segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

PINTURA CORPORAL KARIRI-XOCÓ


1) - Como eram as pinturas? As cores utilizadas pelos indígenas proviam da natureza. As matérias primas eram de vegetais como jenipapo e urucum, mas também utilizavam argila branca chamada tauá e a argila amarela. O carvão vegetal dava a cor preta. No jenipapo havia a cor azul escuro, onde o fruto verde era ralado e espremido até obter o líquido para a pintura corporal. A fruta do urucum servia para proteger a pele contra o calor do sol e dar a energia da resistência. O Tauá branco ser podia ser utilizado na pintura corporal quanto na pintura da cerâmica utilitária. Já o Tauá amarelo era somente na pintura cerâmica dos potes de barro.


2) - Como foi passado a importância da pintura? A cultura indígena tem na pintura corporal como um valor simbólico espiritual e social. Através da pintura a pessoa pode ser identificada sua posição social, profissional em processo de iniciação nas tradições. 


3) - Quem lhe ensinou o conhecimento da pintura corporal? O conhecimento da pintura corporal vem dos ensinamentos das velhas gerações para as novas gerações, passadas de pai ou mãe para filho ou filha, também de avô ou avó para neto ou neta.


4) - Como acontecia antigamente  as pinturas das mulheres? E dos homens? E das crianças? As pinturas era a maioria das vezes circulares, ondulares e angulares. As ondulares eram das das crianças, porque representa o fruto de nosso amor nas emoções. As circulares representa as mulheres por significar a força astral da mãe terra, fonte mantenedora da vida. A angular representa os homens por ser a forma pontiaguda da flecha para caçar e defender o povo.



Nhenety KX 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

RECONSTRUÇÃO DOS PREFIXOS CLASSIFICADORES DE CADA DIALETO


 O Kipeá de Mamiani é o dialeto mais bem detalhado, graças à sobrevivência da gramática deste autor, sabemos de várias coisas sobre a gramática não só do Kipeá, como também dos outros dialetos através dela, uma dessas coisas é a utilização de prefixos classificadores para adjetivos e para a formação de substantivos.


 Mamiani apenas menciona a primeira regra, que é a adição destes prefixos antes do adjetivo e depois do substantivo que está sendo modificado, ou seja, jamais pode-se dizer ERA YẼ, pois é gramaticalmente incorreto, sempre deve-se utilizar o prefixo adequado, que para casas seria BU-, portanto ERA BUYẼ, cada palavra cai em uma classe específica, portanto estrela não seria BATI BUYẼ e sim BATI CROYẼ, pois CRO é o classificador de objetos redondos, como estrelas, o sol, a lua, pássaros, miçangas e etc.


 A segunda regra não mencionada por Mamiani é a sua utilização como prefixos de derivação para criarem substantivos de certas classes, por exemplo, no vocabulário de Aryon Rodrigues é possível notar uma abundância de palavras que começam com BU, quase todas, se não todas, estão prefixadas com o classificador geral BU-, por exemplo, BUNHICO 'suor', é na verdade apenas NHICO 'suor' com o classificador BU- de pele para auxiliar semanticamente a palavra, ou seja, para que a pessoa que está ouvindo entenda de qual classe essa palavra pertence, já que na época que a língua foi registrada, havia uma abundância de palavras que soavam idênticas à NHI e à CO, é possível ver construções extremamente similares no Tupi Antigo, onde se falava pir-yaîa 'suor, suar', que era um composto entre pir 'pele' e yaîa 'suor, suar'.


Com tudo isso dito, aqui estão os prefixos classificadores em cada dialeto, também tenho intenção de sugerir mais classificadores para objetos e conceitos modernos, para não sobrecarregar o classificador genérico bu-:


1º) Prefixo classificador BE (para morros, pratos, assentos, testas etc. Deriva de be 'beira')


Dz.: bâ

Kp.: be-

Sp.: péi, pei-

Km.: pà, pà-

Kt.: bó-

KX.: bâ-

Pp.: bê-


2º) Prefixo classificador CRU (para qualquer tipo de líquido e rios. Derivação desconhecida, provavelmente uma palavra antiga para 'rio' ou 'corrente')


