terça-feira, 26 de julho de 2022

NGIGO E NHEWO OU PARACÉ

 

  Segundo Ari Loussant :" A função de seres encantados parecia ser a de espíritos da sorte, chance ou destino, eles que manipulavam os acontecimentos ao redor da pessoa, resumindo de uma maneira bem reducionista: irritá-los significava adquirir azar e respeitá-los significava adquirir sorte". 

       Há tipos de entidades encantadas distintas.  Os que nunca tiveram vida em terra e os que já tiveram.  Encantaria compreende Florzinha da Mata,  Kaipora, Curupira, Caboclinho d' água. E os que já tiveram vida em terra. Tem os espíritos vegetais , da natureza e os elementares, além de animais de poder ou que podem ter outros nomes.

      No estudo de Ari Loussant corrigindo a nomenclatura depois e também na rosa dos ventos, substituindo a palavra para 'sul, baixo' para Dz.: tui / Kp.: tý / Sb.: tu / Km.: tu 'descer abaixo', portanto os espíritos inferiores serão Tuiñi / Týnhi / Tuni / Tuni . Esse nome significa 'espírito abaixo (da entidade maior' e pode ser usado como o termo genérico para se referir aos encantados, eles parecem ser análogos aos Ngigos, por isso Ari Loussant coloca eles nessa classificação. também é possível usar o próprio nome Ngigo .

     Já outro estudioso o Valdivino Kariú-Kariri do Ceará diz " Pelo que ele intendeu Ngigo e Nhewo são categorias de encantados. Os encantados que são parentes desencarnados temos a palavra Ani que é  Alma. Os Nhewo os encantados vivos . Nhe pode vim de Ani (Alma ) e wo é caminho. Nhewo pode ser Espírito andante. 

    Outra estudiosa Adriana ( Korã ) acredita também segundo BANDEIRA: 1972, p. 86, sobre Os Kariri de Mirandela. "Paracé é, para os caboclos, tôda e qualquer manifestação dos encantados ... É comum ouvi os encantados passarem conversando entre si na língua".



BIBLIOGRAFIA: 


- BANDEIRA, Maria de Lourdes. Os Kariri de Mirandela: Um Grupo Indígena Integrado. Estudos Baianos. Universidade Federal da Bahia/ Nº 6, 1972 .



Autores da matéria: Ari Loussant, Valdivino Kariú-Kariri, Adriana Korã.



ORIGEM DA PALAVRA KIBU 'OSSO DA GARGANTA'

 

 Esse é mais um exemplo de um composto bastante direto, vemos duas palavras que se assemelham bastante à duas raízes encontradas na família Jê, separando as duas, temos:


1ª) KI, que significa 'osso' e seria possivelmente cognato distante do Proto-Macro-Jê *cet ~ *cek ‘osso’.


2ª) BU, que significa 'garganta, pescoço', sendo possivelmente cognato do Proto-Cerrado *mbut 'pescoço'.



Autor da matéria: Ari Loussant




A ORIGEM DE BÝSA / BUIDHA 'QUEBRAR'


 Esta palavra faz parte de um grupo de palavras que compartilham do mesmo significado:


Kipeá


BÝNE 'quebrar-se'

BÝPE 'quebrar-se'

BÝSA 'quebrar, quebrado'


 Todas começam com a raíz *bɨ, cujo ainda não é possível determinar se é a raiz *bɨ 'pé' ou se deve ser reconstruída como *bɨ 'quebrar', como sinônimo das raízes da segunda sílaba.


 O mais importante de tudo nessa hipótese é a segunda sílaba sa / dha, cujo os resultados no Kipeá e no Dzubukuá implicam uma origem oclusiva, portanto Ari Loussant reconstruiu como *ca 'quebrar', consiguindo com essa informação propor duas possibilidades para esta raiz:


1ª) Está relacionada à raiz do Hup j'ap 'quebrar, partir em dois'.


Ou


2ª) É um resultado monossilábico da raiz de tsate 'cortar', já que a segunda sílaba -te é meramente um resquício da coda do Proto-Brasílico *kat e a reconstrução que foi feita para esta palavra no Proto-Kariri foi *catə.



