quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

CONTO DE KRIWAVI


 Descobri recentemente que a palavra kra-wave do Natú e kri-wavi do Xokó possuem uma raiz que significa 'arranhar, raspar', sendo ela a última sílaba de ambos (ve/vi), a teoria que levantei para o uso desse verbo é de que os povos Terejê via as fases da lua como um arranhado no céu que mudava periódicamente e que possivelmente existia um conto que falasse sobre como ela se comportava, baseado nisso me inspirei e fiz um pequeno conto da deusa lunar Kriwavi:


*Conto de Kriwavi*


 Isto foi em um tempo muito passado, Kapoìrsa-Inkó (Estrela D'Alva) ainda não havia nascido, portanto seu clã, os Hatu (Olho do Topo), não haviam ainda subido para os céus, para formar as estrelas dos dias de hoje, assim o céu era um abismo escuro assim como a terra era quando Kra-shulô (Sol) terminava a Ñimkapoìr dó Bihó (Primeira Iluminação, o período de 12 horas que o sol fica no céu). A jovem humanidade não podia tomar qualquer proveito desse horário sombrio e temia pelo que podia acontecer, não tendo segurança de atravessar a noite.


 Wanatu Añìdì (Nosso Avô Espiritual, o céu) percebeu que seus filhos tinham metade do tempo do dia cortado, decidiu que resolveria esse problema ao fazer uma segunda luz, mas antes precisava de alguém para esse trabalho, Wanatu Añìdì percebeu a ambiciosa dó kran pikuâ (a mulher que planta) Kriwavi, cujo procurava a árvore mais alta para ascender ao Céu Superior. Um dia encontrou uma semente de uma árvore do norte, chamada Wimahó (angelim) que crescia a alturas exorbitantes, "essa semente é especial" pensava Kriwavi, plantou-a de imediato e dormiu naquela noite.


 Quando sonhou, viu um bola branca e brilhante, rolando e subindo os galhos do angelim que estavam sequenciados como degraus, seu brilho girava por essa bola e transitava com um lado escuro, o topo da árvore arranhava o céu e quase perfurava ao Sonsé Ha (Céu Superior), mas Wanatu Añìdì surge e diz "sipoho yane pa siprodì!" (que se faça torto!), e assim, o Wimahó e seus galhos curvaram-se pelos céus, indo do centro ao oeste e retornando no leste, conectando-se após girar o planeta, a bola branca que Kriwavi sonhava não era um mero sonho, era o que ela havia se tornado, e enfim ela havia alcançado a abóbada celeste, e agora ela girava o céu guiada pelos galhos que dão a volta no mundo, mas incontente por não ser o céu que ela buscava encontrar, ela propositalmente se joga para cima para arranhar o céu, em busca de chegar mais além, todas as noites ela arranha seu brilho, fazendo o sumir de um lado, enquanto ele se recuperar do outro, com o propósito de abrir um buraco e ir para o Sonsé Ha, assim o ciclo continua e forma a Ñimkapoìr dó Wakañì (Segunda Iluminação, as 12 horas que a divindade Kriwavi percorre o céu).



 

Autor da matéria: Suã Ari Llusan 




quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

O CALENDÁRIO TEREJÊ IROMÔ, O CAMINHAR DAS PLÊIADES


 Este calendário é uma base dos estudos que estãos sendo feitos para aprimorar sugestões anteriores, neste são posicionados os dias de acordo com o ano do calendário sideral nomeado em Peagaxinã de Iromô 'caminhar das Plêiades':


Kriwavi Bihó = 1 da Primeira Lua até 30 (correspondendo ao 5 de Junho e 4 de Julho)

Kriwavi Wakañì = 1 da Segunda Lua até 31 (corresponde ao 5 de Julho e 4 de Agosto)

Kriwavi Wakañìkê = 1 da Terceira Lua até 31 (corresponde a 5 de Agosto e 4 de Setembro)

Kriwavi Marankañìkê = 1 da Quarta Lua até 30 (corresponde a 5 de Setembro e 4 de Outubro)

Kriwavi Mañazikîô = 1 da Sexta Lua até 30 (corresponde a 4 de Novembro e 3 de Dezembro)

Kriwavi Iro = 1 da Sétima Lua até 31 (corresponde de 4 de Dezembro até 3 de Janeiro)

Kriwavi Somzi = 1 da Oitava Lua até 31 (corresponde a 4 de Janeiro até 3 de Fevereiro)

Kriwavi Yahì = 1 da Nona Lua até 28 (corresponde a 4 de Fevereiro até 3 de Março)

Kriwavi Kramu = 1 da Décima Lua até 31 (corresponde a 4 de Março até 3 de Abril)

Kriwavi Kramu Bihó = 1 da Décima Primeira Lua até 30 (corresponde a 4 de Abril até 3 de Maio)

Kriwavi Kramu Wakañì = 1 da Décima Segunda Lua até 31 (corresponde a 4 de Maio até 3 de Junho).



 

Autores da matéria: Suã Ari Llusan e Nhenety KX 




terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

CORREÇÃO FINAL DA ETIMOLOGIA DE A'ÁLENDA


 Após rever minhas notas, consegui perceber algo que me fez traçar a etimologia dessa palavra, como discutido anteriormente, ela é um ritual Xocó que se refere a uma dança, eu ainda creio firmemente que a'á seja o mesmo que o aga de agaxi 'mutum visto no nome dos Natú, mas mudo minha visão sobre -lenda que o segue.


 A palavra -da é que me fez perceber isso, pois o som de d nunca aparece perante a vogal a herdada do Proto-Cerratense a, as únicas sílabas que seriam teoricamente capazes de produzir *da* seriam *ta ou *nda, mas isso não é possível, pois os membros do Jê Central fundem os sons de *ta e *nda Cerratenses em uma única sílaba *ta, portanto a única forma do som *d surgir é através do processo de vozeamento causado pelas vogais altas *i, *u e *y, uma das vogais capazes de produzir o som de *a no Proto-Terejê é *y, como demonstrei em minha publicação anterior sobre roça, com o malham 'mato, floresta' de malhambá 'roça' que viria do Proto-Macro-Jê *mỹrỹ 'mato, veado'.


 Portanto temos um antigo *ty virando da no Xocó, existem apenas dois candidatos que consigo especular, no Xerente se tem *dâkâ 'olhar, zelar' e *dârâ 'morrer', no Xavante dö'ö 'morrer.DUAL' e dörö 'morrer.SG', o contexto exato deste ritual me elude, mas afirmo com certidão de que se trata desse morfema, visto que os outros candidatos não possuem uma conexão exata com 'dança' ou 'mutum'.


 Talvez ren na verdade signifique 'abandonar', cognato direto do Xavante rẽ/rẽme 'abandonar, deixar' e do Xerente rẽ/rẽm/rẽmẽ 'deixar, abandonar', se esse for o caso, talvez *a'á len da* fosse uma frase que significa o 'o mutum abandona a morte', novamente, não sei dizer o contexto exato do ritual, mas ele com certeza retrata a importância dessa ave que mencionei anteriomente, ela aparece como nome para os Natú referindo aos seus passos, suas pegadas (pe-agaxi), enquanto os Xocó possuem uma dança que talvez se refira a um ato extraordinário de 'abandonar a morte', pretendo prosseguir com estes estudos para trazer mais informações referentes a esta ave e seus rituais.


 Com isso temos:


Terejê *da 'morrer, morte'


Xocó: da

Natú: dó

Wakonã: da


Terejê *rẽ 'abandonar, deixar'


Xocó: len

Natú: len, ren

Wakonã: rêm, lêm



 

Autor da matéria: Suã Ari Llusan 




domingo, 25 de fevereiro de 2024

A HISTÓRIA DA HUMANIDADE DZUBUKUÁ PARTE II: O CONTO GERAL EM DZUBUKUÁ


NASCER DA HUMANIDADE / IHA DSEHO


Dzubukuá


 Iñinhokli dseho mono bo anranke, Ñinho dimaddhyli bo ikeddette diñinholia, dadikedde hanydza pa aindhe, pa muidze, dedde kli úñewoa, ba mono buloboè dehen widdobè. Do koho ñinho iña anranihoddi, ko mo ilambuitte, ñinhokli iña bihè adse bo dzu, Iddhedzu, dinedsoli mono Bihèba Tedzi.


 Doro peidze mo hemwi añibuye dzuku, ko habuihan do wanybihè dsoho bihè pedzeya hanydza, iklikie do koho do Ñinho ñatte yette, doro morokli do pa witâne banni yoboho bihè idsekupwitte iña, innakli yadse añibuye Iddhedzu mo banam dimmeli yoboho wanyho anran diñinhoklili iña, doro morokli do dihali tedsi, bo añibuye nanhe Rihuoñeidze, Ñinho ho anran klorotti do buppi iddeho adse Añibuyeke, moro dadiñatte do ahatteddi doro iñuñu Hewj wanybihèkie, iñuñu Dzu dehen.


 Waruá Ñinho itthekli no ba iddeho dsehotte, bihè anrande dikali Padzubuye, itthekli wro anrande do ñinho anrabuiho uddha dseho, dadimmeiddadde anroloboè mono no anrabuihoidze, dadibba iddeho didseho bo battiiho. Doro idsoho krodse bydzammudde hammwj, ho imme bihè wrotte "do ñatte!", dimmeloboèli no Padzubuye doro habuihan. No bihè ukie iku, dsehotte doro kamara, doro ituittu yoboho Sopoñu, bihè dseho dikali Krârâunnú, dittheklili do tho bihè bududdu, nelu, bududdu doro merudde, kohoba, itikli bwi meru, itikli mâ mo wro ammi ta diddili. Ho iwi do bududdu, Padzubuye ubbikli merukro, kakli doro: "ibule wro ammi, do añatte mo krârâunnútti!", moroba, wikli mo krârâunnútti.


 Padzubuye ukaddi meidadde, no doro wimanni, dseho ipadzutte, dseho idhette ñuñú mekuhe no maddhy winnua, ikiâ daham, no yette bo wowoloboè daham, inaro anro: "hammaddhy, do ñatte mo ayâ!", no wro meidadde, nunua wi mo ayâ ilambwi wimanniki, maddhy buppi, yoboho yâ bo bèloboè nelú. Wimanni itthekli hemwi Oparáki, moande doihi dzuradda anrabuye Paulo Afonso mo Bahia, mo iprodzu moande doro pi no wekotte.


 Mo wro wekotte, itthekli kaya, iddhu ilokokli, anroloboè doro iddo, anroloboè doro wromme daham, unnupliboèkli mo kayeidze, itthekli hanhebuye Ampoddi, wlekiddikli: "odde kutte mo wro ?", bydzammu wlemme hany moro do ipañi ukie boètoddi, ikedde do koho. Doro hanhebuye, bo hemwi unnudde, poddsoiddadde bo kayaloboè, immekli Padzubuye do doro theppelekie keddeki anli danlandde kedde, doro immekli "do annú", beñekie nelu, anli hanhebuye, ñattekie. Hanhebuye manhemkli kaya podsoba, inne bihè dzedze ukie, mo do ikakli hany anroloboè: "Podso! Podso!", doro ipodsoa pliboè, ibbwi do koho hany bydzammu, doro inne anrabuiho yoboho daditthe deddi iprodzu, imme do koho Padzubuye wro danrake, doro pli uddha ibuiho, Idze Kaye iddeho dseho ilohiñê. Dseho klikie do koho bo itoddi, ko iddokli do koho mo ibbwidzu, diwia mo bihè yoboho, idzedzeihokli dzu, wro dzedze iboe ho hemwi.


 Ko wro waruá Ñinho hany iwikli, ho mwi beñe ilambwitte immettea mo Radda bo diñinholia, doro dimorolia klikiette do itoddi, Iddi do koho no Ñinho idô dseho witanedike añâkie, dimwikeddeli bo padzu do mwikedde bádze, ikrèa, ihaloboè radda, bo iñu politam do mwikedde ipa aindhe, bo iñu buppi do mwikedde wanagidze, anroa doro witanedike krabuo do Ñinho hany dseho immekli the yoboho. Dimwikeddeli ikrèa ikeddekli iwo krètte tikie mo kiekotto, dimwikeddeli aindhe ikeddekli itu wekôñe mara diddili no Ñinhodde, dimwikeddeli wanagidze ikeddekli do, uddha ubbitte yoboho dsebumaddhy mo bihèkliboè, doro moronu mwi ibbwittea radda idsohotteba.


 Bihè ukie, mo anra añibuye, iklo hanheba Ñinho, mo anrankedzo dinneli kunna mo anrake, doro mwimeoñekie uddha witane bwi, doro nedsokie no bihèkie dseho mo radda odde dsoho mo tehudokie, ko netto mo anrake do, wanybihè wanganle ihanhe, yoboho unnèwangâ do doro peunnú unnubappi dseho, inedso do mo anranke tehudokie, Radda doro mo buleidze. Unnèwangâ doro ñatoddi, unnè kangri bo ta tehudokie itthekie klo, inaro bihè dimalidzali boetoddi uddha dseho, ikakli Bewanddi, anro do kô iñura Anran-unnè, dimalidzali hoho buyeidze do tepelebwikli henuñekli iddhe uhamaple malanhou. Doro horodse Bewanddi bo umanrantaneke ñurâ, dadimoro witanedike hoho Mennele, Mewroppi, Kuibonne daham.