Dz.: kro-

Kp.: cru-

Sp.: kró, kro-

Km.: krù, kru-

Kt.: kru-

KX.: kro-, kru-

Pp.: kru-


3º) Prefixo classificador CRO (pássaros, pedras, estrelas e objetos redondos  (como contas, frutas, olhos, etc. Derivação desconhecida, possivelmente cognato com o kla de kla-rimon 'lua' do Xucurú e o kla de kla-wavé e kla-shuló do Xokó e do Natu, talvez signifique 'astro' ou 'corpo celeste')


Dz.: klo-

Kp.: cro-

Sp.: kló, klo-

Km.: krò, kro-

Kt.: kro-

KX.: klo-

Pp.: kro-


4º) Prefixo classificador EPRU (aglomerados e grupos, composto entre o prefixo de objetos animados E- + PRU 'inchaço')


Dz.: aplu-

Kp.: epru-

Sp.: eiplú, eiplu-

Km.: aprù, apru-

Kt.: ópru-

KX.: âplu-, âpru-

Pp.: aepru-


5º) Prefixo classificador HE (varas, pernas e objetos de madeira, derivação desconhecida, possivelmente uma palavra antiga para 'madeira', se não, uma palavra para 'vara')


Dz.: he-

Kp.: he-

Sp.: hé, he-

Km.: hí, hi-

Kt.: he-

KX.: he-

Pp.: hê-


6º) Prefixo classificador HO (cordas, trepadeiras, linhas, cobras, deriva da palavra ho 'fio')


Dz.: ho-

Kp.: ho-, hoi-

Sp.: hó, ho-

Km.: hò, ho-

Kt.: ho-

KX.: ho-

PP.: hô-, hôi


7º) Prefixo classificador YA (objetos metálicos, ossos e coisas pontiagudas, provavelmente significa 'espinho', já que surge na palavra aya 'mandacaru, uma espécie de cacto')


Dz.: ya-

Kp.: ya-

Sp.: yá, ya-

Km.: yà, ya-

Kt.: ya-

KX.: ya-

Pp.: ya-


8º) Prefixo classificador MU (para raízes comestíveis, deriva de mu 'raiz')


Dz.: mu-

Kp.: mu-

Sp.: mú, mu-

Km.: mù, mu-

Kt.: mu-

KX.: mu-

Pp.: mu-


9º) Prefixo classificador NU (buracos, poços, bocas, campos, vales, espaços cercados, deriva ou de nunu 'boca' ou é uma palavra independente que significa 'buraco')


Dz.: nu-

Kp.: nu-

Sp.: nú, nu-

Km.: nù, nu-

Kt.: nu-

KX.: nu-

Pp.: nu-


10º) Prefixo classificador RO (roupas, tecidos e peles, deriva de ro 'pele')


Dz.: ro-

Kp.: ro-

Sp.: ró, ro-

Km.: rò, ro-

Kt.: ro-

KX.: ro-

Pp.: rô-


11º) Prefixo classificador WORO (caminhos, conversas, discursos, estórias, deriva de WO 'caminho', o RO do classificador de conversa, discurso e estória é parte da palavra, já o RO de WORO de caminho pode ter surgido por associação ao outro classificador que se fundiu com ele)


Dz.: wro-

Kp.: woro-

Sp.: woró, woro-

Km.: worò, woro-

Kt.: woro-

KX.: woro-

Pp.: wôrô-


12º) Prefixo classificador BU (casas, flechas, contêineres, espigas de milho, e criaturas vivas com exceção de pássaros)


Dz.: bu-

Kp.: bu-

Sp.: pú, pu-

Km.: bò, bo-

Kt.: bo-

KX.: bu-

Pp.: bu-



Autor da matéria: Ari Loussant


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

SUGESTÃO DE NEOLOGISMOS DERIVADOS DE SU 'LENHA'


 Desta palavra podemos derivar algumas palavras novas, como por exemplo:


SU 'combustível', este pode ser derivado a partir do sentido de que lenha é usada como forma de combustível para as fogueiras, portanto mais neologismos podem ser criados a partir desse, como no Kamurú *su nyangti* 'gasolina, lit.: combustível de óleo' ou no Kariri-Xokó *sú dukró* 'combustível fossil, lit.: combustível de petrificação'.


SU 'inspiração', este deriva do anterior, no sentido de inspiração ser o combustível para ideias ou a ação que será feita, para este eu recomendo ser composto com *NU* 'determinar' para dar um reforço semântico, portanto *NUSU*.