Autor da matéria: Ari Loussant


sexta-feira, 22 de julho de 2022

ORIGEM DA PALAVRA BOHÉ 'SER ENSINADO'

 

E a regra dos verbos passivos


 Esta palavra traz alguns fatos interessantes sobre como a língua Kipeá, e por extensão, a família Kariri funcionava na época que foi registrada, vemos primeiro de tudo que ela é um empréstimo do Tupi *mboé* 'ensinar, reger (música, dança)', notamos logo em seguida que o significado mudou de ativo para passivo, o que demonstra para nós que o Kariri ativamente mudava a voz gramatical de seus verbos, até mesmo os empréstimos recentemente adquiridos.


 Vemos isso com a palavra PA 'ser morto', cujo é cognato do Proto-Jê-Setentrional *pa 'matar', essa palavra em algum momento significava 'matar' no Kariri, mas quando o sistema de ergatividade exigiu a passividade do verbo para manter a coerência da frase, ele mudou sua voz, essa regra foi bem descrita por Mamiani na página 67 de sua gramática (Dos Verbos Passivos, & Neutros, Simplices, & Compostos), verbos que mantiveram sua voz ativa poderiam se tornar passivos com a utilização da partícula ergativa No (Nae na ortografia e reinterpretação moderna), o que nos dá uma pista sobre como esses verbos funcionam.


 A estrutura da frase no Pré-Proto-Kariri para dizer algo como 'eu matei a anta' provavelmente seria algo como:


*wi-pʰa k(r/l)i krajo 'eu-matar já anta'


Em algum momento da história da língua comum dos Kariri, a estrutura ergativa começou a tomar forma e substituiu a forma anterior de se formular frases:


pʰa k(r/l)i krajo wi-nə (matar já anta eu-ERG)


Essa estrutura, por consequência, alterou o verbo para passivo para indicar que ação tinha sido causado sobre X por causa de Y:


pʰa k(r/l)i krajo wi-nə (ser morto já anta eu-ERG)


 Outro fato interessante sobre a estrutura da palavra BOHÉ é como ela foi refeita na língua Kipeá, seguindo o padrão CV (Consoante-Vogal) ao invés de permitir o encontro entre as duas vogais, é difícil dizer qual fonema os Kipeá utilizaram como epêntese (isto é o som que surge para barrar o encontro entre as duas vogais e respeitar a estrutura CV), mas é possível que fosse uma fricativa velar sonora /ɣ/, se seguirmos a hipótese de Ribeiro de que a palavra Mýgý do Kipeá e Muihi do Dzubukuá derivam do Tupi mboyr 'miçanga'.



Autor da matéria: Ari Loussant


quarta-feira, 20 de julho de 2022

A PRONÚNCIA DA PALAVRA BADZE

 

Já faz um tempo que essa palavra vem sido lida como Ba-dzé com o é aberto, muito provavelmente por que interpretamos (erroneamente) os acentos de Mamiani como acentos que alteram a vogal, quando na verdade ele só tem a função de indicar a sílaba tônica. Nantes não utiliza um acento na palavra Badze assim como ele fez com a palavra Wanaguidze, o que possivelmente indica como ele ouviu esse som, pois como foi discutido antes, Nantes era francês, ele interpretava os schwas a partir de sua língua nativa, cujo até hoje indica os schwas com a letra e.


 Dando continuidade a essa discussão, Ari Loussant decidiu ir buscar o significado de BADZE, pois assim como várias outras palavras dessa língua, ela é um composto de duas raízes: BA '?' e DZE 'fumaça' = 'fumo, tabaco', relacionado à segunda sílaba do Proto-Macro-Jê *ñĩ-jə̂k e o Hup *j’ɨk, portanto reconstruído para o Proto-Kariri como *dzə 'fumaça'.


 Isso também muda a pronúncia do nome do Deus do Fumo Kariri, que na verdade deve ser com um schwa: Dz.: Badzoe / Kp.: Badzae / Sb.: Pazö / Km.: Paza .