 Kôro mo hemwi, Bádze immekli hany Dzubuye, iddheinnu, hany iñura horodse Politam daham, do wia dzô Wanagidze mo Radda, imwi no iñattea hemwidde, witane doro dzia do Radda, doro bèwi mo wo, moande Politam iwi ampli, inne apluiho dimalidzalia, dadubettekie wro politam, ubbi do koho mono dimalidzali umanran, moro no wodiko. Anroa the do danrabuye, doro kedde ho dipadzu do "Idsoho umanran mo leidse", doro immea "itekieklitte mo bewam kunna!". Ipadzua, Anran-Unnè, doro wi ubbi anro dimalidzali umanran. No bèwi ho bewam, do kedze ubettekli ipóppo, witane mewodiko do kô bo mono ukiebwiiho, ko doro, do kûñe, unúddhikli dipele, dadipli ipóppo ditekieli mo bewam, daditthu ibbo idekiette uddha witane añibuye.


 Iddhe mwi ukieiho do idde iñura horodse, do doro diwili mo ampli keddettekie moande itoddi, ko no dekli do lambwi, ibuyehoho mo radda doro iñakli no ammi, doro ibakli dukiea mo radda the klo añiraddaki. No tekli klo hany Anrankedzoba, ibeñekli wromme Politam, wekoddoiddaddekli Wanagidze bo Anra Hemwi.



Português


A HISTÓRIA DA HUMANIDADE DZUBUKUÁ PARTE II: O CONTO GERAL 


NASCER DA HUMANIDADE / IHA DSEHO


 O humano foi criado em semelhança ao celestial, Nhinhó pessoalmente se responsabilizou da educação de sua criação, ensinando-lhes a caçar, pescar, fazer ocas e canoas, e mais importante de tudo, viver em comunidade. Havia criado vários do que viriam a ser considerados hoje como homem, mas no final criou algo diferente das coisas que havia criado antes, também era uma entidade viva, mas era uma entidade que vinha das águas, a Mãe D'Água, também conhecida como a Primeira Mulher.


 Os indígenas louvavam sua divindade aquática, mas o fato de apenas haver uma os chateavam, eles suplicaram para Deus que fizesse algo sobre, foi então que Nhinhó decidiu matar dois coelhos com uma cajadada, ele repartiu a divindade da Mãe D'Água em pedaços que correspondessem à quantidade de homens que ele criou, foi daí que nasceu a mulher, da deusa que governava o lago sagrado, Deus conectou o homem parcialmente com a essência da Deusa, assim fazendo com que todas as gerações futuras fossem descendentes tanto do Ar quanto da Água.


 Um aspecto de Deus veio a viver com os indígenas, um amigo, chamado de Padzubuye (Grande Pai), esse amigo veio a formar uma família entre o povo, cuidando sempre de todos como se fossem parte de sua família direta, vivendo com seu povo por anos e anos. Tinha poderes sobrehumanos, ao falar uma simples frase "do ñatte!", tudo que ele dissesse depois disso tornava-se realidade. Em um dia de banquete (iku), os indígenas cantavam e celebravam com o Sopoñu, uma indígena chamada Kraraunnu, que veio lhe servir uma moqueca (bududdu), no entanto, a moqueca estava bichada, isto é, uma mosca pousou e pôs ovos nela antes de ser entregue. Ao ir comer a moqueca, Padzubuye notou os bichos e gritou "ibule wro ammi, do añatte mo kraraunnutti!" (está ruim essa comida, que vire um sapo-cururu!), e assim, transformou Kraraunnu em um sapo-cururu, criando assim o kraraunnutti (animal roncador, cururu).


 Padzubuye não gostava de insistência, quando estavam viajando, os indígenas pais e mães das crianças reclavam do peso das crianças e do fato de que teriam que carregá-las o caminho todo, por conta disso ele disse: "hammaddhy, do ñatte mo ayaa!" (que assim seja, que virem mandacarus!), e por conta da insistência, as crianças viraram mandacarus até o final da viagem, menos pesados, mas agora com espinhos por todos os lados. A viagem os levou até o alto Opará, onde hoje se encontra a Ilha da cidade de Paulo Afonso na Bahia, numa cachoeira onde pararam para descansar.


 No que foi esse descanso, a noite chegou, e fogueira foi acessa, todos comeram e conversaram, um a um caiu de sono naquela madrugada, chegou o cacique (hanhebuye) Ampoddi e perguntou: "odde kutte mo wro ?" (por que viemos para cá ?), o pajé (bydzammu) Padzubuye disse que assim que a luz do sol surgir, ele diria. Então o cacique, mesmo sonolento, ficou acordado a noite toda, o Padzubuye disse que não ia embora até dizer o que queria dizer, então disse para ele dormir, mas ele foi teimoso e não o fez, virou a noite e viu os primeiros raios do sol, no que gritou para todos: "Podso! Podso!" (Acordem! Acordem!), todos acordaram e foram em direção ao pajé, viram que a família dele e ele se aproximaram da cachoeira, Padzubuye disse que era sua hora, e que deixava entre eles sua parenta, a Dzo Kaye (Estrela D'Alva) junto com membros de seu clã. Os indígenas suplicavam para que ficasse, mas eles já haviam entrado na correnteza e virado uma com ela, a água brilhou forte, e essa luz incandescente subiu aos céus.


 Mas este aspecto voltou ao Deus Criador, e ao ouvir as últimas palavras na terra vindas de sua criação, que eram os pedidos de que ficasse, Deus então deu para a humanidade três rituais novos, comandados pelo pai que governa o fumo, e por extensão, as plantas e todos os produtos da terra (Badzè), pelo filho maior que governa a caça (Politam) e pelo filho caçula que governa os sonhos (Wanagidze), estes então eram os três pilares que Deus proclamou para a humanidade seguir. O governante das plantas e das artes de seu cultivo ensinou as técnicas de plantio de inúmeras plantas, o governante da caça ensinou o uso balanceado dos recursos dados pelo divinal e o governante dos dos sonhos (wekôñe 'boa proibição, balanço, controle, equilíbrio'), ensinou que, através da interpretação cuidadosa de cada um, era possível guiar os passos do mundo material.


 Um dia, na casa dos três deuses, logo abaixo do reino de Nhinhó, nas nuvens que vemos no céu, houve um desentendimento entre os dois irmãos, nenhum ser humano sabe o que exatamente houve naquela briga, mas recorda-se que na época, apenas a escassez reinava, junto aos pesadelos que atormentavam o sono das pessoas, sabe-se que durante esta época de briga, o mundo estava em caos. Os pesadelos cessaram, mas os sonhos auspiciosos que eram vistos antes da briga não retornaram, por conta disso, um guerreiro (dimalidzali) surgiu entre os indígenas, chamado de Bewanddi (bewan-ddi 'futuro tronco'), ele era descendente de Anran-unnè (anran 'homem' + unnè 'sonhar'), outro guerreiro importante que surgiu e protegeu sua mãe de um caititu (malan-hou). Bewanddi era o mais velho de quatro filhos, sendo os outros três Mennele (menne-le 'pequeno corajoso'), Mewroppi (me wro-ppi 'fala pouco') e Kuibònne (kuibò-nne 'visão de carcará').


 Ainda no céu, Badzé diz para Dzubuye (rio, literalmente 'água grande'), que é sua esposa, e para seu filho mais velho, Politam (jovem) irem buscar Wanagidze na terra e trazê-lo voltar para suas funções divinas, os dois descem para a terra e chegam em uma estrada, onde Politam segue adiante e vê um grupo de guerreiros, ele sai de uma moita em busca de informação, mas os quatro guerreiros, sem reconhecer esse jovem estranho, presumem de que se trata de um guerreiro inimigo, e assim o atacam. Eles voltam para sua aldeia e avisam que encontraram um inimigo para seu pai: "Idsoho umanran mo leidse! Itekieklitte ho bewam kunna!" (Tem um inimigo na floresta! Amarramos ele no tronco!), o pai deles, Anran-Unnè, foi checar esse guerreiro inimigo. Quando chegou no tronco, imediatamente reconheceu seu irmão, os dois discutiram pelo que pareceram horas, mas então, friamente, decidiu ir embora e deixá-lo amarrado no tronco, iniciando daí a inimizade entre estes dois deuses.


 Sua mãe demorou dias para encontrar seu filho mais velho, que havia ido na frente sem avisar em qual direção iria parar, mas quando o encontrou finalmente, seu corpo mortal já havia falecido por conta fome, ela viveu seus dias na terra até voltar para o mundo espiritual. Quando voltou para a Abóbada das Nuvens (Anrankedzoba), ouviu a história de Politam e baniu Wanagidze da Maloca Celestial.




 

Autor da matéria: Suã Ari Llusan 




sábado, 24 de fevereiro de 2024

A HISTÓRIA DA HUMANIDADE DZUBUKUÁ PARTE II: O CONTO GERAL


NASCER DA HUMANIDADE / IHA DSEHO


 O humano foi criado em semelhança ao celestial, Nhinhó pessoalmente se responsabilizou da educação de sua criação, ensinando-lhes a caçar, pescar, fazer ocas e canoas, e mais importante de tudo, viver em comunidade. Havia criado vários do que viriam a ser considerados hoje como homem, mas no final criou algo diferente das coisas que havia criado antes, também era uma entidade viva, mas era uma entidade que vinha das águas, a Mãe D'Água, também conhecida como a Primeira Mulher.


 Os indígenas louvavam sua divindade aquática, mas o fato de apenas haver uma os chateavam, eles suplicaram para Deus que fizesse algo sobre, foi então que Nhinhó decidiu matar dois coelhos com uma cajadada, ele repartiu a divindade da Mãe D'Água em pedaços que correspondessem à quantidade de homens que ele criou, foi daí que nasceu a mulher, da deusa que governava o lago sagrado, Deus conectou o homem parcialmente com a essência da Deusa, assim fazendo com que todas as gerações futuras fossem descendentes tanto do Ar quanto da Água.


 Um aspecto de Deus veio a viver com os indígenas, um amigo, chamado de Padzubuye (Grande Pai), esse amigo veio a formar uma família entre o povo, cuidando sempre de todos como se fossem parte de sua família direta, vivendo com seu povo por anos e anos. Tinha poderes sobrehumanos, ao falar uma simples frase "do ñatte!", tudo que ele dissesse depois disso tornava-se realidade. Em um dia de banquete (iku), os indígenas cantavam e celebravam com o Sopoñu, uma indígena chamada Kraraunnu, que veio lhe servir uma moqueca (bududdu), no entanto, a moqueca estava bichada, isto é, uma mosca pousou e pôs ovos nela antes de ser entregue. Ao ir comer a moqueca, Padzubuye notou os bichos e gritou "ibule wro ammi, do añatte mo kraraunnutti!" (está ruim essa comida, que vire um sapo-cururu!), e assim, transformou Kraraunnu em um sapo-cururu, criando assim o kraraunnutti (animal roncador, cururu).


 Padzubuye não gostava de insistência, quando estavam viajando, os indígenas pais e mães das crianças reclavam do peso das crianças e do fato de que teriam que carregá-las o caminho todo, por conta disso ele disse: "hammaddhy, do ñatte mo ayaa!" (que assim seja, que virem mandacarus!), e por conta da insistência, as crianças viraram mandacarus até o final da viagem, menos pesados, mas agora com espinhos por todos os lados. A viagem os levou até o alto Opará, onde hoje se encontra a Ilha da cidade de Paulo Afonso na Bahia, numa cachoeira onde pararam para descansar.


 No que foi esse descanso, a noite chegou, e fogueira foi acessa, todos comeram e conversaram, um a um caiu de sono naquela madrugada, chegou o cacique (hanhebuye) Ampoddi e perguntou: "odde kutte mo wro ?" (por que viemos para cá ?), o pajé (bydzammu) Padzubuye disse que assim que a luz do sol surgir, ele diria. Então o cacique, mesmo sonolento, ficou acordado a noite toda, o Padzubuye disse que não ia embora até dizer o que queria dizer, então disse para ele dormir, mas ele foi teimoso e não o fez, virou a noite e viu os primeiros raios do sol, no que gritou para todos: "Podso! Podso!" (Acordem! Acordem!), todos acordaram e foram em direção ao pajé, viram que a família dele e ele se aproximaram da cachoeira, Padzubuye disse que era sua hora, e que deixava entre eles sua parenta, a Dzo Kaye (Estrela D'Alva) junto com membros de seu clã. Os indígenas suplicavam para que ficasse, mas eles já haviam entrado na correnteza e virado uma com ela, a água brilhou forte, e essa luz incandescente subiu aos céus.


 Mas este aspecto voltou ao Deus Criador, e ao ouvir as últimas palavras na terra vindas de sua criação, que eram os pedidos de que ficasse, Deus então deu para a humanidade três rituais novos, comandados pelo pai que governa o fumo, e por extensão, as plantas e todos os produtos da terra (Badzè), pelo filho maior que governa a caça (Politam) e pelo filho caçula que governa os sonhos (Wanagidze), estes então eram os três pilares que Deus proclamou para a humanidade seguir. O governante das plantas e das artes de seu cultivo ensinou as técnicas de plantio de inúmeras plantas, o governante da caça ensinou o uso balanceado dos recursos dados pelo divinal e o governante dos dos sonhos (wekôñe 'boa proibição, balanço, controle, equilíbrio'), ensinou que, através da interpretação cuidadosa de cada um, era possível guiar os passos do mundo material.