SU 'instigação, incitação', esta é uma forma negativa de 'inspirar', que seria a ação de inspirar a fazer algo ruim ou ilícito, para este recomendo o composto junto com DO 'acometer' que significa 'fazer iniciar ou iniciar ação agressiva', portanto *DOSU*


Percebi agora que não coloquei o equivalente em cada um dos dialetos, seria assim:


SU 'combustível':


Dz.: dhu

Kp.: sù

Sp.: sú

Km.: sù

Kt.: su

KX.: sú, dhú

Pp.: sú



NUSU 'inspiração, inspirar, inspirar-se'


Dz.: nudhu

Kp.: nusù

Sp.: nusú

Km.: nusù

Kt.: nusu

KX.: nusú, nudhú

Pp.: nusú


DOSU 'instigação, incitação, incitar, instigar'


Dz.: dodhu

Kp.: dosù

Sp.: tosú

Km.: tosù

Kt.: dosu

KX.: dosú, dodhú

Pp.: dosú



Autor da matéria: Ari Loussant


SUGESTÕES DE NEOLOGISMO DO PARTICÍPIO ATIVO E PASSIVO


Sugestões de neologismo: particípio ativo e particípio passivo


 Estas sugestões vem para auxiliar na desambiguação de certos termos que são descritos pelas três formas de particípio dentro da família Kariri, existem duas que servem tanto para verbos passivos e ativos que vem na forma d-X-ri e di-X-ri, não carregam significados ativos ou passivos, simplesmente querem dizer 'ele/ela próprio(a) que X', já a terceira forma é exclusiva para verbos passivos, quando existe a necessidade de tornar seu significado ativo du-X-ri, este -u- foi descrito como um prefixo causativo ativo por Azevedo em seu artigo de 1965 na página 90, faz a diferença entre:


d-i-pa-ri = 'aquele que é morto, matado, morto, vítima'

e

d-u-pa-ri = 'aquele que causa morte, matador, asssassino'


 Essa regra pode confundir alguns assim como me confundiu no passado, antes eu pensava se tratar da mera diferença entre -ado e o -ador, matado e matador, escrito e escritor, feito e feitor e etc, porém como vimos é um pouco mais complexo que isso, a forma du-X-ri é *exclusiva* para os verbos passivos, verbos neutros/ativos ficam nas formas d-X-ri e di-X-ri sempre, não havendo um equivalente de -ado registrado, por exemplo:


Kipeá: di-tuyo-ri = 'ele/ela próprio(a) que zomba, zombador' 

porém não sabemos como dizer 'aquele que é zombado'


 Eu tenho três sugestões, a primeira é a mais simples e se encontra no mesmo artigo de Azevedo que mencionei antes, na página 91, o prefixo causativo passivo, quando for necessário tornar um verbo neutro/ativo em algo passivo, se adiciona o mû-/mŷ-/mu-/mu-/mi-/mû-/mý- antes do verbo, portanto teríamos:


Kariri-Xokó: di-mû-tuyó-ri ou di-mû-tuyó-li = 'ele/ela próprio(a) que recebe zomba, zombado'


 As duas outras sugestões são os neologismos que servirão para auxiliar na criação de palavras que seguem o padrão dissilábico e trissilábico mais comum nas línguas Kariris, deixando as palavras mais curtas. O primeiro será o prefixo do particípio passivo, pois ele explicará o ativo, iremos usar o prefixo causativo passivo que foi descrito por Azevedo e vamos estender seu significado para também ser um particípio por si só, portanto:


Dzubukuá: bâ 'subir, elevar' > mûbâ 'subido, elevado, levantado'

Kipeá: aemburè 'apressar-se' > mŷaemburè 'apressado'

Sapuyá: tó 'comer' > muitó 'comido'

Kamurú: klù 'beber' > muiklù 'bebido'

Katembri: inho 'água' > miinho 'aguado'

Kariri-Xokó: anakle, arankre 'ter vergonha' > mûanakle, mûarankre 'envergonhado'

Pipipã: pekê 'ensinar' > mýpekê 'ensinado'