Autor da matéria: Ari Loussant 


RAIZ *GE 'CIMA' PROTO-KARIRI NO KIPEÁ


A raiz *ge 'cima' do proto-kariri e seu resultado no kipeá



 Essa palavra nunca surge de forma independente dentro dos dialetos Kariri, ela só surge em compostos, principalmente aquele que significa 'para cima' do Proto-Kariri *ge-mɨ 'cima-em direção à/ao', não tem tradução boa no português, equivalente ao sufixo -wards do inglês'.


 Cada dialeto teve seu resultado específico, nos dialetos do sul como o Sabuyá e o Kamurú é possível ver a preservação do som g em gemuih, já nos do norte vemos uma lenição deste som, no Dzubukuá o *g só passa por um estágio e se tornou *ɣ, já no Kipeá vemos uma mudança fonética comparável ao inglês antigo, pois o *g passou por dois estágios de lenição e diferente do inglês antigo (como por exemplo ġeard /jæ͜ɑrd/ 'jardim' ancestral da palavra yard que deriva do Proto-Germânico *gardaz), esse fonema parecia transitar livremente entre sua forma original e estes estágios, as mudanças foram *g > ɣ > j.

 

 Esta mudança está bem registrada entre as duas línguas do norte, vemos a palatalização do g em palavras como sambýye (Dz.: habuiham), yemý (Dz.: hemui, Sb.: gemuih) e nio (Dz.: nhinho, leia-se nhin-ho e NÃO nhi-nho), e vemos a transição livre entre os estágios de lenição, pois temos a palavra hechi 'alto, lit.: cima-comprido' ao invés de *yechi.


 Com tudo isso dito, o objetivo desse texto é demonstrar que na fala coloquial dos Kipeá, muito provavelmente havia uma mudança livre entre esses fonemas, pois eles eram interpretados como o mesmo som, portanto o fonema *g do Proto-Kariri foi herdado no Kipeá como /g/, /ɣ/ e /j/.




Autor da matéria: Ari Loussant 

segunda-feira, 18 de julho de 2022

DEUSES DA MITOLOGIA KARIRI


 Versão Descrita Por Martinho de Nantes

 

 

  Esta lista tem como objetivo compilar os nomes dos Deuses e outros seres da mitologia Kariri, infelizmente não há uma descrição boa de seus rituais e funções na mitologia, portanto esse texto se limitará a apenas a nomenclatura.


Cinco dessas entidades não tiveram seus nomes revelados para nós, eles foram apenas mencionados, portanto o autor desse texto tomou a liberdade para nomear eles com nomes genéricos que descrevem suas funções, aqui está a tradução deles:


Hake / Sake / Sakü / Sazü = ha/sa/sa/sa 'nascer' + ke/ke/kü/zü 'mulher'


Yoedhae / Yaendé / Yögä / Yagä = yoe/yaen/yö/ya 'grande' + dhae/dé/gä/gä 'mãe'


Tsadzi / Tsãdzi / Zazi / Zangzü = tsa/tsã/za/zang 'um, primeiro, só' + dzi/dzi/zi/zü 'mulher'


Klañi / Kranhi / Klani / Krani = kla/kra/kla/kra 'plantar' extensão semântica de kla/kra 'cavar' + ñi/nhi/ni/ni 'espírito, alma'


Muiñi / Mýnhi / Muni / Muni = mui/mý/mu/mu 'água, rio' + ñi/nhi/ni/ni 'espírito, alma'



                                       Deuses da mitologia Kariri

                          (Versão descrita por Martinho de Nantes)

                                                    Hierarquia



                           Entidade Maior - Dzoenam (Senhor das Nuvens)


Tupá (Touppart) "Deus do céu e possível criador do universo na mitologia Dzubukuá, seu nome implica uma influência Tupi ou cristã, muito provavelmente é o mesmo que Meneruru e Ñimgo, ele foi quem enviou o grande pai para auxiliar os Kariri"


Meneruru "Deus único que subsistia no ar, descrito assim em múltiplas fontes, muito provavelmente é a mesma entidade que Tupá, é descrito como criador do homem Semakure (Cemacure), também existem outras variações do mito que dizem que Meneruru teve dois filhos: Kenbarere e Waridzam"