 Um dia, na casa dos três deuses, logo abaixo do reino de Nhinhó, nas nuvens que vemos no céu, houve um desentendimento entre os dois irmãos, nenhum ser humano sabe o que exatamente houve naquela briga, mas recorda-se que na época, apenas a escassez reinava, junto aos pesadelos que atormentavam o sono das pessoas, sabe-se que durante esta época de briga, o mundo estava em caos. Os pesadelos cessaram, mas os sonhos auspiciosos que eram vistos antes da briga não retornaram, por conta disso, um guerreiro (dimalidzali) surgiu entre os indígenas, chamado de Bewanddi (bewan-ddi 'futuro tronco'), ele era descendente de Anran-unnè (anran 'homem' + unnè 'sonhar'), outro guerreiro importante que surgiu e protegeu sua mãe de um caititu (malan-hou). Bewanddi era o mais velho de quatro filhos, sendo os outros três Mennele (menne-le 'pequeno corajoso'), Mewroppi (me wro-ppi 'fala pouco') e Kuibònne (kuibò-nne 'visão de carcará').


 Ainda no céu, Badzé diz para Dzubuye (rio, literalmente 'água grande'), que é sua esposa, e para seu filho mais velho, Politam (jovem) irem buscar Wanagidze na terra e trazê-lo voltar para suas funções divinas, os dois descem para a terra e chegam em uma estrada, onde Politam segue adiante e vê um grupo de guerreiros, ele sai de uma moita em busca de informação, mas os quatro guerreiros, sem reconhecer esse jovem estranho, presumem de que se trata de um guerreiro inimigo, e assim o atacam. Eles voltam para sua aldeia e avisam que encontraram um inimigo para seu pai: "Idsoho umanran mo leidse! Itekieklitte ho bewam kunna!" (Tem um inimigo na floresta! Amarramos ele no tronco!), o pai deles, Anran-Unnè, foi checar esse guerreiro inimigo. Quando chegou no tronco, imediatamente reconheceu seu irmão, os dois discutiram pelo que pareceram horas, mas então, friamente, decidiu ir embora e deixá-lo amarrado no tronco, iniciando daí a inimizade entre estes dois deuses.


 Sua mãe demorou dias para encontrar seu filho mais velho, que havia ido na frente sem avisar em qual direção iria parar, mas quando o encontrou finalmente, seu corpo mortal já havia falecido por conta fome, ela viveu seus dias na terra até voltar para o mundo espiritual. Quando voltou para a Abóbada das Nuvens (Anrankedzoba), ouviu a história de Politam e baniu Wanagidze da Maloca Celestial.




 

Autor da matéria: Suã Ari Llusan 




A HISTÓRIA DA HUMANIDADE DZUBUKUÁ PARTE I

 

Bernardo de Nantes produziu com ajuda de Martinho de Nantes, o conteúdo que viria ser a base documentada da cultura Dzubukuá, os dois descreveram alguns contos importantíssimos da cultura dos indígenas de Wracapá, o primeiro foi com a menção de que o Deus Criador (Menerurú de Serafim Leite, Nhinhò dos Dzubukuá) enviou um amigo para a terra, este amigo é o mesmo que vemos no último texto sobre os comentários do Conto de Pissôrê Wakonã, como os Wakonã também se identificavam diretamente como Kariri, é possível que o conto de Pissôrê fosse uma parcela daquela história vista na "Relação de uma Missão no Rio São Francisco" de Martinho de Nantes, explicarei de forma resumida.


 Primeiro, seguiremos de onde parei, o Deus Criador do Universo tinha um amigo, esse amigo foi enviado para a terra para viver com os indígenas, o propósito nunca é explicado diretamente, mas pode-se presumir que o propósito do Amigo era trazer o conhecimento para a humanidade, quando ele chegou, ele viveu entre os indígenas por anos, casou-se, teve filhos e filhas e formou uma família inteira, tanto que o conto de Pissôrê diz que a Estrela D'Alva é uma parenta do pajé, nunca diz se é uma filha, prima, sobrinha ou qualquer coisa do tipo. Pode-se inferir que ela era mais nova, portanto de uma geração que veio depois do Amigo, pois o conto Dzubukuá diz claramente que o Amigo, lá chamado de Grande Pai, era velho fisicamente, se Pissôrê e o Grande Pai forem a mesmo pessoa, isso significa que o Amigo foi trasladado para o mundo espiritual em uma idade já avançada ou sempre teve uma idade avançada em sua aparência.


 O Amigo ensinou tudo que podia para o povo Terejê-Kariri, e sempre estava disposto a ajudá-los quando necessário, mas uma coisa consistente sobre essa entidade é seu comportamento irritadiço, é claramente implicado que se ele for perturbado demais por qualquer coisa, ele a fará, mas haverá uma pegadinha por trás, mostrando que esse Amigo é um herói civilizador com características de um trickster, um exemplo claro disso é quando os Dzubukuá pedem por caititus (malan-hou-a na língua, malan 'mata, selvagem' + hou 'porco, caititu' + -a 'plural'), o Amigo talvez estivesse irritado pela insistência, pois mandou-os sair para caçarem, no qual tomou a oportunidade para transformar as crianças em caititus, quando os indígenas voltaram, perceberam a falta das crianças, mas não questionaram o Amigo. "Vocês queriam javalis, vão à caça e os encontrareis", disse o Grande Pai, mas o Amigo fez os javalis subirem uma grande árvore, no qual também subiu em seguida, a história continua descrevendo como os indígenas fizeram para alcançar, ela também justifica porquê os humanos tem linhas nas mãos, explicando que foi porquê caímos da árvore na busca pelos javalis.


 Depois de recuperarem os seus filhos, agora catetos, comeram-nos arrebentados. Aqui o conto se diverge na versão Wakonã para a versão Dzubukuá, ou melhor, a linha do tempo talvez não esteja bem descrita ou talvez sejam interpretações que cada divisão da nação Kariri fez. Os Wakonã e Dzubukuá concordam que o Amigo voltou para o mundo espiritual, mas o conto Dzubukuá pula diretamente para quando os indígenas suplicaram pela volta dele, o Grande Pai respondeu ao mandar no seu lugar três espíritos: Badzé (Fumo), Politam (Jovem) e o Wanagidzé (Sonhos), cujo talvez seja um simbolismo para representar a chegada/introdução desses três rituais na religião Kariri.


 Os Wakonã dizem que ele voltou para o mundo espiritual, que sua parenta Estrela D'Alva guiou outra parte do povo para o céu, tornando-se as estrelas, assim temos uma conclusão da primeira humanidade e a sobrevivência de algumas famílias em dois grupos distintos: Irô Atêrêgin (Povo das Estrelas) e o Atícêrê Atêrêgin (Povo na Terra).


 A ênfase que a cultura Kariri dá para o céu não para apenas aí, é notável que existem menções diretas do céu e do criador como entidades relacionadas uma a outra, os Xocó e Wakonã chamam seu Deus de Sonsé, assim como chamam seu céu de Sonsé, cujo derivam de palavra antigas que significam 'para cima, acima', cognatos distantes do Tupi Antigo çoçé 'acima'. Serafim Leite anota sobre Menerurú, 'deus que subsiste no ar' de acordo com o padre, novamente dando ênfase naquilo que está acima de nós, o ato da Estrela D'Alva subir aos céus com seu povo e tornarem-se as estrelas que pintam a abóbada noturna pode ser um simbolismo para o retorno ao divino, ancestrais nossos que não ficaram na terra, mas alcançaram a eternidade, um objetivo e esperança dessa cultura. Como Nhenety me descreveu, o projeto original divino era a imortalidade do homem e da mulher, tanto em corpo como em alma, mas a decadência da humanidade vem aos poucos cortando essa conexão com o divinal.




 

Autor da matéria: Suã Ari Llusan 




sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

PAI NOSSO EM PEAGAXINÃ


Wamasu Sonsé bakîô mó sonsé ti, 


Nosso pai Deus aquele que está no céu


Hêwazidì pró odì ze


Santificado oxalá teu nome


Ñaridì pró odì tuzô


Feito oxalá teu querer


Yanê-pa mó atisêrê, yanê-pa mó sonsé ti, 


Que seja assim na terra, que seja assim no céu


waréró kobê waronidì wakuâ mó kapoìr kóhô, 


Beiju estrangeiro (pão) nosso nos dê neste dia


Ra-pa omene dì waronidì wongènan,


Que deixes tua ira por nossos pecados


Yanê mónó wadoshi ra wamene dì waronidì mêwongèkîônan, 


Assim como deixamos nossa ira pelos nossos ofensores


Wara-pa tók tê zi mó wongètuzô, 


Que não deixe-nos cair em tentação


Kó mótê manì wongè wabó, yanê-pa.


Mas faça ir longe o mal de nós, que assim seja (amém).




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 





A ETIMOLOGIA FINAL DE KUZI


 Faltando apenas um elemento para concluir essa palavra, aqui falarei das duas primeiras sílabas ku-zi, cujo foram herdadas do Proto-Jê Central, seus cognatos são facilmente encontrados no dicionário de Lachnitt de 1984 da língua Xavante:


'u = 'chifre' < derivado de um antigo *ku

dzidi = 'brilhar, cintilar'


 Assim formando 'u-dzi, cujo no Xavante adquiriu o sentido de lanterna, para traduzir esse objeto civilizado, aqui no entanto ele adquiriu um sentido que traduz um conceito nativo, que é 'cachimbo', sendo chamado de ku-zi 'chifre que brilha', referindo possivelmente à antiga forma que esses cachimbos eram feitos.


 Aproveito também, visto que o Xavante derivou essa palavra para 'lanterna', para também trazer a interpretação Kariri-Xocó desse conceito, graças a Nhenety, a palavra Natú para lanterna é um composto que se fala assim:


Natú: zishabari nó kuzi 'brilha com o fogo e fumo no cachimbo'


Tradução de cada palavra:


zi-sha-bari 'brilhar-fogo-fumo'

nó 'dentro de' (da mesma raiz que o Kipeá NÒ)

ku-zi 'chifre-brilhar', ou seja, 'cachimbo'




 

Autor da matéria: Suã Ari Llusan 




quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

OS TRÊS VERBOS IMPLÍCITOS DO PEAGAXINÃ


 Uso aqui o mesmo termo que Mamiani usou em sua gramática da língua Kipeá para descrever os três verbos implícitos daquela língua Kariri: sum. No latim, este verbo tem função identica aos verbos do português: ser, estar e haver, verbos estes nunca marcados diretamente em uma frase Kariri, tal uso é idêntico no Peagaxinã, é possível ver que tal estrutura está bem atestada tanto no Akuwẽ e no Kipeá, a língua Kariri que foi influenciada pelo Natú.



VERBO TER/HAVER


 Digo isso por que o Kipeá como língua Kariri parece ter tido o verbo 'haver' em seu vocabulário (WÀ), mas nunca o usou para marcar posse, eu discuti sobre isso em outra publicação que fiz sobre a posse no Kariri e a influência dos Jê do Cerrado sobre essa família: https://kxnhenety.blogspot.com/2023/11/influencia-dos-je-do-cerrado-no-kariri.html

 Com isso, pode-se inferir que o Terejê não diferia da marcação típicamente vista no Macro-Jê e que foi adotada pelo Kariri, onde o verbo 'ter, possuir' não existe diretamente e o possessivo é marcado de forma direcional, isto é, o objeto possuido é direcionado por adposições para seu possuidor, ao invés de 'eu tenho uma casa', diz-se 'existe uma casa para mim', o Peagaxinã não se difere, usando da posposição locativa-dativa mó, conjugada pela série acusativa:


1) krì a-mó = 'casa para mim' > 'eu tenho uma casa'


2) numentia o-mó bó ? = 'irmão para ti talvez ?' > 'tu tem um irmão ?'


3) marankañìkêkó mañazikîô iro i-mó = 'quarenta e seis anos para ele(a)' > 'ele(a) tem quarenta e seis anos de idade'


4) ñakraza wakañì a-mó, mó-pa ihônan ? = 'chaves duas para mim, onde outras ?' = 'tenho duas chaves comigo, cadê as outras ?'


 Estes são alguns exemplos da posse, agora passando para o verbo SER.



VERBO SER


 O verbo SER na maioria das línguas indígenas do Brasil são marcados de forma inexpressa, ou seja, implicados na construção frasal, se eu digo 'João bonito', entende-se que eu disse 'João É bonito', 'Maria alta' = 'Maria é alta' e assim por diante. As frases encontradas no Wakonã, língua aparentada do Natú, não se acha qualquer forma de marcação do verbo ser, também não existem evidências de um verbo ser separado, mas existe o sufixo predicativo que logo irei falar sobre.


 Dando continuidade ao verbo em sim, como dito nunca é expresso diretamente na frase, portanto se diz:


1) Menso kanikó Karlus mi-do tanshino = 'O padre Carlos é recém-chegado'


2) Nó maradó mi-do Agalenda we = 'Amanhã é dia de Agálenda (dança do mutum)'


3) Mi-do-shi yane, o-krada a-wê ? = 'foi assim, entedeu o que eu disse/mostrei ?'


 Apesar de mi-do aparecer na posição esperada do verbo SER, ele na verdade está marcando o Tempo da frase. Mi- é a terceira pessoa 'ele, ela' e -do é o tempo realis, que marca o presente e o passado perfeito dependendo de adposições que indicam qual é qual. Isso é demonstrável no terceiro exemplo, que diz mi-do-shi, marcando a terceira pessoa, o realis e o shi, que significa 'velho', marca o passado perfeito, portanto mi-do-shi = 'ele(a) quem no passado' e depois disso o verbo surge marcando a ação.



VERBO ESTAR


 Muitas línguas do mundo não diferem o conceito de SER e ESTAR, o inglês é um exemplo disso, usa-se o verbo BE tanto para dizer algo como i am happy 'estou feliz' quanto i am old 'sou velho', o Kipeá parecia possuir um sistema híbrido, onde em alguns casos o verbo BA era usado para denotar a ação de 'estar, viver, morar', mas em outros, principalmente em frases interrogativas, tal verbo era ignorado, portanto não se diz algo como 'onde você está ?', apenas diz-se 'onde tu ?', o Peagaxinã replica tal sistema, visto que o verbo BA também existe nessa língua, portanto:


1) Wa wado ba mó krì kóhô = 'eu estou em casa esta' > 'estou nessa casa' ou 'eu moro nessa casa'


Porém


2) Mó-pa kaliza nókóhô ? = 'onde tu agora ?' > 'onde você está agora ?'