 A segunda sugestão é o particípio ativo, cujo utiliza do passivo para ser formado, a palavra é ME ou MI (dependendo do dialeto), uma apócope de passivo MŶ + E de carga, ou seja, significa literalmente 'encarregado', portanto quando se colocar ao lado de uma palavra ela se torna 'encarregado de X', como por exemplo:


Dz.: he 'pintar, escrever, ungir' > mehe 'pintor, escritor'

Kp.: bae 'subir' > mebae 'subidor, elevador'

Sp.: míng 'ir' > memíng 'viajante, andarilho'

Km.: payngò 'caçar' > mipayngò 'caçador'

Kt.: nó 'saber' > menó 'sabedor, conhecedor'

KX.: dhó, dó 'participar' > medhó, medó 'participante'

Pp.: tú 'praticar' > metú 'praticante'


 Estas sugestões não substituem as regras antigas, elas servem para auxiliar na criação de palavra e criar uma variação de sinônimos, da mesma maneira como os falantes de português falam 'participante' ao invés de 'participador'.



Autor da matéria: Ari Loussant 


domingo, 19 de fevereiro de 2023

POSSÍVEL TRADUÇÃO DE DZIKU 'BUGIO'


 Creio ter encontrado o cognato da segunda sílaba de DZIKU 'bugio' no Boróro, lá a palavra para bugio vermelho ou macaco vermelho é reconstruída por Camargo como *kujaku, o que indica que *KU é a raiz comum entre essas duas famílias que indica o gênero Alouatta. Também encontrei no artigo de Nikulin a reconstrução da palavra 'macaco' em Proto-Macro-Jê, que seria *kukôj, o que pode indicar que *KU primitivamente tinha o significado genérico de 'macaco' e depois ganhou o significado especifico dos bugios na família Macro-Caribe.


 Já a palavra DZI não tem um cognato que eu conheça, eu suspeito que a primeira sílaba da palavra 'macaco' do Panará, que é o i(k) de *ikkôw* seja um cognato distante e esta palavra seja o termo genérico do Kariri para qualquer tipo de macaco, reconstruo esses termos das seguintes formas:


PKrr.: *ku 'bugio, primata do gênero Alouatta'


Dz.: ku

Kp.: cù

Sp.: kú

Km.: kù

Kt.: ku

KX.: kú

Pp.: kú


PKrr.: *dzi 'macaco (genérico)'


Dz.: zi

Kp.: dzì

Sp.: tsí

Km.: tsì

Kt.: zi

KX.: dzí

Pp.: dzi



Autor da matéria: Ari Loussant 


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

NOVAS PALAVRAS NO CATECISMO DE MAMIANI


Seis novas palavras encontradas no catecismo de Mamiani


 Estas palavras surgem na página 85 do catecismo, nestas linhas:


Perédŷ bó derá *codó* icayẽ, mó cayá bohó idzené si*tátó* *saicrá* mo iwowó: Tóbae icú, *pebo*bae nhupŷ mó radá, *ewó*bae ibé erá bó u*djó*peré saicrá ibo.


"Não sahir de casa de madrugada, nem á noite, para se topar com a bexiga no caminho: Fazer vinho, derramalo no chaõ, & varrer o adro da casa para correr com as bexigas."


 A primeira palavra é *codó*, que surge logo antes da a palavra icayẽ, dentro do texto essa frase forma o significado de 'madrugada', creio que essa palavra signifique 'primeiro, antes, preceder', isto é reforçado pelo seu uso na seguinte frase do catecismo:


Docrí cuné Tupã ená idehó ebuângheté mo eyanhí; *codó* aipabokié idiohó?


Comungastes com algum pecado mortal na alma sem *primeiro* confessar-vos dele ?



 A segunda palavra é o verbo composto da quarta declinação *tátó*, Mamiani diz que as palavras compostas tem seus acentos anotados por ele, o que indica que na época ele sabia o significado de ambas as palavras separadamente, infelizmente no entanto elas não foram registradas de forma separada nem no catecismo, nem na gramática. No Dzubukuá o verbo *tho* é usado para o significado de 'deparar, encontrar', então podemos confirmar o significado da segunda sílaba, já *tá* provavelmente tinha o significado de 'topar, esbarrar'.