Ñimgo / Niyo / Nigo / Nigo "Deus criador do Universo descrito na variação Kariri-Xocó do mito, é descrito como o criador supremo da natureza com

todos os seres para compor o mundo, terra, serra, rio, mar, plantas ,

animais, chuva, sol e lua. O mito também descreve ele como o criador dos Nhiho, os indígenas Kariri. Na variação Kariri-Xocó do mito, ele também teria o papel de civilizador, sua função muito provavelmente dá continuidade aos mitos de Tupá e Meneruru, todos os três provavelmente são a mesma entidade com nomes diferentes dependendo da tribo"



                     Entidades Inferiores - Kloñi / Kronhi / Kloni / Kroni


Ngigo (Ou Ngigos já que sempre surge no plural) "Entidades descritas como inferiores ao Deus Meneruru, os cristãos usam 'santos' como analogia para suas funções, porém tais funções nunca são especificadas"


Kenbarere e Waridzam "Não há descrição alguma sobre suas funções na mitologia, ambos são filhos de Meneruru em uma das versões do mito, não são descritos como gêmeos, porém os detalhes que sobraram se assemelham a várias outras histórias de irmãos gêmeos entre as nações Tupi e Jê, o nome de Waridzam surge em uma das fontes como Warikidzam, possivelmente é o mesmo deus dos sonhos da Trinidade abaixo"


Cemacure ou Dhemakure / Semakure / Semakure / Semakure "descrito como o homem que foi criado pelo Deus Meneruru em uma das versões do mito, obteve um filho com sua mulher pelo toque de uma varinha chamado Crumnimni, é propositalmente descrito como homem que foi criado por um Deus e seu filho é descrito como pai dos brancos, isso implica que Cemacure era provavelmente o originador dos homens e possivelmente da humanidade nessa versão do mito, sendo equivalente a Adão da mitologia abraâmica"


Hake / Sake / Sakü / Sazü "esposa de Cemacure e mãe de Crumnimni, possivelmente assim como Cemacure ela era a primeira mulher, funcionado nessa versão do mito como um equivalente da Eva da mitologia abraâmica, teve Crumnimni após ser tocada por uma varinha, é possível que ela seja equivalente da Primeira Mulher da variante Dzubukuá da mitologia Kariri"


Krumnimni / Krunninní / Krungningni / Krungningni "Filho de Cemacure, é descrito como pai dos brancos, ele era possivelmente um mito de justificativa para a separação etnolinguística dos povos do Brasil e depois após a sua chegada, para os brancos. É possível que Crumnimni fosse originalmente o pai dos não-cariris e depois foi associado aos brancos, também é plausível presumir que se havia um "pai" para uma etnia, também havia para outros, portanto é totalmente possível que Crumnimni tivesse um irmão ou mais em seu mito para justificar a origem dos Kariri e, dependendo do caso, de outras tribos vizinhas."



                          Divindades - Yoeñi / Yaennhi / Yöni / Yangni


Yoepa / Yaenpa / Yöpa / Yangpa "Grande pai, ser enviado pelo deus do céu para auxiliar os Kariri, comparável ao deus civilizador Sumé da mitologia Tupí, os Kariri sempre recorriam a ele quando estavam aflitos, em seu mito ele é descrito como alguém que é respeitado e temido ao mesmo tempo, transformou os filhos dos Kariri em javalis e os levou para o céu, mesmo assim os Kariri rogaram para que ele voltasse, o que implica que ele teve gigantesca influência e importância na sociedade Kariri, provavelmente sendo ele quem trouxe os ensinamentos e rituais para este povo. Foi ele quem ao partir enviou o Deus do fumo para os Kariri"


Badzoe / Badzae / Pazö / Paza "Deus do fumo, um dos deuses mais importantes da religião Kariri, teve dois filhos, foi enviado pelo grande pai" 


Yoedhae / Yaendé / Yögä / Yagä "Mãe de Politam e Wanagidzoe e esposa de Badzoe mencionada na versão do mito anotada por Carlos Studart Filho, muito provavelmente representa uma influência cristã sobre o mito original dos Kariri"


