pescaria, Nantes usou esse rito como analogia às confissões cristãs.





Autor da matéria: Ari Llusan 

A ETIMOLOGIA DE WANYE 'PAGÃO, TAPUYA BRAVO'


A etimologia de wanye do Dzubukuá, e, por extensão, woyên do Kipeá, está atrelada aos nossos rituais antigos e modernos, a palavra wanye significa 'mata' e também significa 'indígena Kariri'. Sim, essa palavra também é sinônima de a-tse 'indígena Kariri', que como expliquei antes, é uma tradução do Mehime da nossa palavra nativa (o que é um indício da nossa história de interação com outros povos).


A palavra wanye é cognata do Pankararú-Pipipã main-ê 'mata' e também, por extensão, significa que é cognata do Boróro boe 'indígena Boróro'. O fato de Nantes ter traduzido essa palavra como 'pagão' e 'tapuya bravo' indica que os que eram classificados como wanye eram aqueles que não tinham se convertido ao cristianismo.





Autor da matéria: Ari Llusan 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

ORIGEM DO PORRAÊTÊ 'OBRIGADO'



Novamente seguindo a filosofia citada na postagem anterior, a palavra *_póhaêtê_* parece derivar do mesmo sistema de agradecimento do Boróro, que é *boe gétu*, cujo Albissetti não parece ter sido capaz de decifrar, porém existe a chance dessa palavra ter alguma relação com a palavra *keruto* 'expressão de satisfação, a palavra é então:


_*pó haete*_ 'coisa agradecimento/satisfação'


Sendo que pó é cognato do Boróro boe 'indígena, mundo, natureza', do Dzubukuá boe 'natureza, indígena' e do Kipeá be 'mato, natureza, indígena'





Autor da matéria: Ari Llusan 

CORREÇÃO DA ETIMOLOGIA DE DÊRRAIVÊ-PÁ



Com as novas descobertas das conexões entre o Boróro, Puri-Coroado e Kariri, voltei para essa frase do Wakonã para reanalisar ela, pois a tradução anterior apresentava algumas dificuldades que eu já havia percebido, esperei para encontrar novos dados para fazer uma correção, mas não tinha encontrado nada até o presente momento.


Uma filosofia que sigo nas minhas reconstruções é de seguir o caminho de menor resistência, a teoria que apresento aqui demonstra menos resistência do que a de antes, proponho que a frase seja:


dê 'tu, você'

hai 'bom'

vê 'manhã'

-pá 'interrogativo'


assim


_*de hay we pa ?*_ 'tua manhã é boa ?'


O cognato desse pronome é o teké 'tu' do Puri-Coroado e o ta-gi 'vós' do Boróro, as etimologias de hay e we continuam inalteradas, sendo hay 'bom' e we 'manhã', derivados do Proto-Cerratense *mbec 'bom' e de um cognato do Xavante awẽ 'amanhã, madrugada'.


-pá como sufixo interrogativo, como Cícero Cavalcanti parece ter tido ciência de sua função) é cognato do Boróro bá 'partícula interrogativa'


Mesmo com a última reconstrução se tornando obsoleta, algumas das análises antigas são mantidas, como o fato do Wakonã, como a língua Terejê com mais dados, ser monossilábica em sua natureza.


Um nova questão que é levantada, porém, é a tipologia da língua, pois devemos levar em consideração se essa língua era analítica ou aglutinante. A escrita não é necessariamente lei, só por que Cícero e posteriormente Antunes nos deram a palavra aglutinada (isto é, toda colada), não significa que representa ou não como a língua funcionava antigamente.


Com base nessa análise do pronome, é possível perceber que o Wakonã participa desse trio que discuti antes, que são o Boróro, Kariri e Puri-Coroado. Há uma proximidade entre este o Boróro, visto que parecem compartilhar a mesma palavra para 'bom': hay vs pe-mega (observe que no documento de Antunes, ainda no seu vocabulário, ele indica a existência de um verbo maga 'ser bom', que parece ser o cognato direto do Boróro mega. ALBISSETTI, 1962, p. 866; ANTUNES, p. 138).


Por último, vemos também o uso do mesmo interrogativo (Wakonã pá vs Boróro ba), portanto as duas línguas compartilham algum tipo de relação que há de ser estudado mais a fundo.