 A terceira palavra se difere da que é registrada no Dzubukuá, aqui temos *saicrá* para 'bexiga', uma palavra antiga para varíola, enquanto na língua registrada por Nantes temos bororu, então a reconstrução se torna difícil, é possível que sai esteja relacionado ao sa de *sane* 'matéria', uma palavra antiga para pus ou talvez ao sa de *sanhicrã* 'monte mor de coisas comestíveis' caso o SA seja a palavra que significa 'monte, acúmulo'. Já CRA pode estar relacionado ao CRAE de TCICRAE 'arrepiar-se os cabelos', caso este signifique 'elevar, levantar' no sentido genérico e não no sentido específico para cabelos, então é possível que seja ou 'pus elevado' ou 'monte de elevações (na pele)'.


  Aproveito para dar minhas hipóteses de bororu, que provavelmente é um composto entre bo + ro + ru, sendo que *ru* pode está relacionado ao ru de neru "montão, acúmulo" e ru de craeru "torrão", a sílaba *ro* pode estar relacionado ao ra de yara 'estar inchado', já *bo* é mais complicado, se não for uma variante fonética de *bu* 'pele', é provavelmente alguma outra palavra que indica doença, também é possível que bo signifique 'coçar, coceira', já que este é um dos sintomas das bolhas formadas pela varíola, portanto a tradução seria 'coceira-estar inchado-acúmulo' ou 'acúmulo de inchaços que dão coceira'. Caso não seja nenhuma dessas é possível que seja a versão estendida de bo 'braço, mão', portanto boro-ru 'acúmulo (de bolhas no) braço'.


 A quarta palavra é *pebo* 'derramar', um composto entre pe + bo, ou seja 'verter', as duas palavras são provavelmente sinônimos, creio ter encontrado um cognato de bo na língua Hup da família Nadahup, lá a palavra surge como b’əh 'derramar'. Não fui capaz de encontrar um cognato de pe, porém é totalmente plausível que tenha o mesmo significado que bo.


 A quinta palavra é *ewo*, esta tem um cognato na língua Dzubukuá, que é anwo (aparece conjugado na terceira pessoa h-anwo), eu tinha feito uma hipótese ano passado de que o han de hanwo estaria distantemente conectado ao Macro-Jê *pũ₂c 'limpar', porém não creio que haja uma correspondência entre ũ e ə̃ dessas línguas e agora que sei que o h não era obrigatório, sei que ele não deriva de um *p do Proto-Kariri, portanto irei mudar essa hipótese. O significado é claramente 'varrer', já que esse aparece com este mesmo significado nas duas línguas, isso indica que as palavras tem o mesmo significado ou pelo menos significados aproximados, ainda não fui capaz de encontrar nenhum cognato, porém posso concluir que ambas as sílabas já tem o significado principal de 'varrer'. Existe também a possibilidade de e/an serem a palavra para 'varrer' e wo ser 'caminho', dando um reforço semântico para a primeira sílaba.


 A sexta e última palavra é o verbo da quinta declinação djó, a frase 'correr com as bexigas' é uma forma antiga de dizer 'afastar a varíola', o significado de 'afastar' ou talvez 'desviar' é reforçado pelo uso de pere que seria o PERE de 'sair', portanto udjóperé 'afastar-sair'.


Aqui estão as reconstruções para todos os dialetos:


PKrr.: *tʰatʰo 'topar, deparar', *tʰa 'topar, esbarrar', *tʰo 'deparar, encontrar' (todos na 4ª decl.)


Dz.: thatho, tha, tho

Kp.: tatò, tà, tò

Sp.: thathó, thá, thó

Km.: ttattò, ttà, ttò

Kt.: thatho, tha, tho

KX.: thathó, thá, thó

Pp.: tatô, tá, tô


PKrr.: *sakɾa ~ cakɾa 'varíola'


Dz.: hakra, hakla, dhakra, dhakla

Kp.: saicrà

Sp.: saklá

Km.: sakrà

Kt.: sakra, akra

KX.: sakrá

Pp.: saikrá


PKrr.: *pʰebo ~ *pʰebə 'derramar', *pʰe 'derramar', *bo ~ bə 'derramar' (todos na 4ª decl.)


Dz.: phebo, phebâ

Kp.: pebò

Sp.: phepó, phepéi

Km.: ppepò, ppepà

Kt.: phebo, phebó

KX.: phebó, phebâ

Pp.: pebô, pebae


PKrr.: *əwo 'varrer' (3ª decl.)