Politam / Poditã / Poditang / Poditang  "Filho mais velho de Badzoe, deus da caça, em algumas versões do mito ele é confundido com o grande pai e Tupá é confundido com Badzoe, segundo uma versão do mito descrito por Carlos Studart Filho, ele teria descido para a terra com permissão de seu pai para buscar seu irmão mais novo, após este ter fugido depois de brigar com ele, porém Wanagidzoe e seus descendentes o ofenderam e depois o amarram à uma árvore, deixando Politam morrer lá de sede, sua mãe chorou bastante após sua morte e este apareceu mais algumas vezes antes subir para os céus, esta versão do mito se assemelha bastante com a história de Jesus e sua crucificação, provavelmente implica uma influência cristã sobre o mito original" 


Wanagidzoe / Warakidzã / Wanakizö / Wanakiza "Filho mais novo de Badzé, descrito em algumas fontes modernas como deus do sonho e em outras como deus da chuva, nenhuma função é dada para ele nos documentos mais antigos, é descrito na variante do mito de Carlos Studart Filho como o irmão mais novo de Politam e nos documentos mais antigos (catecismos) como randé ou 'amigo, camarada', o que implica que ele tinha alguma relação próxima com Badzoe e Politam" 


Tsadzi / Tsãdzi / Zazi / Zangzü "Primeira Mulher, a primeira mulher que existiu entre os Kariri, foi morta ou por um espinho mágico ou dormiu e faleceu logo após e seu corpo foi repartido em pedaços pelo Grande Pai entre cada homem, que colocaram eles envoltos em algodão, quando voltaram da caça, essas partes deram origem às mulheres"


Klañi / Kranhi / Klani / Krani "Deus das culturas que a terra produz segundo Martinho de Nantes, muito provavelmente um Deus da agricultura para os povos Kariri"


Muiñi / Mýnhi / Muni / Muni "Deus dos rios e das pescarias segundo Martinho de Nantes, ele não menciona gênero ou qualquer outra função dessa divindade". 

Idzene o portador da morte, segundo Valdivino Cariu, onde mencionou em Siqueira Batista.



Autor da matéria: Ari Loussant

sábado, 16 de julho de 2022

TEORIA O 'P' E SEUS ALOFONES

 

Esta é uma hipótese que Ari Loussant vem trabalhando a pouco tempo, começando produzir ela quando se deparou com duas palavras dentro da família Kariri.


1ª) Kp.: hẽ / Dz.: hem 'madeira, árvore', cognato do Proto-Macro-Jê *pĩm 'madeira, lenha' (o m do Dzubukuá é apenas uma representação do som nasal e não uma preservação da consoante coda -m)


2ª) Katembri: haú 'caititu', cognato do Bakairi pəu 'espécie de porco selvagem'


 Essas duas palavras demonstram uma mudança clara dentro do Kariri, onde o *p do Proto-Kariri passou para h nos seus descendentes ou até mesmo f no caso do Kamurú. Essa mudança fonética é bastante importante para podermos compreender o Kariri completamente, pois é extremamente possível que essa mudança tenha sido aplicada em algumas palavras que surgem dentro do Kipeá e do Dzubukuá


 Um exemplo disso pode ser DAHI 'estar no chão', sabemos que DA 'chão' está conectado com a segunda sílaba de RADA 'terra', já HI seria seguindo a lógica dessa hipótese um alofone de PI 'estar', portanto derivando do Proto-Kariri *da-pi 'chão-estar' e sendo herdado pelo Kipeá como da-hi.


 Outra palavra que muito provavelmente passou pelo mesmo processo foi HO 'fio, linha', vemos essa palavra surgindo no Kamurú como fa em fa-zambu 'cabelo, lit.: fio-cabeça', o que implica que a origem desse som é bilabial e a vogal é um schwa, portanto a palavra do Proto-Kariri seria *pə 'fio, linha', também é possível que ela esteja conectada à palavra POPONGI 'roca de fiar', o que confirmaria a estrutura original da palavra antes da alteração fonética.




Autor da matéria: Ari Loussant

terça-feira, 12 de julho de 2022

TCIKRAE 'ARREPIAR-SE O CABELO'

 

Este é mais um caso segundo Ari Loussant de um composto bem direto em seu significado, a primeira sílaba TCI é a que significa cabelo e é provavelmente cognata distante do Proto-Macro-Jê *ke, portanto Ari reconstruiu ela como *ci 'cabelo, pelo' a o Proto-Kariri, não podendo afirmar ainda se essa palavra é ou não cognata da palavra dý 'cabelo' do Kipeá, mas é provável que seja cognata do ký 'pena' do Sabuyá e do Kamurú.