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 








terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

DESCOBERTA FINAL DA ETIMOLOGIA DO NOME TEREJÊ


 Após várias análises do vocabulário Macro-Jê, especificamente dos membros do ramo Cerratense, descobri um sufixo interessante que havia deixado passar nas últimas visitas aos documentos que venho usando. Neste caso, deixe passar a última sílaba do nome -gin/-zì/-gê, cujo não havia na época associado com o sufixo plural e coletivo do Jê Setentrional -jê.


 Sabe-se também que o prefixo a- equivale ao da- Akuwẽ, marcando a terceira pessoa humana genérica, por isso surge nas variantes Wakonã a-têrê-gin e a-tê-gin, pois se refere a humanos, demonstrando então que -gin marca o coletivo deste grupo de humanos.


 Demorei para encontrar algo que batesse diretamente com -têrê- e -tê-, mas concluo aqui, que com o registro do nome mõteregê feito pelo pajé Suíra, esta palavra se trata do verbo Proto-Cerratense *tẽ 'ir (singular)', isso explicaria o por que de a-têrê-gin e a-tê-gin se referirem ambos ao 'indígena' no singular e implicaria que mõ-têrê-gê se refere ao 'grupo de indígenas, nação, povo', pois mõ deriva do verbo *mõ 'ir (plural)', marcando que os participantes do verbos são muitos.


 Portanto concluo que os nomes registrados significam:


a-têrê-gin = 'migrante, indígena Terejê'

a-tê-gin = 'migrante, indígena Terejê'

mõ-têrê-gê = 'migrantes, povo Terejê'

zi-tók = 'não-jê, que não é parte do coletivo Terejê'


 Essa descoberta final nos traz implicações grandes para o processo histórico dos povos Terejê, indicando-nos que eles se consideravam 'aqueles que andam, aqueles que vão', ou seja 'migrantes', para um povo se autodeclarar de tal forma, tornando tal palavra na sua palavra para 'indígena' em geral, demonstra que, desde os primórdios dessa cultura e nação como um membro distinto dos grupos Jê, esse povo andava pelas terras do Brasil, desde a Amazônia no norte, o cerrado no Centro do país até a caatinga no Nordeste, onde finalmente se assentaram.



Autor da matéria: Suã Ari Llusan 




SUGESTÃO PARA RECONSTRUÇÃO E NEOLOGISMOS DOS NOMES DE ANIMAIS DO PEAGAXINÃ - PARTE III


 Os próximos animais são aves da terra nativa dos Natú, Alagoas. Esta a primeira porção de aves, a lista será dividida em algumas partes devido a quantidade de espécies:


Saíra-pintor (Tangara fastuosa) = kréña sôrñi (kréña (kré 'mancha, tinta, manchar, pintar' + ña 'criar, fazer') + sôrñi 'saíra')


Coruja buraqueira (Athene cunicularia) = mókre mâshi (mó-kré 'causar buraco, esburacar' + mâ 'coruja' + shi 'ave')


Gaturamo-verdadeiro (Euphonia violacea) = kadoshi (ka 'cantar' + do 'muito' + shi 'ave' = ka-do-shi 'ave que canta muito', tradução de gurinhatã do Tupi Antigo)


Canário-da-terra (Sicalis flaveola) = âtihi kishaka (âtihi 'terra' + kishaka 'amarelo')


Picapauzinho-da-caatinga (Picumnus limae) = kiñiha maraka wìkran (kiñiha 'pequeno' + mara-ka 'mata branca, caatinga' + wì-kran 'come-pau')


Casaca-de-couro-amarelo (Furnarius leucopus) = kuña hókishaka (kuña 'vestir' + hó-kishaka 'pele amarela')


Gavião-preto (Urubitinga urubitinga) = kran kuibó (kran 'escuro' + kuibó 'ave de rapina')


Suiriri-cinzento (Suiriri suiriri) = sozoshire kishagó (so-zo 'piranha, tesoura' + shi-re 'passarinho' + kishagó 'cinza)


João-de-pau (Phacellodomus rufifrons) = kitagida (ki 'lenha' + ta 'pegar' reduplicado: kita-kita > kita-gida)


Arapaçu-de-bico-branco (Dendroplex picus) = wìkushi (wì 'madeira' + ku 'bater' + shi 'ave')


Risadinha (Camptostoma obsoletum) = hàhàre (hàhà 'rir, risada' + -re 'sufixo diminutivo')


Andorinha-do-rio (Tachycineta albiventer) = krananan buridsi (krananan 'água, rio' + buridsi 'passarinho, andorinha')


Casaca-de-couro (Pseudoseisura cristata) = hókuña (hó- 'classificador de peles' + kuña 'vestir')


Ferreirinho-relógio (Todirostrum cinereum) = taure zakrati (tau 'ferro' + -re 'diminutivo' + zakrati 'contar, enumerar')


Beija-flor-vermelho (Chrysolampis mosquitus) = pré irashi (pré 'vermelho' + i-ra 'flor' + shi 'ave')


Saíra-de-papo-preto (Hemithraupis guira) = kran wodó sôrñi (kran 'escuro' + wodó 'queixo' + sôrñi 'saíra')


Tuim (Forpus xanthopterygius) = sô zuka (sô 'ave psitaciforme' + zu-ka 'verde-claro')


Figuinha-de-rabo-castanho (Conirostrum speciosum) = sudó bó sarôzarô (su-dó 'folha morta, marrom' + bó 'rabo, cauda, pênis' + sarô 'saltar, pular' reduplicado: sarô-sarô > sarô-zarô)


Besourinho-de-bico-vermelho (Chlorostilbon lucidus) = pré wariza kiazuka (pré 'vermelho' + wariza 'boca' + kiazuka 'pedra verde, esmeralda')



Autor da matéria: Suã Ari Llusan 








segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

SUGESTÃO PARA RECONSTRUÇÃO E NEOLOGISMOS DOS NOMES DE ANIMAIS DO PEAGAXINÃ - PARTE II


 Continuando de onde paramos, os próximos animais são domésticos, seja de estimação ou criação, incluindo os previamente citados:


Boi doméstico (gado, Bos taurus) = krazó (kra 'anta' + zó 'assar')

-> Vaca pode também ser referida como krazó, mas se preferir, também se pode dizer krazó pikuâ 'gado fêmea', e se necessário especificar que é macho, krazó menzikîô 'gado macho', o mesmo serve para todos os outros animais.


Ovelha doméstica (Ovis aries) = seprun (se 'cabelo, lã' + prun 'veado')


Cabra (Capra aegagrus hircus) = goprun (go 'chifre' + prun 'veado')


Galinha (Gallus gallus domesticus) = kaki (ka 'cantar, gritar' + ki 'ave')


Cavalo (Equus ferus caballus) = suña (su 'socar' + ña 'criar' = suña 'trotar')


Porco doméstico (Sus scrofa domesticus) = krìwó (krì 'casa' + wó 'caititu, porco')





Autor da matéria: Suã Ari Llusan 








SUGESTÃO PARA RECONSTRUÇÃO E NEOLOGISMOS DOS NOMES DE ANIMAIS DO PEAGAXINÃ - PARTE I


 O Peagaxinã demonstra que estava passando por mudanças em seu léxico, sua palavra para 'ovelha' sendo uma junção de se 'cabelo, lã' (cognato do Xerente ze 'cabelo') + prun (cognato do Xerente po/ponê e do Xavante po/pone), formando se-prun 'veado da lã'.


 Logo de cara vemos o processo neológico deste composto, onde 'veado' deixa de categorizar somente os cervídios e começa a categorizar membros da infraordem Pecora, onde se encontram não só os cervídeos como também os bovídeos, que incluem o bovinos, caprinos e alguns outros. Essa palavra também nos indica que os adjetivos do Peagaxinã podem e parecem ter maior preferência de virem antes do nome, formando uma ordem DAN (determinante-adjetivo-nome). Sugiro portanto, seguindo tal lógica os seguintes grupos para facilitar a divisão:



Cervídio = prunti (prun 'veado' + -ti 'aumentativo')


Capreolinae = goprunre (goprun 'cabra' + -re 'diminutivo')


Veado (genérico) = prun dówi, prunti (prun 'veado' + dówi 'verdade, verdadeiro')


Mazama = kiaduze (kiadu 'montanha' + ze 'animal')


Veado catingueiro (Mazama gouazoubira) = wìmaraka prun (wìmaraka 'caatinga' (wìmara 'mata' + ka 'branco') + prun 'veado' )


Veado campeiro (Ozotoceros bezoarticus) = zaku prun (zaku 'abrir, aberto, campo' + prun 'veado')


Veado roxo (Mazama nemorivaga) = kran prun (kran 'escuro, azul escuro, roxo' + prun 'veado')


Veado-mão-curta (Mazama nana) = kiñiha prun (kiñiha 'pequeno' + prun 'veado')


Veado-mateiro (Mazama americana) = pré prun (pré 'vermelho' + prun 'veado')


Veado-mateiro-pequeno (Mazama bororo) = pré prunre (pré 'vermelho' + prun 'veado' + -re 'diminutivo')


Veado-mateiro-anão (Mazama chunyi) = kiñiha pré prun (kiñiha 'pequeno' + pré prun 'veado mateiro')



Bovídeo = krazóti (kra 'anta' + zó 'assar' + -ti 'aumentativo')


Subfamília Antilopinae = ikowatôtóti (i-ko 'chifre dele' + watôtó 'não cai' + -ti 'aumentativo')


Tribo Caprini = goprun zeti akóma (goprun 'cabra' (go 'chifre' + prun 'veado') + ze-ti 'classificação de animal, gênero de animal' + akóma 'grande')


Gênero Capra = goprun zeti (goprun 'cabra' + ze-ti 'classificação de animal, gênero de animal')


Cabra (Capra aegagrus hircus) = goprun (go 'chifre' + prun 'veado')


Cabra selvagem (Capra aegagrus) = maragoprun (mara 'mata, floresta' + goprun 'cabra')


Íbex (uso genérico, mas também especificamente Capra ibex) = goprun ishigó mó wó ('cabra cujo (o chifre) curva para trás')



Gênero Ovis = seprun zeti (se 'cabelo, lã' + prun 'veado' + ze-ti 'gênero de animal')


Ovelha doméstica (Ovis aries) = seprun (se 'cabelo, lã' + prun 'veado')


Carneiro-selvagem (Ovis canadensis) = marazeprun (mara 'mata, floresta' + seprun 'ovelha')


Subfamília Bovinae = krazóbó (krazó 'gado' + bó 'todo, tudo')


Gênero Bos = krazó zeti akóma (krazó 'gado' + ze-ti 'classificação de animal, gênero de animal' + akóma 'grande')


Bisão-americano (Bos bison) = ikuduti (i-ku 'ele come' + du 'capim' + -ti 'aumentativo' = i-ku-du-ti 'grande pastador')


Yak (Bos mutus) = krazó izedu (krazó 'gado' + i-zedu 'ele é cabeludo')


Boi doméstico (gado, Bos taurus) = krazó


Gênero Bubalus = krazóhó (krazó 'gado' + hó 'diferente, outro')


Búfalo-d'água-doméstico (Bubalus bubalis) = krazóhó krahunan (krazóhó 'búfalo' + krahunan 'água')


Búfalo-d'água-selvagem (Bubalus arnee) = marakrazóhó krahunan (mara 'mata, floresta', + krazóhó 'búfalo' + krahunan 'água')




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 








domingo, 18 de fevereiro de 2024

TERMOS RELATIVOS À CULTURA KARIRI E TEREJÊ EM PEAGAXINÃ (NATÚ)


 Este texto tem como base a publicação "DESCRIÇÃO CULTURAL 1" e traduz os termos Kariri para seus equivalentes em Peagaxinã, ou seja, Natú, note que, devido ao compartilhamento das culturas e também através da análise comparativa, muitas palavras serão idênticas entre o Kipeá e o Natú, pois ambos os povos viviam lado a lado de acordo com Mamiani:


1) KRÓBÈKA (kró- 'prefixo de objetos redondos' + bèka 'cortar, talhar'), a cuia, cuieira, vasilha feita do fruto da cabaça (Lagenaria siceraria), serve como prato partida ao meio ou vasilhame de guardar líquidos, mal, água etc...


2) DUBU ZITÓK (du-bu 'cabaça de carregar' + zitók 'não-indígena'), o utensílio europeu caixa, objeto de madeira quadrangular ou retangular para guardar objeto (s).


3) ROWIZA (ro-wi 'escrever' + -za 'sufixo de instrumento' = rowi-za 'instrumento de escrever'), o livro ou carta, instrumento que serve para escrita em Natú.


4) BUIBU, o instrumento musical em Natú, a maracá feito com cabo de madeira e semente de meru, uma espécie de chocalho indígena.


5) ZAWAHÓ KIA (zawa-hó 'pele da boca, lábio' + kia 'pedra'), o adorno inflexível utilizado no lábio inferior, de formato alongado, pode ser de madeira, pena ou até mesmo espinho grande.


6) TÌÑÊ ( tì 'colocar' + ñê 'meter'), o nome de cestas em Natú, cipó ou taquara, menor que o cesto, para transportar utensílios, com alça de cipó.