Dz.: âm'wo

Kp.: ewò

Sp.: eiwó

Km.: awò

Kt.: ówo, óvo

KX.: âwó

Pp.: aewô


PKrr.: *ɟo 'afastar' (5ª decl.)


Dz.: do, dho

Kp.: djò

Sp.: tó, gó, có

Km.: tò, gò, cò

Kt.: do, zho

KX.: dó, dyó, dhó

Pp.: dyô



Autor da matéria: Ari Loussant


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

O SIGNIFICADO DE CRAYOTE 'CACIMBA' DO KIPEÁ


Este texto será curto, pois o significado é bem direto, CRA significa 'cavar' e YO 'muito', enquanto TE é o nominalizador, transformando a palavra CRA-YO-TE 'coisa de cavar muito', o que bate diretamente como significado de *cacimba*:


1. buraco que se cava até atingir um lençol de água subterrâneo; poço, cisterna.



Reconstruo-o para os outros dialetos como:


Dz.: klaighâthe

Sp.: klayeithé

Km.: klayattè, krayattè

Kt.: krayathe

KX.: krayâthé, klayâthé

Pp.: krayotê



Autor da matéria: Ari Loussant 



A PALAVRA PARA COSTELA E UM NEOLOGISMO DERIVADO DELA


 Ricky e eu estamos estudando o catecismo há alguns meses, uma palavra que nos intrigou foi a palavra costela *imesu* do Kipeá, Ricky sugeriu que isso fosse um circunfixo entre I- e -SU, porém eu sugeri que fosse um composto entre I-ME 'osso dele(a)' + SU 'costela, peito(?), costa(?)', sugiro os significados de 'peito' e 'costa' devido à posição de onde está o osso e o fato de o cognato Dzubukuá *immedhuy* surgir com o significado de costa, assim como os cognatos do Sapuyá (missih) e Kamurú (missih) surgirem com este significado, substituíndo a palavra *woro* do norte (possivelmente um desenvolvimento nativo do Kipeá ?)


 Com isso dito, voltando ao que Ricky falou, na época que ele pensava que a palavra consistia em um circunfixo, ele sugeriu que este fosse usado como uma forma de construir palavras coletivas/conjuntos de alguma coisa, mesmo com a mudança na teoria sobre o significado da palavra, ambos concordamos que era uma ótima ideia ter um sufixo coletivizador, portanto decidimos usar apenas -SU/-DHUY/-SIH que provavelmente significa sozinho 'costela' como um sufixo coletivizador, devido ao fato de que costelas normalmente vem em grupos, aqui estão alguns exemplos:


Dz.: mûzedhû = 'cardume, lit.: coletivo de peixe'


Kp.: yacàmuràsù = 'alcateia, lit.: coletivo de lobo'


Sp.: muysí = 'biblioteca, arquivo, lit.: coletivo de livro'


Km.: pemuiysì = 'molho de chaves, lit.: coletivo de chave'


Kt.: krazósi = 'manada de bois/vacas, lit.: coletivo de gado'


KX.: murasû, muradhû 'vara de porcos, lit.: coletivo de porco'


Pp.: durisú 'enxame de abelhas, lit.: coletivo de abelha'


Como demonstrei, este sufixo pode ser usado para denotar o coletivo de animais e objetos, mas também pode ser usado para coleções de qualquer coisa, digamos por exemplo uma 'coleção de conhecimento' fosse a tradução para 'enciclopédia' ou se traduzíssemos nomes de animais como centopeias como Dz.: bûdhû "coletivo/coleção de pés" ou polvos como Kp.: crusù "coletivo/coleção de tentáculos', sendo que cru 'tentáculo' deriva de cru 'rabo' e por aí vai.



Autor da matéria: Ari Loussant


domingo, 12 de fevereiro de 2023

PALAVRAS NOVAS ENCONTRADAS NO CATECISMO DE MAMIANI


 Estava buscando por palavras novas e me deparei com algumas que não vi no vocabulário de Rodrigues:


1) PENÃ 'dividir em pedaços' (4ª declinação), este surge na página 122 do catecismo:


"Mo sipenã becubecu no Waré"


"Quando o padre divide a hóstia em pedaços"


 Este verbo parece ser um composto entre PE "quebrar/dividir em pedaços" e NÃ, cujo parece uma versão nasalizada de (U)NA 'repartir' caso não seja um verbo independente deste.