 KRAE é um pouco complicado, no composto seu sentido é de arrepiar, mas ainda acho difícil dessa palavra ter um significado limitado de 'arrepiar, eriçar', por enquanto Ari Loussant irá adicionar os significados de 'bagunçar, desajeitar' até que um cognato seja encontrado.



Autor da matéria: Ari Loussant 



segunda-feira, 11 de julho de 2022

SUGESTÕES DE NOMES PLANETAS E SISTEMA SOLAR

 

Esta lista de nomes é semi-baseada nas mitologias dos Kariris e de outros povos, uma outra sugestão que Ari Loussant poderia dar para a questão da nomenclatura é para que os povos que irão adotar essas línguas utilizem suas entidades mitológicas próprias para nomear esses planetas caso prefiram assim, aqui está a lista de nomes para os planetas e outros astros importantes do nosso sistema solar:


Nota: A palavra kye/che/ce/ci que surge no final do nome dos planetas significa 'mundo' e deriva da palavra para 'sol, dia', é uma extensão semântica baseada no equivalente Tupi ar(a) 'dia, sol, luz, mundo, tempo, entendimento, juízo'.

 

Sol = Dz.: kye / Kp.: che / Sb.: ce / Km.: ci 


Mercúrio = Dz.: Badzae kye / Kp.: Badzé che / Sb.: Pazä ce / Km.: Pazä ci (lit.: mundo de Badzé, deus do fumo)


Vênus = Dz.: Wanagidzoe kye / Kp.: Warakidzaen che / Sb.: Wanakizö ce / Km.: Wanakiza ci (lit.: Mundo de Wanaguidze / Warakidzã, deus dos sonhos)


Terra = Dz.: da kye / Kp.: da che / Sb.: ta ce / Km.: ta ci (lit.: mundo de terra)


Marte = Dz.: dhu kye / Kp.: su che / Sb.: su ce / Km.: su ci (lit.: mundo de fogo)


Ceres = Dz.: Politam kye / Kp.: Poditã kye / Sb.: Poditang ce / Km.: Poditang ci (lit.: mundo de Politão / Poditã, deus Kariri da caça)


Júpiter = Dz.: yoe kye / Kp.: yaen che / Sb.: yö ce / Km.: yang ci ou ya ci (lit.: mundo grande)


Saturno = Dz.: tsadzi kye / Kp.: tsãdzi che / Sb.: zazi ce / Km.: zangzi ci (lit.: mundo da primeira mulher, baseado na mitologia Kariri que conta que as mulheres se originaram de uma mulher bonita e solteira que morreu e foi dividida após os homens saírem para caçar)


Urano = Dz.: Yoepa kye / Kp.: Yaenpa che / Sb.: yöpa ce / Km.: yapa ci ou yangpa ci (lit.: mundo do pai grande, inspirado na mitologia de Urano que era o deus do céu usando uma entidade da mitologia Kariri)


Netuno = Dz.: Dzuhe kye / Kp.: Dzuse che / Sb.: Zuse ce / Km.: Zusi ci (lit.: mundo da senhora das águas, tradução direta do nome de Iara, divindade das águas Tupi)


Pluto = Ñahe kye / Kp.: Nhase che / Sb.: nyase ce / Km.: nyasi ci (lit.: mundo do senhor da morte, inspirado na mitologia de Pluto, deus grego do submundo)



Autor da matéria: Ari Loussant 


quarta-feira, 6 de julho de 2022

POSSÍVEL RAÍZ BƏ 'MÃO BRAÇO'


Esta raiz que Ari Loussant menciona surge em três palavras diferentes: RAENBO 'acenar com a *mão*' BAEIWI 'chegar com a mão' e TOBA 'ser mostrado com a *mão*', todas essas as palavras mencionam *mão* e possuem uma sílaba em comum foneticamente, essa raiz provavelmente é cognata se não a mesma que BO de 'braço'.