7) TÌÑÊ PÉ (tìñê 'cesta' + pé 'comprido'), o nome de cofos/samburás em Natú


8) DUBÉ, o nome de aió em Natú, feito artesanalmente entrançado de fibras de caroá ou palha de aricuri, servindo para transportar utensílios pessoais.


9) WIMÂ (do verbo wimâ 'assoprar, abanar'), o nome de abano em Natú, feito artesanalmente entrançado de palha de aricuri, servindo para abanar o fogo de lenha ou a carvão.


10) PRÉBU (pré 'amadurecer' + bu 'cabaça'),  o nome de cuia de coité em Natú, vaso feito desse fruto maduro depois de esvaziado do miolo, servindo de prato vegetal natural.


11 ) BURUHU, o nome de fuso em Natú, a pequena bobina de madeira que serve para fiar na roca, um torcedor de fios de algodão.


12) KUNÃZE WÓZA (kuñaze 'fio, pano, tecido' + wó-za 'instrumento de produzir'), instrumento de produzir tecidos, o nome do tear em Natú, um aparelho empregado para fins de tecelagem, destinada ao fabrico de tecidos, malhas, tapetes, redes etc...


13) SATIPI (sa 'furar' + tipi 'peixe'), o nome da rede de pescar em Natú, feita de fios de algodão ou fibras de tucum, com malhas para capturar peixes e mariscos.


14) IZAKO (i-zako 'ele suspende'), o nome da rede de dormir em Natú, utensílio doméstico feita com cipó, fibras vegetais como de algodão, servia para descansar, dormir e enterrar os mortos.


15) IKRÂ (i-krâ 'ele(a) é metal'), o nome de machado em Natú, a ferramenta feito de cabo de madeira e cunha de pedra, utilizado no corte de lenha e desbaste de troncos.


16) IZÓ (i-zó 'ele(a) fura'), o nome de espeto em Kariri, a haste fina de pau, aguçada na extremidade, para assar carne, ave ou peixe, sobre uma fogueira ou braseiro.


17) BARASHIÑÌ (bara-shiñì 'continua caindo, continua descendo') o nome de embira de amarrar ou corda em Natú, pode ser feita do entre casca de árvore ou arbusto ou de fibras vegetais mais flexíveis, como caroá, tucum etc...


18) WAMIRÎ (wamirî 'sacudir'), o nome de peneira em Natú, utensílio de armação circular e uma tela de taquara entrançados, onde se passam substâncias transformadas em pequenos fragmentos, como farinha e cereais.


19) RUÑU (ru 'despejar' + ñu 'comida, mantimento'), o nome de panela de barro em Natú, objeto cerâmico utilitário que serve para cozer alimentos, feita pelas mulheres.


20) ARIBA, o prato de barro em Natú, objeto de barro da cerâmica utilitária  que serve para comer os alimentos, feito pelas mulheres.


21) ÑAKIÑIHA (ña-kiñìha 'coisa de barro pequena), o prato de barro pequeno em Natú,  objeto de barro da cerâmica utilitária  que serve para comer os alimentos, feito pelas mulheres.


22) PÀWI, o cachimbo de pau ou barro em Natú, utensílio para fumar feito de madeira ou argila, estes objetos são feitos pelos homens.


23) WARÀRÓ (warà 'macaxeira' + ró 'áspero'), o beiju de farinha de mandioca em Natú, feito da massa assada no forno, após o fabricação da farinha.


24) WARUDU (waru 'macaxeira' + du 'inchar, bolo'), o bolo já assado em Kariri, iguaria feita à base de massa de farinha, na forma tradicional geralmente de sabor natural.


25) PEPE (pe-pe 'bola-bola') o nome de peteca em Kariri, , o brinquedo de base arredondada, feito de couro e penas, lançado ao ar, brincadeira dos rapazes.


26) ZERIWÊ (zeri 'cabelo' + wê 'bom, bonito'), o adorno das mulheres em Natú, um cordão adornado com penugens coloridas de penas de aves, com palito preso ao cabelo.


27) MARIDU (mari 'matar, caçar' + du 'bolsa'), priaca em Natú, mesmo que YARÚ do Kariri, uma bolsa de caçador confeccionada de couro.


28) SABUÌ (sa 'estar de pé' + buì 'flecha, arco'), o nome do arco em Natú, arma de madeira semcírcular flexível, utilizada para lançar flechas, utilizada na caça, na pesca e defesa.


29) KONKUPY (kon 'ponta' + kupy 'matar'), o nome de maça ou clava em Kariri, um pedaço de pau grosso, mais volumoso na extremidade, usado para ataque e defesa. 


30) BYBYTÉ, a palheta de jogar em Natú, uma espátula de madeira, que faz vibrar o ar quando jogado, produzindo um som cavernoso.


31) BÓ, o fruto do urucuzeiro (Bixa orellana), utilizado na culinária como condimento e no preparo de tinturas para pintar o corpo.


32) MÉ, o fruto do jenipapo (Genipa americana), utilizado na pintura corporal, a substância extraída do sumo do fruto ralado.


33) MATÌRA (ma-tì 'é milho' + ra 'colher'), o nome de milho (Zea mays) cereal utilizado como alimento, tanto assado, em comidas típicas dos povos indígenas, inclusive os Peagaxinã.


34) TÓNA,, o nome de carimã farinha de mandioca seca e fina na língua Kariri, a base da alimentação indígena, desde os tempos imemoriais.


35) IWI KRA ÑU (i-wi 'caroço' + kra 'escuro' + ñu 'comida, mantimento'), o nome de feijão ( Phaseolus vulgaris ), faz parte da culinária nativa, na combinação acompanha carnes, verduras e tubérculos.


36) KUÑAWÓ (kuña 'vestir' + wó 'comprido'), o nome de abóbora ( Abobra tenuifolia ), fruto da aboboreira utilizado no consumo, tanto cozida como em forma de doce.


37) BAKOBA, o nome de banana ( Musa × paradisiaca ), usada na culinária, etimologia do tupi pa'kowa, que significa "folha de enrolar". Também traduzido como ÑUPÉZADÓ (ñu 'comida, mantimento' + pé- 'prefixo de objetos compridos' + sadó 'cobrir' = ñupézadó 'comida comprida coberta').


38) GROGÓ (gro 'mandioca' + gó 'branco'), o nome da mandioca ( Manihot esculenta ), utilizada na alimentação nativa em forma de farinha, cozida ou como bolo, beiju, tapioca etc...


39) ENDIU, o nome do algodão ( Gossypium barbadense L. ) a fibras brancas desta planta utilizada na confecção de fios, rede, panos em geral.


40) MARAWÓ (mara 'floresta, mata' + wó 'queixada, porco'), o nome do porco selvagem , Caititu ( Pecari tajacu ), sua carne apreciada assada no moquem.


41) BEHÉZI, o nome de melancia (Citrullus lanatus), o fruto nativo da África, mas foi adotada pelos indígenas, entre eles os Kariri.


42) BASHIHU (bashihu 'desamarrar'), o nome de cão caçador (Canis lupus familiaris), trazido pelo colonizador, adotado pelos indígenas.


43) KRI (kri 'roedor'), o nome de mocó (Kerodon rupestris), um roedor utilizado na alimentação dos indígenas da caatinga do Nordeste.


44) KRAZÓRI (krazóri 'atravessar'),  pequenas embarcação que consistia na junção de madeira leve em forma de balsa para atravessar o rio.


45) OBÓ, o nome do fruto do umbu ( Spondias tuberosa ) , utilizado na alimentação de forma natural, na embuzada.


46) WOIKRÀ (woikrà 'surgir, aparecer, ascender'), o nome do brinquedo "cavalo-de-pau", na língua Kariri, uma vergôntea de marmeleiro com cabeça simulada e cabresto.


47) KAKI (ka 'galinha, gritar, chamar' + ki 'ave'), o nome de galo (Gallus gallus), ave originária da Índia trazida pelo colonizador, adotado como animal doméstico na culinária.


48) SUÑA (su-ña 'criar soco' > suña 'trotar'), o nome de cavalo ( Equus ferus caballus ), trazido pelos colonizadores, que os indígenas adotaram para o transporte.


49) KRUZA, o nome de cruz na língua Kariri, evangelizados pelos missionários capuchinhos, os Dzubukuá adotaram a fé cristã simboliza da na cruz.


50) KISHÓ, a armadilha para pequenos animais, utilizado pelos indígenas Kariri do Nordeste.


51) KRIWÓ (kri 'casa, doméstico' + wó 'queixada, porco'),  o nome do porco doméstico (Sus scrofa domesticus), trazido pelos colonizadores, a carne muito apreciada pelos indígenas.


52) KISHAKIA (kisha 'fogo' + kia 'pedra'), a pedra de fogo ou corisco no Kariri, utilizada como machado neolítico ou pedra para juntar fogo por fricção.


53) BUYU, a vasilha de encher água cabaça ( Curcubita lagenaria ), a cabaça média de pescoço utilizada pelos nordestinos do sertão.


54) KRAZÓKA (krazó 'gado' + ka 'gritar, chamar'), o canto do vaqueiro que conduz o gado, utilizada primeiramente pelos indígenas Kariri , na época dos currais.


55) KURU, o instrumento de aviso dos trabalhadores das quebradas, feito de rabo de tatu, segundo menciona SIQUEIRA, 1978: 238.


56) BADA, o instrumento feito com uma pequena cabaça, utilizada pelos antigos Kariri no sertão nordestino.


57) MARABASHI (maraba 'roça' + shi 'velho'), capoeira ou roçado velho na língua Peagaxinã.


58) WÌPÉ (wì- 'classificador de objetos feitos de madeira' + pé 'comprido'), a cerca de pau espécie de paligada, que protegia a aldeia, posteriormente esse costume passou a proteção da casa com quintal.


59) GOPRUN (go 'chifre' + prun 'veado'), o nome de cabra ( Capra aegagrus hircus ), animal doméstico trazida pelos colonizadores, fornece a carne e leite na alimentação.


60) SEPRUN (se 'cabelo' + prun 'veado'), o nome de ovelha ( Ovis aries ), animal doméstico trazido pelos colonizadores, utilizando sua carne e a lã na tecelagem.


61) KRAZÓBEÑAN (krazó 'gado' + beñan 'carne'), a carne de gado em Peagaxinã, usada na alimentação assada ou cozida, alimento trazido pelo colonizador europeu.


62) SEÑARIMU (señari 'tecer' + mu 'covo'), o covo de peixe, armadilha de pesca cilíndrica feito de taboca, para capturar pequenos peixes e camarões.


63) KUDÓ, o nome da capivara ( Hydrochoerus hydrochaeris), maior roedor do mundo, animal comestível.


64) KAKIKA (kaki 'galinha' + ka 'branco', se referindo aos pontos brancos de sua plumagem), a ave jacu ( Penelope purpurascens ), sua carne era muito apreciada na alimentação dos indígenas.


65) PRÓPY (pró 'derivado de' + py 'raiz, espuma, verdura'), o melão-de-são-caetano ( Momordica macrophylla ), alimento utilizado no tempo da crise no sertão.


66) YAKRARA (ya 'dente' + krara 'amarrilho'), o nome de anzol em Peagaxinã, a ferramenta para a captura de peixes, vem acompanhado com a linha, vara e chumbada.


67) YERU (ye 'doce, gostoso' + ru 'carregar'), o vinho de uva ( Vitis vinifera ), trazida pelos missionários capuchinhos que catequisaram os índios do São Francisco.


68) BAZURU (ba 'jirau' + zu 'esquentar' + ru 'carregar, panela'), o moquém em Natú, a grelha de madeira usada para defumar qualquer tipo de carne ou peixe, no calor da fogueira sob fumaça.


69) MARABA (mara 'mata' + ba 'estar, lugar'), a roça em Natú, uma área agrícola utilizada pela comunidade, cada povo faz o seu cultivo conforme sua cultura de seu jeito.


70) BAWATÓK (bawa 'ouvir, escutar' + tók 'não'), o brincar em Natú, brinquedo, brincadeira, uma categoria do entretenimento deste povo nativo do sertão nordestino.


71) BUDUDU (bu 'espécie de ave' + dudu 'inchar, inchado'), o nome da ave jaó em Peagaxinã.


72) BUIBU (bui 'cabaça' + bu 'cabaça'), o nome de maracá em Natú, do instrumento musical indígena, espécie de chocalho vegetal, feito de cabaça ou coité.


73) PRUN DÓWI (prun 'veado' + dówi 'verdade, verdadeiro') o nome de veado suçuatinga (Ozotoceros bezoarticus), sua carne muito apreciada pelos indígenas Kariri.


74) BÓ, a pintura corporal nativa com o fruto do urucuzeiro ou urucueiro (Bixa orellana), em sua cor vermelha escura.


75) KRAHÓ (kra 'seco, secar, cavar' + hó 'muito'), o nome de cacimba em Kariri, um buraco que se cava até atingir um lençol de água subterrâneo, para recolher a água presente no solo. 


76) KRAZÓ (kra 'anta' + zó 'assar') o  Gado-bovino-doméstico ( Bos taurus ), vaca, boí, carne, gado trazido pelos colonizadores no período do Brasil Colônia. 


77) KREYA, assado em covas em Natú, uma técnica de assar carne, tubérculos, sob a terra, utilizada pelos indígenas brasileiros.


78) DUBÈ (du 'capim' + bè 'cortar'), o nome da foice em Natú, uma ferramenta agrícola com lâminas curvadas e normalmente usada para cortar o mato.


79) MAKAZU (ma 'milho' + kazu 'cozinhar, ferver'), o milho cozido em Kariri, colocando as espigas em panela de barro, com água temperada com sal no fogo de lenha


80) SE, o nome de pano em Kariri, a transformação de fibras em fios de algodão em tecidos para peças de vestuário, redes e tapetes.