2) CURÉ 'botar para fora' (sem declinação, provavelmente a 4ª), este surge na página 124 do catecismo:


"...curébae bupí cununú..."


"...& botar para fora um pouco a língua..."


RE se parece bastante com a raiz de PERE 'sair', já CU está modificando seu significado, possivelmente significa 'expor'


3) MAEHAE 'engolir' (4ª declinação), este surge na página 124 do catecismo


"Doró simaehae cuná"


"& Então engolila..."


 É a mesma palavra que MAEHAE 'mais' e é cognata do Dzubukuá manhem (mâmhâm) que também adquiriu um sentido além de 'mais', no caso do Dzubukuá o significado mudou para 'passar', é possível ver a conexão semântica se teorizar que a ponte semântica para 'engolir' e 'passar' foi 'atravessar' ou literalmente 'mais-ar, fazer/causar/ser mais'.


Reconstruo todas essas palavras da seguinte forma:


1) 'dividir em pedaços' *pe-na (4ª decl)


Dz.: pena

Kp.: penã

Sp.: pená

Km.: penà

Kt.: pena

KX.: pená

Pp.: pêná


2) 'quebrar' *pe ~ pʰe


Dz.: pe, phe

Kp.: pè

Sp.: pé, phé

Km.: pè, ppè

Kt.: pe, phe

KX.: pé, phé

Pp.: pê


3) 'botar para fora' *ku-ɾe ~ ku-le ~ *kʰu-ɾe ~ kʰu-le (recomendo 4ª decl. para todos)


Dz.: kule, kure, khule, khure

Kp.: curè

Sp.: kulé, kuré, khulé, khuré

Km.: kulè, kurè, kkulè, kkurè

Kt.: kure, khure

KX.: kulé, kuré, khulé, khuré

Pp.: kurê


4) 'expôr' *ku ~ *kʰu


Dz.: ku, khu

Kp.: cù

Sp.: kú, khú

Km.: kù, kkù

Kt.: ku, khu

KX.: kú, khú

Pp.: kú


e caso *re* não derive de PERE:


5) 'expor, mostrar' *ɾe ~ *le


Dz.: le, re

Kp.: rè

Sp.: lé, ré

Km.: lè, rè

Kt.: re

KX.: lé, ré

Pp.: rê



Autor da matéria: Ari Loussant


PALAVRA RINE 'CARNE SALGADA'


 RINE é como várias outras palavras dessa língua um composto, formado pelas sílabas RI e NE, o significado independente dessas sílabas vem sido um pouco trabalhoso, aqui estão minhas hipóteses


A ordem do Kariri é normalmente similar ao português, onde os modificadores vem depois dos modificados, então a expectativa é de que RI signifique 'carne' e NE 'sal, salgado', no entanto temos as raizes *na* e *ne* no Kamurú e Sapuyá nas frases 'assa carnem'


Kamurú: assa carnem — toppo gratzö(na).

Sapuyá: assa carnem — thabu(neh) gratzo. 


 O que me faz suspeitar que NE de RINE é que signifique carne e RI signifique salgado, porém isso vai contra a regra dos modificadores. Existem exceções como POKU que segue uma ordem similar ao inglês, mas a maioria das palavras que descobri até agora seguem a ordem portuguesa, por isso sugiro uma nova interpretação.


NE significa 'carne' e parece ser um cognato distante *ñ-ĩt ‘carne’ do Proto-Macro-Jê, duvido que seja um empréstimo devido à falta de nasalização da vogal (como em hẽ/hem que vem do PMJ *pῖm) em todos os exemplos dados, além da mudança vocálica de e -> a no Kamurú (o que pode pôr mais dúvidas ainda sobre a origem dessa palavra).


RI não tem outros cognatos que eu conheça nem no Karib, Boróro, Nadahup, Tupi ou Macro-Jê, o que implica que é uma inovação da família Kariri ou um empréstimo de uma língua desconhecida, junto com NE, teriam ambos significado somente 'carne', mas ambas as raízes adquiriram o significado específico de 'carne salgada', diferenciando-se do termo genérico para 'carne' ADYE/AINDHE, é difícil dizer se essa substituição ocorreu nos outros dialetos, já que RINE surge exclusivamente no Kipeá.