Fontes:


Albissetti, 1962, p. 866

Antunes, 1973, p. 134, 138

Camargo, 2013, p. 201

Loukotka, 1937, p. 167




Autor da matéria: Ari Llusan 

A ORIGEM DO NOME TÇUIRÚ 'ASSOBIO DO RABO DE TATU' DO KIPEÁ



Essa palavra é uma derivação direta do animal referenciado em seu significado, ela deriva de tçuirù 'espécie de tatu', uma palatalização de uma antigo *kuru (kuru > kiuru > tsuru > tsuiru), cognato do Boróro o-kwaru 'tatu-peba' e do Pankararú kwaraú 'tatu bola'



Autor da matéria: Ari Llusan 

A ORIGEM DA PALAVRA BENETÈ 'BORDA DO MATO'



Como discuti antes, temos uma palavra em comum com o Boróro que foi substituida com o tempo, essa palavra é  boe  no Dzubukuá, como em boe-tte 'coisa dos Boe', ou seja, 'roça'.


A palavra acima se tornou be-chien  'roça' no Kipeá, portanto podemos reconstruir boe nessa língua como be. Concluo com isso que benetè carrega essa mesma palavra, sendo composta de:


be 'mato, floresta' + ne 'ponta' (é daqui que deriva também o Kipeá  nhè  'pênis') + -te 'nominalizador', assim > be-ne-te 'mato-ponta-NMLZ' > 'coisa da ponta do mato' > 'borda de mato'.





Autor da matéria: Ari Llusan 

SIGNIFICA 'NÓS TODOS' E A DESCOBERTA DA ORIGEM DOS TEREJÊ



A palavra é uma construção entre o pronome wa (aqui no Timbira é pa, mas existe a variante wa em alguns dialetos) junto com o pronome indefinido kunéa 'todos', agora, esse pronome indefinido do Apãniekrá não é muito óbvio, mas ao olhar para o pronome do Mehime, fica mais clara a relação, sendo ele PAGONA 'nós'. 

Aqui está o pronome Mehime, compare:

Mehime: pa-gôna 'nós'
Wakonã: wa-konã 'nós todos'


Essa palavra evoluiu do Proto-Jê Setentrional kunĩ, só que há um porém, a palavra que vemos no Canela da imagem (pa'kunéa) e do Mehime (pa-gona) são do Canela, uma das línguas da ramificação Timbira, *apenas* esse ramo evoluiu a vogal ĩ nasalizada para éa e á/ã, isso é uma descoberta gigante, pois indica-nos que os Terejê, além de sua origem parcial nos Akuwẽ, também tem origem nos Canela, especificamente, nos Mehime.


Estou muito feliz com essa descoberta, finalmente tenho total certeza da origem dos povos Xokó, Natú e Wakonã: um povo misto de Akuwẽ e Jê Setentrional!!!


Voltando aqui, a descoberta da etimologia do Wakonã e o uso dessa língua e do Natú do termo ko bê 'estrangeiro', indica que eles se identificavam mais como Jê Setentrionais do que Akuwẽ, possivelmente o ancestral ou língua irmã das línguas Terejê são os dialetos Canela, como o Mehime e Apãniekrá, principalmente o Mehime.


Exemplo do Panará, foquem em:


ka=ti=kjẽ

IRR=NFAL=1SG.DAT


NFAL = não-falante, pode ser 'tu' (2ª pessoa) ou 'ele(a)' (3ª pessoa).


Esses são os clíticos de argumento do Panará, nome abaixo os do irrealis, que servem para o futuro e o imperativo, ti serve para a segunda pessoa 'tu' e a terceira 'ele(a)' igualmente, estou usando essa imagem para justificar o próximo argumento.