 A utilização de uma mesma palavra para 'mão' e 'braço' não é única no Kariri, o mesmo ocorreu dentro do Maxakalí, cujo possui ñĩP ‘mão, braço’ do Proto-Transanfranciscano *ñĩm que por último deriva do Proto-Macro-Jê *ñĩm° 'mão'. Também é possível que essa raiz do Kariri (cujo Ari Loussant teoriza ser a mesma que a raiz de braço) seja cognata distante do Proto-Macro-Jê *paj(°) ‘braço, galho’ e do Proto-Tupi *po 'mão'.


 Notem que isso também muda a interpretação fonética da palavra BO 'braço', é também possível teorizar sobre a presença de um schwa nessa palavra ao olhar para seu cognato mais próximo no Proto-Caribe *apô-rɨ (lembrando que ô acentuado com o circunflexo no Proto-Caribe equivale ao som schwa /ə/).


 Com isso dito, temos agora duas raízes para mão, a que se parece mais com aquela encontrada no Proto-Tupi (Proto-Kariri: *bə vs Proto-Tupi: *po) e outra que se parece com a raiz encontrada no Proto-Caribe (Proto-Kariri: əmVcə vs Proto-Caribe *ômija-rɨ).



Autor da matéria: Ari Loussant 


sexta-feira, 1 de julho de 2022

ÇAMARABÓYA TRADUÇÃO KARIRI DZUBUKUÁ

 

Conto do Çamarabóya



 A nossa floresta original ultrapassava a linha do horizonte, onde a terra se encontra com o céu, o Rio Opara pelos índios e chamado pelos brancos que chegaram de Rio São Francisco. No interior dessa mata  no passado distante, existia uma cobra perigosa conhecida pelos índios como "Çamarabóya" quer dizer "Olhos Mal da Cobra". 


 Os caçadores que não respeita a lei da floresta, matava além do permitido pela natureza, sempre era atraído pelos olhos da cobra, que tinha uma espécie de ima na visão fazendo sua vítima ir até ela, que dava um bote certeiro devorando o infrator. Os caçadores que pegava somente o necessário para alimentar sua família, trazia tatú, veado, mel, frutas sem ser incomodado, voltava ileso sem sofrer nenhum mal.

 

 Mas com a destruição da grande floresta que cobria a região, as caças sumiram e Çamarabóya também, as histórias quase esquecidas pelo tempo, somente com muito trabalho podemos relembrar em conversa com um caçador indígena que alguma vez vai a mata bastante reduzida, somente comenta que Çamarabóya aqui não vive mais. Quando se derruba uma floresta toda sua riqueza biológica pode ser perdida, a cultura fica comprometida, o esquecimento chega lentamente ai vem o pior. 

 

 Tudo que tem numa floresta, mantemos uma relação com seus habitantes, animais, plantas, seres mitológicos e lendários, faz parte desse universo fantástico, nossa beleza estar no todo, contar a relação do índio com a natureza, tem suas regras de convivência, desobedecendo essas leis perdemos o usufruto da vida. 

 

Nhenety  Kariri-Xocó.




Dzubukuá


 Doro imoemgoem goeli kuleitse iho daboe, mode idhe-ho-a rada ko aranke, idze Opara Mui noe ñiho, idze Dham Prandhidhuiko Mui noe karai. Keñe mo klo anro leitse, iwamkli le ñeni idze "Dhamaraboya" noe ñiho, idze "ilepo ñeni" mo woli Ñiho. 


 Doro ipepa-a goeli inuwite leitse didhetali dianaklekieli iwo leitse, imuikli-a boe ngi noe ipo ñeni, iwam mui mo dipo do pewi hami hãy, do dhoe didhetali. Doro Ita-a didhetali-a wãybigoe iwañite do di ami do dibugo, Doro imuite-a pebutsoe, bukoe, kati, utu, itoe-a ledi kaydza. 

 

Ko ibuidhate leitse, muinekye didhetali-a ko Dhamaraboya, noetodi woro noe ngi, wãybigoe inoetsonu kunoe do woro ñiho diwiklili leitse bupi yoebogo, ibakye-de Dhamaraboya mo igi. pedzingi leitse, muinekye yeboe itsogote, pelidzoe towo, itoeba mubuiku nabetsete. 