 Irei reconstruir essas duas palavras com seus significados anteriores e os novos, ambas serviram de sinônimos para ADJE/AINDHE, devo avisar que devido ao rotacismo do Kipeá, a raiz RI será reconstruída duas vezes para compensar a falta de conhecimento de sua pronúncia verdadeira, NE será reconstruída tanto como um *e quanto um schwa, baseado no *na* do Kamurú:


1) carne: *li ~ ɾi 


Dz.: li, ri

Kp.: rì

Sp.: lí, rí

Km.: lì, rì

Kt.: ri

KX.: lí, rí

Pp.: rí


2) carne *ne ~ *nə


Dz.: ne, nâ

Kp.: nè, nae

Sp.: né, néi

Km.: nè, nà

Kt.: nó

KX.: né, nâ

Pp.: nê, nae



Autor da matéria: Ari Loussant 



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

A PALAVRA 'SUBSTITUIR'


 Esse verbo surge somente em um caso dentro do Kipeá, que é na palavra *SINHÃ* 'vigário, sucessor', a palavra NHÃ é uma variante de NÃ, que surge no Dzubukuá no composto nanhe (pronunciado nã-he), significa "chefe, lider, senhor", portanto SI seria a palavra que modifica esse significado para "sucessor", a palavra mais adequada para isso seria o verbo "substituir, trocar".


 Devido a ausência de cognatos, é difícil dizer se era um *s ou um *c no Proto-Kariri, portanto irei reconstruir com as duas formas temporariamente, até um cognato ser descoberto, aqui está a palavra em cada dialeto:


Proto-Kariri *si ~ *ci 'substituir, trocar'


Dz.: hi, dhi

Kp.: sì

Sp.: sí

Km.: sì

Kt.: si, i

KX.: sí, hí, dhí

Pp.: si



Autor da matéria: Ari Loussant 



PARTÍCULA QUE DENOTA CONCEITOS ABSTRATOS PI


 A função desta particula é denotar substantivos abstratos, com o significado de estado de ser, por exemplo:


Dzubukuá: pilo "comunidade" ou "estado de ser de todos, comum"

Kipeá: pìdendènùkiè "intocabilidade" ou "estado de ser de não poder tocar"

Sapuyá: pì ekò "necessidade" ou "estado de ser de necessitar"

Kamurú: pì panà nì "desigualdade" ou "estado de ser de não semelhante"

Katembri: piphuyókyónu "incansabilidade" ou "estado de ser de não poder cansar"

Kariri-Xokó: pikonú "inflamabilidade" ou "estado de ser de poder queimar"

Pipipan: tonunupi "possibilidade" ou "estado de ser de possível"


 Esta partícula deriva do verbo PI 'estar', servirá como prefixo nos dialetos do norte (exceto no Pipipan, pois neste servirá como sufixo) e como uma preposição nos dialetos do sul.



Autor da matéria: Ari Loussant


PARTÍCULA QUE DENOTA AÇÃO, ATO OU PERFORMANCE DU


 Esta partícula tem o objetivo de denotar a ação do verbo ou substantivo do qual ela está modificando, ela tem três significados, o primário é de ação, que pode ser usado da seguinte maneira:


Kamurú: dù sawì "ação do vento, ventania" ou literalmente "ventação"

Kariri-Xokó: du-purú "ação das flores, florescência" ou literalmente "floração"

Pipipã: tuasatonu-du "ação de democracia, democratização"


 O segundo e o terceiro significado são parecidos, eles denotam ato ou performance, uma prática deliberada normalmente relativa à shows, peças teatrais ou qualquer outro tipo de expressão artística:


Kipeá: dùsaiprì "ato de saltar, performance que envolve saltar"

Sapuyá: dù ngù "ato de ser/estar equilibrado, performance que envolver ser/estar equilibrado"

Dzubukuá: dubû "ato de correr, performance que envolve correr"


Esta palavra deriva do verbo TU "praticar" por meio de vozeamento ou catitê e servirá no Dzubukuá, Kipeá, Kariri-Xokó e Katembri como um prefixo, no Sapuyá e no Kamurú como preposição e no Pipipã como sufixo:


Dz.: du-

Kp.: dù-

Sp.: dù

Km.: dù

Kt.: du-

KX.: du-

Pp.: -du



Autor da matéria: Ari Loussant