Autor da matéria: Ari Llusan 

ORIGEM DA PALAVRA NATU



Estou com uma leve suspeita de que a palavra Natú venha daqui, através da queda do -h- que mencionei antes:


nhihutu > nihudu > niutu > nutu > nâtu 'neto, descendente'


Porém, como o nome Natú surge no Catecismo de Mamiani como Nati-á (plural de Nati 'Natú), eu também estou suspeitando dessa palavra do Xavante *_nhipti_* 'ramal, galho, ramo, ramificação'


nhipti > nĩti > nati 'Natú'





Autor da matéria: Ari Llusan 

A PALAVRA MAXAKLI PARA 'NÃO-INDÍGENA' COMPARADO O AIJO DO MASSAKARÁ



A palavra Maxakli para 'não-indígena', comparo aqui com o aijo do Masakará _*agkuschuo aijo*_ 'indígena'


A palavra para 'não-indígena' do Botocudo (Krenak), comparo com _*agkuschuo*_ do Masakará


No documento de Loukotka (1932, p. 508), ele compara esse composto Masakará com a palavra Maxakalí idkuxen 'Botocudo'


Perceba que id-kuxen pode ser comparado com o Botocudo kujo ra 'não Botocudo', indicando que o significado dessa palavra era, mais aproximadamente, algo como 'estrangeiro, indígena de tribo estrangeira', que logo foi se especializando dependendo do contexto e da língua.


Esse caso de um povo ser chamado de 'estrangeiro' em outras línguas, mas usar essa mesma palavra 'estrangeiro' para se definirem aconteceu várias vezes no Brasil. Posso citar de cor:


1) Os Akuwẽ, cujo a palavra no Jê Setentrional (kubẽ, kupẽ, kuwẽ) significa 'estrangeiro, branco'.


2) Os Guarayo, cujo a palavra no Xavante (waradzu) e no Boróro (barae) significa 'não-indígena'.


3) Os Arayó do Maranhão, parentes dos Tremembé e Puri-Coroado, estes últimos que usam a palavra arayó para 'homem branco'


4) Os Tobajara, cujo o nome se confunde entre tobaîara 'inimigo', t-oba îara 'senhor da face' e taba îara 'senhor da aldeia', o primeiro significado sendo atestado em documentos coloniais como um caso de exônimo por parte dos Tupinambás, cujo os Tobajara também chamavam de tobaîara 'inimigo', ficando os dois se chamando por esse nome.


5) O exemplo que demonstro aqui para vocês do Masakará





Autor da matéria: Ari Llusan 

ENFIM, A ETIMOLOGIA DA FRASE KÁLICEÊ BÊLÊTSIÊ BASKÍÔ, INDÍCIO DA MISTURA LINGUÍSTICA DO WAKONÃ



A frase não tem análise apropriada nem no Jê Setentrional e nem o Akuwẽ, como eu disse da última vez que traduzi-la. A frase kálice bêlêtsiê baskiô 'fale comigo' é uma frase que só pode ser analisada com uma língua do ramo Cerratense: O ramo Panará.


Note a frase Panará (Bardagil-Mas, 2018, p. 143)


Saankôra hẽ ka-ti-kjẽ-a-sõri ka inkjẽ mã


Saankôra ERG IRR-NFAL-1SG.DAT-2-dar tu eu DAT


Os termos técnicos não são muito importantes para esse argumento, peço para que olhe para a palavra que está cheia de prefixos (ka-ti-kjẽ-a-sõri). Reconhecem o padrão das três primeiras palavras ? Que são ka-ti-kjẽ.


Exatamente, a comparação aqui feita é com o kálicê da imagem acima, o paradigma gramatical do Panará parece ter sido o principal da língua Wakonã, o que explica seus morfemas monossilábicos e estrutura sintética, ao invés de ser majoritariamente analítica como a maioria das línguas Jê Orientais.


A segunda palavra também marca novamente o pronome dativo 'para mim', aqui pronunciado com a africada ao invés da fricativa (tsiê ao invés de cê de ka-li-cê), significando bêlê tsiê 'falar para mim'.


bas kiô demonstra um dos poucos aspectos do Jê Setentrional na língua, visto que bas pode ser comparado com o Apinajé paj 'eu (irrealis), junto com a posposição kot 'com', assim baj kot > bas kio 'comigo (irrealis)', reforçando o ka- irrealis do começo, indicando que essa frase não é uma afirmação do presente e nem do passado, mas sim uma afirmação ou do futuro ou do imperativo (de comando). Nesse caso, sabemos que é de comando (imperativo), visto que a pessoa diz 'fale comigo', demandando que o ouvinte fale com ela.A ETIMOLOGIA DA FRASE KÁLICEÊ BÊLÊTSIÊ BASKÍÔ, INDÍCIO DA MISTURA LINGUÍSTICA DO WAKONÃ



A frase não tem análise apropriada nem no Jê Setentrional e nem o Akuwẽ, como eu disse da última vez que traduzi-la. A frase kálice bêlêtsiê baskiô 'fale comigo' é uma frase que só pode ser analisada com uma língua do ramo Cerratense: O ramo Panará.