 

 Ditsogoboeli mo leitse, gikoede ho dibali, aindhe, pui, itsogonoete-a yoebogo, itsaba yoenoeku batiba, ipi kuke mo boe, me mo iho modhi ñiho ko leitse, itsogo wo do ba didogo-a, kyewidi uro wo, muikye tu itsogote.


Ñeneti Kariri-Dhoko



 Segundo Ari Loussant num estudo do Conto Çamarabóya certas palavras se diferem das suas versões do catecismo de Nantes devido à reanálise de sua pronúncia e representação ortográfica, assim estão para serem faladas de maneira fiel à pronúncia original do Dzubukuá, além de também haver algumas que são neologismos, pois o catecismo não providencia vocábulos suficientes. Aqui está a lista de palavras novas que foram criados para traduzir certos termos do texto original e como eles são traduzidos literalmente:


1º) goeli = muito além, ultra- (goe 'muito' + li 'lá, ali, para lá, além')


2º) daboe = horizonte (da 'chão' + boe 'beira')


3º) mode = onde (mo 'em' + de 'que')


4º) dhe = encontrar (reconstruído como *ɟe graças ao Kipeá idie 'encontrar e adaptado para a fonologia Dzubukuá)


5º) Mui = Água, Rio (reconstruído a partir das palavras mýba "passar o rio" do Kipeá e muidze/mýdze "peixe" de ambos os dialetos)


6º) Dham Prandhidhuiko = São Francisco na fonologia Dzubukuá


7º) pepa = matar (pe 'prefixo causativo' + pa 'ser morto')


8º) inuwite = permissão (i- 'pfx de terceira pessoa' + nu 'poder' + wi 'fazer-se' + -te 'sufixo nominalizador', literalmente 'coisa de poder fazer-se, permissão')


9º) didhetali = caçador (di- 'pfx de terceira pessoal correferencial' + dhe 'carne, caça' + ta 'pegar' + -li 'sufixo do passado recente', literalmente 'aquele que pega carne/caça')


10º) iwañite = necessidade (i- 'pfx de terceira pessoa' + wañi 'necessitar, precisar' + -te 'sufixo nominalizador', literalmente 'coisa de necessitar, necessidade')


11º) mui = atração, influência (do verbo mui 'ser levado', com extensão semântica para 'ser influenciado')


12º) wãybigoe = somente, só


13º) pebutsoe = tatu (pe 'bola' derivado do verbo pe 'pisar' + bu 'pele, casca' + tsoe 'duro, rijo')


14º) ibuidhate = destruição (i- 'pfx de terceira pessoa' + buidha 'quebrar, destruir' + -te 'sufixo nominalizador' = 'coisa de destruir, destruição'


15º) ngi = tempo (extensão semântica de 'quando' para 'tempo')


16º) woro = conversa, história


17º) pedzi = derrubar (pe- 'pfx causativo' + dzi 'cair')


18º) pelidzoe = adoecer (pe- 'pfx causativo' + lidzoe 'doença')


19º) towo = cultura (to 'avô' + wo 'caminho')


20º) mubuiku = lentamente (mu 'curto' + bui 'pé, correr' + -ku 'sfx que denota característica', o significado literal de mubui é 'passo curto')


21º) koe = guardar


22º) itsogonoete = ser mitológico, lendário (i- 'pfx de terceira pessoa' + tsogo 'ter, existir' + noe 'sonhar' -te 'sufixo nominalizador' = 'coisa que existe no sonho')


23º) tsa = parte (derivado do verbo cortar)


24º) yoenoeku = fantástico (yoe 'grande' + noe 'sonhar' + -ku 'sfx que denota característica')


25º) batiba = universo, espaço (bati 'estrela' + -ba 'lugar')


26º) ho = relação (derivado da palavra 'fio, linha')


27º) modhi = entre, meio, no meio (mo 'em, no, na' + dhi 'coração')


28º) kyewi = seguir, andar junto (kye 'atar' + wi 'ir')


29º) tu = usufruto (derivado de tu 'praticar', com extensão semântica para 'usar, uso')



Estudo e Tradução do Português Kariri para o Dzubukuá: Ari Loussant