81) TONAZU (tona 'farinha' + zu 'pó, poeira') o nome do pó de farinha em Natú, feito pela moagem de grãos crus, raízes, feijões, nozes ou sementes, ressecado ao forno em ponto de consumo.


82) DEHEBA (de-he 'braço' + ba 'tirar parte'), o nome de cavador em Natú, um instrumento de madeira com ponta laminar, utilizada para cavar buraco na terra.


83) SO (so 'curar, remédio'), o nome de remédio, mezinha, cura em Kariri, pode ser de raiz, folha, casca de árvore, que leva toda uma preparação ritualística.


84) SONSÉKA (Sonsé 'Deus' + ka 'água'), o nome de água benta em Natú, santificada por sacerdote, no batismo, benção de pessoas, lugares e objetos, ou como forma de repelir o mal.


85) IBA (i-ba 'ele é talhado'), o nome de carro em Kariri, um veículo que se locomove sobre rodas, para transporte de passageiros ou de cargas.


86) KIKI (ki-ki 'areia'), palavra Peagaxinã para areia, conjunto de partículas de rochas degradadas, um material de origem mineral finamente dividido em grânulos ou granito.


87) MEREBA (mere 'pé' + ba 'jirau'), o nome de jirau para moquem em Natú, consiste num estrado de madeira para assar carne sobre o fogo.


88) MAZÓ (ma 'milho' + zó 'assar'), o nome do milho assado em Natú, na técnica de preparo a espiga de milho verde sobre as brasas no calor da fogueira.


89) MAHÓ (ma 'milho' + hó 'beber'), o nome do vinho de milho em Peagaxinã, passando por um processo de fermentação natural, com a cauda da maça do milho destilada.


90) AÑI (a- 'prefixo genérico de humano' + ñi 'colocar, meter, plantar' = a-ñi 'plantio humano'), o nome de lavoura em Kariri, a preparação da terra para o trabalho agrícola, na plantação de culturas na roçaou no campo.




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 








sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

A PALAVRA DZUBUKUÁ PARA BARCO E ARCA


Katecismo Indico, p. 201


Pebáddoclj no Túpam mo únhie wobúye, mo uro eheclia bo dzu.


"Deos os fez entrar todos em hũa arca fabricada de madeira leve, aonde se salvàrao"


 De todas as palavras encontradas aqui, a única que bate diretamente com 'arca fabricadad de madeira leve' é unhiewobúye, cujo indica duas coisas:


1) unhiewo significava 'barco, canoa', enquanto unhiewo búye significa 'barco grande', portanto 'arca'


2) u-nhiewo com o prefixo u- na frente indica de que se trata de um empréstimo de outra língua. Ao que parece, o nhie tem a mesma etimologia de yemè do Kipeá EYEMÈ, sendo o verbo 'colocar, meter', enquanto wo seria cognato do Xavante 'u-BA e do Xerente ku-BA, através da lenição de BA > WA e a transformação de A > Ó (WA > WÓ), portanto nhie-wo 'wó de se meter' > 'barco, canoa'.



Reconstruo como:


Kariri *u-ñe-wó '5DECL-meter-barco'


Dzubukuá: unhiewo

Kipeá: unhewò

Sapuyá: unyewói

Kamurú: unyewòi

Katembri: uñevó

Kariri-Xocó: unhewó


Terejê *ñe-ba 'meter-barco'


Xocó: ñevá

Natú: ñewó

Wakonã: nhêbó




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 






quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

NOMES DE ANIMAIS EM TEREJÊ BASEADO NA "DESCRIÇÃO CULTURAL 6"


1 ) - VEADO-CATINGUEIRO ( Mazama gouazoubira ), originário da caatinga do Nordeste brasileiro, mede entre 97 a 140 cm e pesa entre 11 a 23 Kg.


Terejê *sa-prũ/boer wì-mara-ka 'animal-veado madeira-mata-branco'


Xocó: saboer wìmara'á

Natú: seprun wìmaraka

Wakonã: jagôcêprúm (jagô 'animal' + cêprúm 'veado')


2 ) - ROLINHA-BRANCA ( Columbina picui ), originária da caatinga brasileira, mede entre 15 e 18 centímetros de comprimento e pesa entre 45 e 59 gramas.


Terejê *na-ré i-ka 'rolinha branca'


Xocó: nal'a ikó

Natú: nalia igó

Wakonã: nalhá igó


4 ) - SALAMANTA ou COBRA-DE-VEADO ( Epicrates cenchria ) encontrada na Venezuela, Guianas e Brasil (Amazônia) e Peru, mede 200 cm de comprimento. 


Terejê: *watxi-po 'cobra-veado'


Xocó: watsifó

Natú: washihó

Wakonã: baxihó


5 ) - JAGUATIRICA ( Leopardus pardalis ) vive na caatinga, cerrado, mata Atlântica e Amazônia, mede entre 67, 0 e 101, 5 cm, pesa entre 8,0 a 16,5 Kg.


Terejê *po-ño-rê dzatxi 'comprido-dormir-pequeno selvagem'


Xocó: ponhôre dzatsí

Natú: puñure zashi

Wakonã: pônhôrê jaxí


6 ) - MARIA-FITA (Coryphospingus pileatus), espécie frequente em nossas Caatingas, Centro-Oeste e Sudeste, com 13, 5 cm de comprimento e pesa 15 gramas. 


Terejê *dzé-txa-txi 'cabelo-fogo-ave'


Xocó: dzétsasi

Natú: zéshashi

Wakonã: jêçaçí


7 ) -  BEM-TE-VI ou PITUÃ (Pitangus sulphuratus), ave típica da América Latina,  medindo 25 cm de comprimento e pesando 60 gramas.


Terejê *kuwa-krã 'pitanga-comer', tradução de pi-tangûá (pitang-û-á(r) 'comedor de pitanga') do Tupi Antigo


Xocó: kuva'ran

Natú: kubakran

Wakonã: kubakrã


8 ) - GARRINCHA ou CORRUÍRA (Troglodytes musculus), parte da América e todo o Brasil,  mede 13 cm de comprimento e pesar 12 gramas. 


Terejê *ma-kri-we 'que faz ninho de garrancho'


Xocó: mógraví

Natú: mókrìwì

Wakonã: mókribi


9 ) - SANHAÇU-CINZENTO (Tangara sayaca), nativo da América do Sul,  medindo 19 cm e pesando numa média 42 gramas.


Terejê *turusô-re akóma i-txu-dì 'olho-diminutivo grande ele-queimar'


Xocó: tullusôre akómá ishúdì

Natú: tuliusôri akóma ishudì

Wakonã: turusôrê akómá ixúdi



10 ) - SUIRIRI (Tyrannus melancholicus), encontrado em todo o Brasil, mede entre 18 e 24,5 centímetros de comprimento e pesa entre 32 e 43 gramas. 


Terejê *mana-dówê 'ficar-quieto'


Xocó: manadóvê

Natú: menedówê

Wakonã: mênêdóbê


11 ) - BENTEVIZINHO-DE-PENACHO-VERMELHO (Myiozetetes similis), encontrado nas três Américas, mede 16-18 cm de comprimento e pesa 24-27 g.


Terejê: *o-sô-wê dzéri txa-pré 'tu-ver-bem cabelo fogo-vernelho'


Xocó: osôvê dzéri tsapré

Natú: osôwê zér shapré

Wakonã: ôssôbê jéri xapré


12 ) - SIBITE ou CAMBACIDA (Coereba flaveola),  encontrado nas três Américas, está espécie de ave pesa em média 9,5 g, mede de 10,5 a 11,5 cm.


Terejê *a-txi-du 'humano-osso-alto'


Xocó: atsidu

Natú: ashidu

Wakonã: axidú


13 ) - FERREIRINHO-RELÓGIO (Todirostrum cinereum), encontrada nas Américas do Sul e Central e México, mede 8-10 cm de comprimento e pesa 4-7,5 gramas. 


Terejê *tau-re dza-kra-ti 'ferro-diminutivo colocar-base-estabelecer'


Xocó: taure dzakratí

Natú: tóre zakrati

Wakonã: tórê jakratí


14 ) - ANU-BRANCO ou QUIRIRU (Guira guira), encontrado em quase todo o Brasil, mede entre 36 e 42 cm de comprimento, incluindo seus 20 cm da cauda, e pesa entre 113 e 168,6 gramas .


Terejê *buì-shuto 'flecha-sol'


Xocó: bueshuto

Natú: buìshulo

Wakonã: buêxutô


15 ) - ANDORINHA-DOMÉSTICA-GRANDE ( Progne chalybea ), ocorre na América do Sul e Central, mede 18 cm de comprimento e pesa 39 gramas.


Terejê *merata-ngì 'metal-esco'


Xocó: meratangì

Natú: meratangì

Wakonã: mêratangi


16 ) - GAVIÃO-CARIJÓ, PEGA-PINTO ou INAJÉ  (Rupornis magnirostris), na América do Sul e Central, mede de 31 a 41 cm de comprimento, e o peso da fêmea 257-350 gramas.


Terejê *my-katxi-re 'pegar-galinha-pequena'


Xocó: mi'atsire

Natú: mykashire

Wakonã: mikaxirê


17 ) - LAVADEIRA-MASCARADA ou LAVANDEIRA (Fluvicola nengeta), leste e nordeste brasileiro, mede entre 14,5 e 16 cm de comprimento e pesa de 14 a 20 gramas.


Terejê *kutxô-kêô 'lavar-deira'


Xocó: 'utsokêô

Natú: kuzokîô

Wakonã: kuxokíô


18 ) - CHUMPIM ou MARIA-PRETA (Molothrus bonariensis), encontrado no Nordeste e Centro-Oeste, mede cerca entre 17 e 21,5 cm de comprimento e pesa entre 44,9 e 63,7 gramas.


Terejê *mara-krô-txi 'coisa-preto-ave'


Xocó: mara'rotsi

Natú: marakroshi

Wakonã: marakrôxí


19 ) - CORUJA-BURAQUEIRA ou CABURÉ (Athene cunicularia), no Canadá e Terra do Fogo e quase todo Brasil, tamanho médio é de 21,5 a 28,5 cm (machos) e pesa entre 110 e 285 g (machos).


Terejê *mâ-txi ma-kre 'coruja-ave causar-buraco'


Xocó: mâtsi ma're

Natú: mâshi mókre

Wakonã: máxi mókrê


20 ) - CANÁRIO-DO-MATO ( Myiothlypis flaveola ), ocorre em quase todo o Brasil, mede 14 centímetros de comprimento e pesar 16 gramas.


Terejê *txi-re i-kudjé 'ave-diminutivo ele-verde'


Xocó: tsire i'usé

Natú: shire ikoza

Wakonã: xirê ikucê




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 






quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

COMENTÁRIOS SOBRE O CONTO DE PISSÔRÊ


O CONTO DE PISSÔRÊ (ANTUNES, 1973, p. 87)


 Antigamente todos os índios eram reunidos em um só corpo. Todos os kariris reunidos limpavam o "malambá" (roça comum dos índios) semana após semana. Havia sempre um que se encarregava da família. Chamava-se Pissôrê. Era uma pessoa entendida e que advinhava. Era chamado "advinho". Quando os índios precisavam caçár ou pescar, reuniam-se todos e recebiam ordens do pissôrê. A caça melhor era enviada para o pissôrê. Na casa dele havia terno de pife (instrumentos musicais) , zabumba e todos os instrumentos de música e dança. Sua casa era bem limpa. Havia um grande terreiro para evitar doenças. Os índios, quando saíam para as águas, ísto é, para a pesca, iam felizes, enquanto outros iam para a mata ou para a caça.


 Quando voltavam, ofereciam do melhor à Pissôrê e seus familiares. Reuniam-se, depois, para fazer o "xóxó" e comer com muqueca. Havia prêmios para oferecer aos melhores pescadores e caçadores. Era um dia de festa para todos . Um dia, uma índia preparou muqueca com peixe assado na folha para Pissôrê. Não preparou bem. Guardou a muqueca no flechal e a mosca veio, pousou, e pôs ovos em cima da muqueca .


 No outro dia, havia bicho de mosca. Quando Pissôrê chegou, a índia mais bela da tribo lhe ofereceu a comida. Ele disse: "- Não presta, Pôfô, íánê di Pissôrê", isto é, vire logo em mulher ruim. Sacudiu fora a muqueca e a índia virou cururu, isto é, sapo cururu, muito feio. É Maria Cururu, mulher prostituta, a mulher solteira do mundo que não presta porque foi gerada da muqueca bichada. 


 Chegou o tempo de Pissôrê ir-se embora . Viajaram muito,ele e os índios. Viajaram para o alto sertão . Quando os índios tinham as crianças que choravam e reclamavam que não podiam carregá-las porque eram pesadas, Pissôrê se aproximava e dizia: "- Pôfô, vai ser coroa de frade" .


 E as crianças se viravam em coroa de frade e mandacaru do sertão. Pissôrê continuou seu caminho. Um dia, entrou ele com toda sua família na Cachoeira de Paulo Afonso e encantou-se. Hoje em dia, temos contato com esta gente. Depois que desapareceu Pissôrê, ficou a Estrela D'alva, que é uma parenta de Pissôrê, uma moça dos kariris. Ficou com ela também sua mãe. Ficaram no acampamento. Estrela D'Alva perguntou pelo Pissôrê . Todos respondiam "que tinha ido embora com os índios". Ela replicou : "- Também vou-me embora".