Note a frase Panará (Bardagil-Mas, 2018, p. 143)


Saankôra hẽ ka-ti-kjẽ-a-sõri ka inkjẽ mã


Saankôra ERG IRR-NFAL-1SG.DAT-2-dar tu eu DAT


Os termos técnicos não são muito importantes para esse argumento, peço para que olhe para a palavra que está cheia de prefixos (ka-ti-kjẽ-a-sõri). Reconhecem o padrão das três primeiras palavras ? Que são ka-ti-kjẽ.


Exatamente, a comparação aqui feita é com o kálicê da imagem acima, o paradigma gramatical do Panará parece ter sido o principal da língua Wakonã, o que explica seus morfemas monossilábicos e estrutura sintética, ao invés de ser majoritariamente analítica como a maioria das línguas Jê Orientais.


A segunda palavra também marca novamente o pronome dativo 'para mim', aqui pronunciado com a africada ao invés da fricativa (tsiê ao invés de cê de ka-li-cê), significando bêlê tsiê 'falar para mim'.


bas kiô demonstra um dos poucos aspectos do Jê Setentrional na língua, visto que bas pode ser comparado com o Apinajé paj 'eu (irrealis), junto com a posposição kot 'com', assim baj kot > bas kio 'comigo (irrealis)', reforçando o ka- irrealis do começo, indicando que essa frase não é uma afirmação do presente e nem do passado, mas sim uma afirmação ou do futuro ou do imperativo (de comando). Nesse caso, sabemos que é de comando (imperativo), visto que a pessoa diz 'fale comigo', demandando que o ouvinte fale com ela.





Autor da matéria: Ari Llusan 

A RECONSTRUÇÃO DO WAKONÃ E SUAS DIFERENÇAS GRAMATICAIS


Wakonã (frase reconstruída):

[ti=sê] [sô-ri=sê] [wa/ba mâ]

[3.ERG-1SG.DAT] [dar-PERF.=1SG.DAT] [1SG DAT]

'ele(a) me deu'


Panará (Bardigal-Mas, 2018, p. 139):

[mãra hẽ] [ti=kjẽ=sõ-ri] [ῖkjẽ mã]

[ele/ela ERG] [3.ERG=1SG.DAT=dar-PERF.] [1SG DAT]

‘ele(a) me deu’


Primeiro de tudo, peço perdão pelo uso da terminologia técnica acima, precisei colocar assim para organizar minha mente melhor sobre as funções da frase, abaixo explicarei o que significa cada coisa de forma mais simplificada. Notei algumas discrepâncias entre as gramáticas do Panará moderno e o Wakonã documentado, que refletem um sistema comum, mas que já haviam se separados por, no mínimo, alguns séculos.


Baseado na frase *kalicê bêlêtsiê báskíô*, eu percebi que o modelo de frase é quaaaaaase igual, mas tem algumas coisas que parecem que um dos dois lados inovou, infelizmente não sei dizer qual. O Wakonã é S-V-O (Sujeito-Verbo-Objeto), que para quem não sabe, é a ordem que conhecemos do português (‘eu (S) como (V) mandioca (O)’ por exemplo). Ele não marca os clíticos (quase a mesma coisa que um prefixo, como em pré-pago ou pré-natal) no verbo como no Panará, e sim usa eles em um bloco separado especificamente para o sujeito (aquele que faz a ação dentro de uma frase), isso o diferencia do Panará por que, no Panará, existe a marcação do sujeito primeiro (mãra hẽ 'ele(a) ERG', literalmente quer dizer ‘por causa dele(a)’) e depois eles marcam os clíticos no verbo (ti=kjẽ=sõ-ri '3.RLS=1SG.DAT=dar-PERF.', tudo isso significa que ‘ele(a) para mim dar no passado’, ou seja, ‘ele(a) me deu’). 


O Wakonã faz isso diferente, marcando apenas o tempo (presente/passado (realis) ou futuro/imperativo (irrealis)) e o sujeito e objeto da frase, como em ti=se ‘3.ERG=1.DAT’, que como vimos acima, ergativo significa ‘por causa de alguém’ (nesse caso ele(a), pois 3 = terceira pessoa (ele, ela)) e dativo significa ‘para alguém’ (nesse caso eu, pois 1 = primeira pessoa (eu)), portanto ‘por causa dele(a) para mim’. Fica esquisito, né ? Falta o verbo nesse caso, que é o próximo tópico.


O Wakonã faz mais uma coisa que o Panará não faz, ele marca o objeto da frase (a pessoa que sofre a ação), novamente, no verbo, como sufixo, ao invés de marcar o sujeito da frase, pois o sujeito só pode surgir no primeiro bloco (no ti de ti=sê e no li de ka-li-cê da frase de Antunes), a gente vê isso em bêlê-tsiê, que repete esse tsiê, que é visto como -cê em ka-li-cê, os dois significam ‘para mim’.


As duas línguas possuem um bloco de conjugação dedicado ao objeto, que é sempre o último aspecto da frase (visto que são línguas SVO). Mesmo ele tendo sido marcado de forma fraca nos dois primeiros blocos, é obrigatório marcá-lo em seu próprio bloco, no Panará é ῖkjẽ mã ‘para mim’ e no Wakonã, de acordo com baskíô, que parece usar um sistema de realis/irrealis idêntico ao Apinajé, seria wa/ba mâ ‘para mim’ (wa e ba são duas possíveis pronuncias do pronome ‘eu’).






Autor da matéria: Ari Llusan 

FRASE SÔ-SÔ PISÔRÊ DO WAKONÃ



A Frase _sô-sô pisô-rê_ está codificando o aspecto perfectivo por meio da reduplicação da raiz sô 'dor, doer, estar doente'.


Nesse caso, o falante estava usando o perfectivo para marcar o presente habitual, portanto sabemos que reduplicação era um artefato em uso na gramática do Wakonã.


Outra coisa, a frase é intransitiva e está sendo marcada na forma VS (verbo-sujeito), pois o verbo sô-sô vem primeiro, isso difere do Panará que colocaria duas coisas: a partícula realis do intransitivo jy e o verbo no final.


Sei que parece complicado o que digo, mas basicamente o que estou dizendo é a frase no Panará seria assim:


Pisore jy-sə-ri


Enquanto no Wakonã é:


sô-sô Pisô-rê


Mais uma divergência entre as duas gramáticas, que, como disse antes, parecem derivar de uma origem comum, mas se separaram após alguns séculos, antes da formação de alguns aspectos que vemos hoje no Panará moderno. Também devemos levar em consideração que sabemos que o Wakonã, Xokó e Natú são línguas mistas, portanto isso infere na forma que os dados são apresentados para nós.




Autor da matéria: Ari Llusan 

VERBO PEDIR DO WAKONÃ



Panará: piãni 'querer'

Wakonã: piãnun/piãnon 'pedir'


Isso pode não parecer muita coisa para muitos, mas essa palavra acaba de confirmar que o Wakonã passou pelo processo de palatalização do r- > y- assim como o Cayapó do Sul da Vila de São José de Mossâmedes, de todos os dialetos que são conhecidos do Cayapó do Sul, o de Mossâmedes é o único que conhecemos que passou por tal processo de palatalização do r-, isso pode indicar que membros relativos dos Cayapó dessa vila estavam presentes entre os Wakonã.


Em comparação, esse verbo deriva do verbo prãm 'ter fome, desejar', que surge em outras línguas com pr- ao invés de py- como nesses dois casos.


Mais uma coisa, isso confirma que o Wakonã tinha o sufixo do perfectivo que mostrei na publicação passada, que corresponde ao -ri ~ -ni ~ -ti, aqui talvez correspondendo como -ru ~ -nu ~ -tu.


Eu olhei essa palavra do Panará moderno e reconheci na hora.


É um cognato distante do bannahoya 'outro, diferente'


Esse pa- inicial do Panará marca 'gente', ele surge no nome deles pa-na-riá 'povo'


esse ho possui a mesma mudança sonora que o Wakonã tem com p inicial, que vira h, como vimos na palavra haî/heî 'bom', cognato do Cayapó do Sul impéj


pa-na 'gente'

po 'não'

ya '?'


pana-po-ya > 'que não é da nossa gente' > bana-ho-ya 'outro, diferente'




Autor da matéria: Ari Llusan