 Estrela D'alva começou a andar. No caminho ela disse: - Vamos tirar genipapo? ... Ela subiu no genipapeiro e sacudiu o genipapo no chão. Quando a mãe curvou-se para apanhar o genipapo, ela disse: "Pôfô, vire em uma caça do mato".


Estrela D'Alva tinha uma rede. Em um dado momento, ela disse: - "Pôfô, se vire em samambaia" e, de repente, apareceram as samambaias (as palmeiras) no mato. 


Pissôrê salvou, assim, a sua gente do dilúvio universal e é dessa geração do Pissôrê que vem a origem dos índios Kariris de Palmeira. A Estrela D'Alva foi para bem longe, naquelas alturas, que nós, todos os dias, vemos a Estrela Dalva a brilhar no céu como uma grande estrela para os kariris".


O COMENTÁRIO, PARTE I: QUEM É PISSÔRÊ


 O que foi colocado acima é o conto Wakonã do adivinho Pissôrê, cujo inclui outro personagem principal, uma parenta sua, cujo a relevância se atrela a uma estrela e seu culto na religião Terejê-Kariri-Xukurú, dependendo da cultura, uma estrela ou grupo de estrelas pode ter um foco maior nos contos, para os Wakonã, como demonstra o conto acima, era Vênus (Estrela D'Alva), para os Kariri eram as Batí (Setestrelo ou Plêiades) e para os Xukurú é a Karreta (Ursa Maior). 


 É interessante notar que esse conto, descrito para nós por Miguel Celestino, que no tempo do registro, era cacique, mestre e cantador do Toré, conta um resumo ou uma coletânea de contos parcialmente desconexos, mas com um personagem principal constante, é como pegar um livros cujos páginas aleatórias foram preservadas e outras foram rasgadas, pegando apenas um vislumbre do que teria sido uma saga completa. Os episódios dentro do conto pulam de tema, em um momento Pissôrê é oferecido uma muqueca bichada, cujo em retribuição transformou a mulher que o serviu em um cururu (tópico esse que será discutido em breve), e logo após esse tópico acabar, Pissôrê e seu povo estão viajando, pois de acordo com o conto, seu tempo havia chegado (tópico esse que também será discutido em breve).


 Pissôrê tem poderes que transcendem um de um personagem comum, fazendo-o ter proximidade com entidades maiores, no entanto, o conto não especifica tal título ou posição hierárquica para este adivinho, Antunes no entanto nos conta que Pissôrê é comparável diretamente com um personagem de outro conto, o Conto do Grande Pai do povo Dzubukuá que viviam mais acima do Rio São Francisco, a comparação seria de que Pissôrê teria sido enviado pelo Deus Maior (a partir de agora chamado de Sonsé, a palavra Wakonã para Deus e Cristo, ANTUNES, 1973, p. 141), sendo ele um 'velho amigo' de Sonsé e que foi mandado com o objetivo de 'viver com os índios', cujo não é um objetivo muito específico, e pode-se inferir que quando o Deus Supremo do universo em uma religião envia um amigo dele, normalmente não é apenas com o objetivo de fazê-lo se enturmar com os povos da Terra, chegaremos nesse ponto na parte II, mas deixo aqui claro que Antunes nos deus pistas sobre a origem deste personagem (ANTUNES, 1973, p. 21).


 Portanto temos Pissôrê como aquele que cuidava da família no tempo que os indígenas eram um só, Pissôrê como aquele que tem a palavra mágica, Pissôrê como aquele que transforma quando insatisfeito ou em resposta às reclamações dos outros, Pissôrê o encantado, isto é, aquele que foi trasladado para o mundo espiritual com sua família na Cachoeira, por último, temos Pissôrê como aquele que, como implicado, voltou do mundo espiritual e salvou o que viria ser a geração que deu origem para os Wakonã e Kariri de Palmeira.


COMENTÁRIO, PARTE II: PISSÔRÊ, SUMÉ E O GRANDE PAI


 Todas essas descrições dão indícios de uma participação crucial desse personagem na fundação do que viria ser a atual humanidade, sendo comparável com heróis culturais como Māui da religião havaiana, tendo aspectos que parecem ser de um trickster (QUEIROZ, 1991, p. 94, apud CARROLL, 1981), pode-se argumentar isso com suas atitudes perante reclamações e atos de descuido, tendo ele uma resposta que parece ter sido caracteristicamente e propositalmente infantil, se você entrega para ele algo estragado ou reclama demais de algo, você é punido com mudanças irreversíveis, ele não gosta de ser atazanado de qualquer forma.


 Contos como esse tem função de ensinamento e entretenimento, este tem claramente a função de contar a história da fundação da humanidade e sua interação com o divino, havendo um aspecto antropomórfico por trás das divindades descritas, semelhante ao que acontece na antiga religião grega e na nórdica da Edda poética, Pissôrê é divino ou próximo do divino e veio viver com a humanidade, mesmo com seu comportamento irritadiço, ele salvou a humanidade do *Dilúvio Universal*, enquanto o povo de Estrela D'Alva veio a se tornar as estrelas no céu, conectando-nos como irmãos próximos das estrelas, mesmo com esses pouquíssimos detalhes, é possível inferir sobre as emoções destes seres poderosos.


 Noto também, retornando para o tópico de seu comportamento, que ele se parece bastante com o Grande Pai Dzubukuá (a partir de agora GP), como foi mencionado por Antunes e como citei acima, Pissôrê e o GP respondem a pedidos excessivos e reclamações com malícia, em um episódio descrito por Martinho de Nantes, os Dzubukuá haviam e um período antigo pedido para o GP que os abençoacem com caititus (malanhou-a), este responde ao pedir que os indígenas saíssem para caçar, em seguida transformando seus filhos nos caititus que foram pedidos, os indígenas comeram e aceitaram sem questionar, que de acordo com Martinho: "pois que muito o respeitavam e temiam" (NANTES, 1706, p. 100), isso indica que de uma forma ou de outra, essa entidade também ou fazia atos com o propósito de fazer medo ou todo e qualquer ato divino/espiritual que ele fizesse causava medo, portanto assim os indígenas respeitavam-no.


 Eu acho muito interessante que o conto do GP e Pissôrê, mesmo se diferindo em alguns detalhes, são quase idênticos ao herói cultural Tupinambá Sumé, descrito por André Thevet como aquele que foi enviado por Monan (Deus Supremo Tupinambá, mesmo que o Sonsé Terejê e o Menerurú/Tupam Kariri), aquele que civilizou os indígenas e depois saiu, seja voluntariamente ou após ser caçado/morto pelos indígenas, este último sendo o caso de Sumé (MÉTRAUX, 1950, p. 44). Parece-me como se fosse o desenvolvimento de uma religião com culto e história organizadas, cujo vertentes surgiram quanto mais este culto viajava o Brasil e começaram a absorver aspectos da cultura no qual se estabelecia, semelhante ao Budismo no Velho Mundo. A (possível) vertente que vemos no Nordeste teria herdado aspectos onde o herói cultural enviado por Deus deu origem de alguma forma ao que viria ser a humanidade atual, na história Dzubukuá, os homens já existiam, mas Pissôrê foi que, com o episódio dos caititu, indiretamente os transformou nos homens modernos e em outro episódio prévio a este, criou as mulheres a partir da Primeira Mulher, assim criando outro grupo dentro da humanidade que viria a fazer as novas gerações nascerem, sendo o originador, mesmo que indiretamente, das futuras gerações.


 Pissôrê não tem episódios similares, mas a ausência de contos registrados que falem sobre isso não indicam para mim que ele não teria participado em um conto que fala a história do homem, da mulher, possivelmente de animais e depois da atual humanidade.


"Ausência de evidência não é evidência de ausência" 

- Carl Sagan


COMENTÁRIO, PARTE III: O DILÚVIO UNIVERSAL


 O conto de Pissôrê diz que ele salvou a geração que daria origem aos Wakonã, o episódio que causou essa necessidade de salvação foi o *Dilúvio Universal*, um conto quase ubíquo na humanidade, onde uma divindade ou mais divindades punem a humanidade por algum motivo, que varia desde humanos sendo muito barulhentos como fez Enlil no Épico de Gilgamesh, ou por quê a humanidade se tornou corrupta, como fez Yahweh (Deus Cristão) com seu dilúvio. Muitos arqueólogos hoje em dia concordam que existem traços da realidade por trás do mito do dilúvio, tais eventos ocorreram no Último Período Glacial (c. 115,000 – c. 11,700), acredita-se que foram estes eventos que causaram a constante necessidade das populações daquela época de retrair da costa onde viviam, criando a percepção de que o mundo estava afundando em um dilúvio de proporções divinas (Biblical-Type Floods Are Real, and They're Absolutely Enormous, Discover Magazine, 29 de ago. 2012. Disponível em: https://www.discovermagazine.com/planet-earth/biblical-type-floods-are-real-and-theyre-absolutely-enormous Acesso em: 14 de fev. 2024). 


 As populações indígenas também contaram sobre tais acontecimentos, como surgiu no Mito de Sumé, a partir do dilúvio e incêndio do mundo, que deu origem aos rios e oceanos, e entre os Kaingáng, cujo apenas um casal de irmãos teria sobrevivido o dilúvio universal. É importante ressaltar que não se sabe por quê o dilúvio aconteceu no conto Wakonã, mas como dito, é normalmente atribuído ao divino, se aqui tiver acontecido o mesmo, vemos que Pissôrê, contrário ao seu comportamento anterior, se dedica a salvar a humanidade e deixá-la continuar, assim nessa hipótese, ele estaria indo contra a vontade de seu amigo Sonsé (Deus).


 Concluo que Pissôrê é um personagem complexo, ele possivelmente tinha função de *Herói Nacional* e *Deus Nacional* entre os Wakonã e pode ter tido continuidade entre os Natú e Xocó com outros nomes que não foram registrados.




FONTES



Wakona-Kariri-Xukuru - Apesctos Sócio-Antropológicos dos Remanescentes Indígenas de Alagoas, Clóvis Antunes, 1973

https://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Aantunes-1973-wakona/Antunes_1973_WakonaKaririXukuru.pdf



O Herói-trapaceiro - Reflexões sobre a figura do trickster, Renato da Silva Queiroz, 1991

https://www.scielo.br/j/ts/a/TGCXr3Tcpcr458WLBDrXDZz/?format=pdf&lang=pt



Biblical-Type Floods Are Real, and They're Absolutely Enormous, Discover Magazine, 29 de ago. 2012. Disponível em: https://www.discovermagazine.com/planet-earth/biblical-type-floods-are-real-and-theyre-absolutely-enormous Acesso em: 14 de fev. 2024


Relação de uma missão no Rio São Francisco, Martinho de Nantes, 1706

Biblical-Type Floods Are Real, and They're Absolutely Enormous, Discover Magazine, 29 de ago. 2012. Disponível em: https://www.discovermagazine.com/planet-earth/biblical-type-floods-are-real-and-theyre-absolutely-enormous Acesso em: 14 de fev. 2024


A religião dos Tupinambás, Alfred Métraux, 1950

https://bdor.sibi.ufrj.br/bitstream/doc/40/1/267%20PDF%20-%20OCR%20-%20RED.pdf



Autor da matéria: Suã Ari Llusan 






terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

ETIMOLOGIA DE PISSÔRÊ E MENERURÚ

 

O pajé lendário entre os Terejê que foi registrado em um conto do povo Wakonã foi Pissôrê, sua importância foi tanta, que ele tem uma história que equivale diretamente com o Grande Pai Dzubukuá e o Sumé Tupi, ele era um civilizador, aquele que trouxe o conhecimento vasto para o povo Wakonã no passado.


 Em sua história, esse pajé surge com uma tendência forte de ser decisivo, com o uso da palavra 'pôfô', o verbo 'fazer', sua frase se torna realidade de imediato, como quando ele transformou a mulher que o serviu uma muqueca estragada na Maria Cururu, ou quando transformou as crianças pesadas em coroas de frade e mandacarus após a reclamação dos pais. Seu nome parece indicar essa determinação da realidade, o cognato mais aproximado de pissô é:


Xavante: pitsudu ~ pitsutu 'escolher, determinar, indicar, marcar'

Xavante: ré 'cheio de, contendo, com'


Portanto, Pissô-rê 'cheio de determinação'


 Aproveito também para sugerir uma visão alternativa do nome Menerurú, se levarmos em consideração a possibilidade dessa palavra ter sido emprestado de alguma língua Terejê, existe a possibilidade de serem morfemas cognatos de:


Xavante: höimana 'vida, existência, existir, viver'

Xavante: ro 'luz, energia elétrica'


Assim formando Mene-ruru 'luz da vida', reconstruído como:


Terejê *mana 'vida, existência, existir, viver'


Xocó: mana

Natú: mene

Wakonã: mênê


Terejê *ro 'luz, energia elétrica'


Xocó: ro

Natú: ro

Wakonã: rô




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 






domingo, 11 de fevereiro de 2024

A DESCOBERTA FINAL DOS PREFIXOS GENÉRICOS DE HUMANOS E OUTROS SERES


 Muitas línguas do Brasil fazem uma distinção de seus substantivos a partir de uma marcação que divide aquilo que é humano e aquilo que não é humano, isso se chama animacidade, cujo funciona como um espectro, onde a determinação e classificação dos objetos de uma língua são determinados pela percepção cultural de um povo em relação ao mundo.


 Hoje, por exemplo, vemos plantas e fungos como seres vivos, mas talvez algum povo do passado ou até mesmo algum povo em algum lugar do mundo não veja dessa forma, em contrapartida, tal povo pode ver o vento como um ser vivo, o trovão, a chuva etc... Tudo depende novamente de como um povo passa a perceber e expressar tal visão do mundo para futuras gerações.


 Venho estudando nos últimos dias uma língua do grupo Akuwẽ pouco estudada, ela se chama Akroá-Mirim e teve um curto vocabulário publicado no glossário de Martius em 1867, este povo vivia entre os rios Parnaíba no Maranhão e o Paranaíba de Minas Gerais, Andrey Nikulin também os põe no centro do Brasil na margem anterior ao Rio São Francisco (Opará), indicando que o território onde eles viviam costumava ser imenso. O que vem me intrigando sobre a língua deste povo é que diferente de seus parentes mais próximos, os outros povos Akuwẽ como Xavantes, Xerentes e Xakriabás, eles tem uma marcação genérica de humanos que não é idêntica ao que se vê normalmente nesse ramo, o prefixo é ai-/as-/assi-, e até mesmo Ehrenreich que estudou a língua Xavante de Salinas notou isso:


1) CABEÇA


Xavante: da-'rã

Xerente: da-krã

Xakriabá: da-cran, da-grang

Akroá: ai-crán


2) MÃO


Xavante: da-nhib'rada

Xerente: da-nĩpkra

Xakriabá: da-jipcra, d’a-schipigra

Akroá: a-ssubckrá


3) PESCOÇO


Xavante: da-budu

Xerente: da-bdu

Xakriabá: d'a-putú

Akroá: aim-buttúde


 Essa marcação divergente do padrão Akuwẽ em DA- se assemelha fortemente ao que é visto no Terejê


Xocó: as-pi-kiá 'mulher, humana que zela'

Xocó: a-tsá 'fogo'

Xocó: a-ti'á 'incêndio, queimada'

Xocó: a-kómá 'grande'

Xocó: a-ti-sêrê 'terra'

Wakonã: a-naá 'pessoa sem importância' < (esse sendo o argumento mais forte, já que Antunes especifica 'pessoa')


 Conclui-se que este é o prefixo nativo do Terejê para indicar a classe humana, equivalente ao Tupi poro-/moro- e ao Xavante, Xerente e Xakriabá da-, a proximidade entre o Terejê e o Xakriabá é um tópico a ser discutido. Visto que ambos os povos viviam nas proximidades do Rio São Francisco, existe a possibilidade de terem interagido entre si ou até mesmo derivado de um mesmo subagrupamento do ramo Central.



 Noto também duas coisas, na publicação SUBSTANTIVOS VERBAIS OU SUBSTANTIVOS IRO, notei que todos os substantivos  ou se referem a objetos que não são humanos ou são neutros (podem pertencer tanto a humanos quanto a seres não-humanos), o Xavante também faz uma distinção entre o prefixo da- com o prefixo i-, sendo da- para humanos e i- para não humanos, sugiro aqui que o prefixo i- da terceira pessoa, usada nos substantivos iro marque a terceira pessoa genérica não-humana.


 A segunda coisa que noto é que o Xavante e o Xerente também possuem o prefixo a-, e podem usá-lo como substituto do prefixo da-, como no Xavante adu 'barriga (de gente)', sinônimo de dadu 'barriga (de gente)', isso indica que as ramificações do Akroá-mirim e o Terejê compartilham de um desenvolvimento onde o prefixo a- ganhou preferência e se tornou o mais prevalente, tomando o espaço de da-, enquanto as ramificações do Xavante e Xerente deram preferência para da-, mas mantiveram o prefixo a- como seu sinônimo.


 Com isso, sugiro que as línguas Terejê sigam o seguinte modelo:


Terejê *a-(si-) 'prefixo genérico de humanos, prefixo de classe humana'


Xocó: a-, ai-, asi-, as-

Natú: a-, ai-, asi-, as-

Wakonã: a-, ai-, asi-, as-



Exemplos de distinção:


1) wê 'dizer, falar, mostrar'


a-wê 'língua, idioma'

i-wê 'papagaio'



2) mu 'unir, juntar'


a-mu 'esposo, esposa'

i-mu 'união, junção, fusão'



3) ña 'mãe'


a-ña 'mãe (de gente)'

i-ña 'mãe de animal, fonte, origem'



FONTES


Romnhitsi'ubumro a'uwẽ mreme - waradzu mreme, Georg Lachnitt, 1987

http://www.etnolinguistica.org/biblio:lachnitt-1987-dicionario


Dicionário Escolar Xerente / Português e Português / Xerente, Wanda Krieger e Guenther Krieger, 1994

http://www.uft.edu.br/neai/?p=388


The Structure of Akroá and Xakriabá and their relation to Xavante and Xerente: A contribution to the historical linguistics of the Jê languages, Fernando Carvalho e Gean Damulakis, 2015, p. 28-29

https://www.researchgate.net/publication/304015044_The_Structure_of_Akroa_and_Xakriaba_and_their_relation_to_Xavante_and_Xerente_A_contribution_to_the_historical_linguistics_of_the_Je_languages


Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens. I. Zur Ethnographie. II. Glossaria linguarum Brasiliensium, Carl Friedrich Von Martius, 1867, p. 19-20

http://www.etnolinguistica.org/biblio:martius-1867-beitrage


Wakona-Kariri-Xukuru - Apesctos Sócio-Antropológicos dos Remanescentes Indígenas de Alagoas, Clóvis Antunes, 1973, p. 134

https://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Aantunes-1973-wakona/Antunes_1973_WakonaKaririXukuru.pdf





Autor da matéria: Suã Ari Llusan 






sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

AVE MARIA EM NATÚ, DZUBUKUÁ, KIPEÁ E PORTUGUÊS


Natú


Zawidì pra, iwodozutambi,

'Ó Maria, muito elogiada,'


Waroni Mansu ozikîô dó bó, 

'Nosso Pai é contigo certamente,'


Haìdì oroni bó pikuânan,

'Boa é tu entre as mulheres,'


Haìdì tingì omudu, Yesu.

'Bom é o fruto de teu ventre, Jesus.'


Heìtambi Zawidì Ña Sonsé,

'Santa Maria Mãe de Deus,'


Kaza dó mê bó waroni wangakîônan, dó kóhô, dó waroni dó hówa, hómódì.

'Ore por nós pecadores, agora, e no tempo de nosso morrer, assim seja.'


Dzubukuá


Hitidaclo Kuddhu anhiej bo Maria Immottote do graça,


Pide nhinho anhie boho,


Onadce dicangrili bo tetsitea wohoye, 


Cangriidze dehem anúra Jesu 


Santa Maria idhe Inhura Nhinho 


So cliquie doihi, mo hinhiangui, dehem hyamaddide dibuanga-clily.


 Hammodi bo Virgem Maria.



Kipeá


Ave Maria, imotóté do graça


Píde cuséá eyembohó


Canghi crubý ewatçã bó tidzitéá


Canghi crubý enhurá dó JESUS. 


Bó Santa Maria dó idé Tupã dó emé só Tupã hidiohódé dibuângherí dó ighý, nó hinhánatéinghídé nó dehendi. Amen JESU.





Autor da matéria: Suã Ari Llusan 






MARANKAÑÌKÊ NAHÉ / QUATRO DONOS


 O chão concebeu vida ao licuri no topo da serra. Um dia o céu solta o Papagaio Amarelo, que voa em direção daquele monte, onde faz seu ninho para morar. Ele descobriu a palmeira licuri e comeu de suas amêndoas, das quais viriam nutrir a nova geração de Papagaios amarelos, e mais e mais gerações desses primeiro Papagaio Amarelo continuaram a viver em paz no topo da serra, perto da palmeira licuri. 


 Os restos das amêndoas ganharam a sabedoria do Papagaio ao servir de alimento para várias de suas gerações. Um dia bem distante no futuro, um raio caiu naquela palmeira, ateando fogo nela (Ati'á 'incêndio'), sinalizando para os papagaios que era hora de volta para o céu. Assim eles fizeram, e quando a palmeira e as sementes se tornaram cinzas, a fumaça que saiu delas viajou pelo ar, tornando-se em uma terra longínqua uma nuvem cinza e carregada de chuva, descarregando-se em uma lagoa (Sehôìdzé'á 'chegada da chuva').


 Das águas das chuvas caindo nos corpos d'água, viriam a nascer dois clãs filhos (Wakañì Króroñazu 'dois clãs'), o clã Wólia (wó-lia 'corpinho') e o clã Wótambi (wó-tambi 'corpão'), referindo-se aos corpos d'água como poços, riachos, lagos, lagoas, rios e mares, ambos sendo descendentes do Clã Maior da Água (Krahunan Roñazu Akóma 'Clã da Água Grande'). Estes descendentes eram os primeiros Kariri, cujo a mãe da nação era a Mãe d'Água da Lagoa Sagrada (Liguña 'Mãe da Lagoa'), essa água tomou forma um dia, vendo como o cervo corria pelas matas, a água imitou a carne, dando os primeiros passos na terra, conhecendo lentamente o mundo afora, seu conhecimento o traz muitas coisas, o que os faz desenvolver costumes e até mesmo uma língua para se comunicarem.


 Ainda naquele licuri no topo da serra, algumas sementes sobreviveram e germinaram, penas dos papagaios amarelos foram engolidas por essas sementes, cujo na passar de oito dias, formaram do barro (Ñakó 'lama') que os cercavam e dos galhos queimados da palmeira (si 'osso'), moldando-os para servirem de base para o barro. Este povo é do clã da Terra (Atihi Roñazu), eles nasceram com o conhecimento da língua, e logo moldaram-na para comunicar tanto entre quanto entre os outros ao seu redor. Este povo da terra aprendeu a pronunciar bem tanto sua língua quanto a língua de outros, começaram a dizer que eles eram os Terejê (Têrê jê 'falar claramente, traduzir').


 Um dia, aquele povo que veio do clã Wólia conheceu um Deus, este ser poderoso e místico era o Grande Pai, ele que ensinou sobre a vastidão do mundo e as capacidades das tecnologias que outros povos de outros clãs faziam. Uma delas, simples, porém complexa ao mesmo tempo é o fogo, que trouxe novos saberes para este clã dos lagos. Um dia o Grande Pai (Waroni Mantambi 'Nosso Pai Verdadeiro') falou que os Wólia eram poucos, perguntou "por que não vejo mulheres e crianças ao seu lado ?" para o chefe Wólia Tipìhazahi, este ficou sem resposta, não sabia nem o que eram essas duas coisas, Mantambi apontou então para a Liguña e disse 'ela é uma mulher, não ?', e o chefe Tipìhazahi não entendeu novamente, mas ficou curioso, e passou as próximas oito horas perguntando tudo que podia saber para Mantambi, sobre o que era uma mulher e o que era uma criança.


 A conversa se espalhou pela aldeia, culminando em um dia, onde os Wólianan oraram para sua Deusa para que ela providenciasse mulheres para seu povo, no entanto ela também não entendia como fazer isso, já que nasceu junto com o clã que ela governa.


 Enquanto isso, o povo Terejê começou a herdar mais e mais conhecimento de suas interações, mas também não tinham ciência de como criar mais dos seus, eles voltaram para o monte de sua origem e olharam para o local, viram a palmeira queimada e alguns gravetos, cavaram o chão e viram algumas sementes que não germinaram da mesma palmeira vista antes, não viram mais nada e presumiram que essas foram todas as ferramentas necessárias para criar um igual. Quando desceram o monte, procuraram uma palmeira de licuri, pegaram seus frutos e tiraram suas sementes, plantaram no chão e queimaram a árvore. Passaram-se oito dias e do chão saiu o barro, mas não saiu sabedoria, o que foi criado nesse dia foi o um barro que não fala (ñakó iñótók 'barro que não fala'). 


Sem ideia do que fazer, os Terejê migraram, subindo o Rio Opará do lado esquerdo, nessa caminhada longa, encontraram uma lagoa sagrada e seu povo, passaram alguns dias entre eles e souberam de seu problema atual, os Terejê disseram: "Da Terra, tem o barro, e dele a gente se cria, como funcionaria para a água ?", ninguém sabia responder.


 Um indígena Terejê jovem chamado Wêrezarê (Wêreza-rê 'Boca-Solta') sugeriu que, já que Liguña era a Primeira-Mulher do clã Wólia, ela deveria se dividir em pedaços equivalentes à quantidade de homens deste clã. Antes que os protestos começassem, ele completou explicando o experimento do barro que não fala, e concluiu que o poder divino talvez seja a fonte necessária. Waroni Mantambi adicionou, para parar os protestos daqueles que eram contra, que apenas com uma base boa, ele sugeriu gravetos da jenipapo atados com algodão (endiu) nas pontas que correspondiam à cabeça, às mãos e ao pés.


 Com isso, os indígenas Terejê e Wólia buscaram os materiais necessários e entregaram-nos para a Deusa-mãe ao colocar a efígies na lagoa. Todos foram dormir naquela noite, ninguém exceto o Grande Pai, a Deusa-mãe e uma criança teimosa que não dormiu na rede com seus pais presenciaram a magia, da lagoa as efígies cresceram e ganharam forma, a criança ouviu e conta até os dias de hoje que Liguña disse:


"E assim são criadas as zeladoras (pi-kuâ 'as que dão zelo, as que dão segurança')"


 E desde aquele dia, as mulheres, as que trazem segurança para sua família e povo, foram criadas. Essa criança era ambiciosa e viria a viver um futuro caótico que será contado em outro momento. A deusa Liguña repartiu sua divindade em cada zeladora que proveu para seu povo, isso fez com que sua capacidade de ficar na terra sumisse, então para não desaparecer por completo, ela escolheu o lar mais brilhante, onde toda a noite, sua proteção surge no seu antigo lago, tornando-se Krawave, a lua.





Autor da matéria: Suã Ari Llusan