quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ, SABERES E FAZERES, Contos – Volume 14 – Coletânea, Nhenety Kariri-Xocó

 





WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ, SABERES E FAZERES

Contos – Volume 14 – Coletânea

Nhenety Kariri-Xocó





📘FALSA FOLHA DE ROSTO


WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ, SABERES E FAZERES

Contos – Volume 14 – Coletânea

Nhenety Kariri-Xocó





📘VERSO DA FALSA FOLHA DE ROSTO


Obra criada por Nhenety Kariri-Xocó.

Todos os direitos pertencem ao autor.

Proibida a reprodução sem autorização prévia.





📘FOLHA DE ROSTO (FRONTISPÍCIO)


WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ, SABERES E FAZERES

Contos – Volume 14 – Coletânea

Autor: Nhenety Kariri-Xocó

Aldeia Kariri-Xocó, Porto Real do Colégio – AL





📘FICHA CATALOGRÁFICA (FICHA TÉCNICA)


(Modelo preliminar – poderá ser ajustado depois)


Nhenety Kariri-Xocó.

Woroy História, Kariri-Xocó, Saberes e Fazeres: Contos – Volume 14 – Coletânea.

Edição independente.


1 .Cultura indígena. 2. Kariri-Xocó. 3. Tradições. 4. Contos. 5. Saberes e fazeres tradicionais.






📘 DEDICATÓRIA



À memória viva dos meus ancestrais Kariri-Xocó,

que caminham comigo na Travessia do Tempo.

Aos encantos do sopro antigo,

à força do rio que me ensina,

aos passos deixados na areia sagrada

e ao espírito que me guia

na construção desta história.





📘 AGRADECIMENTOS


Agradeço à ancestralidade que sustenta minhas mãos,

ao povo Kariri-Xocó que pulsa no meu peito,

ao Grande Mistério que inspira cada palavra

que nasce deste chão vermelho.

Agradeço também a todos aqueles

que honram a memória do nosso povo

e mantêm viva a chama da tradição.





📘 EPÍGRAFE



“A palavra é flecha que atravessa o tempo;

o conto é o caminho por onde o espírito caminha.”

— Sabedoria dos antigos





📘 ABERTURA



Nesta coletânea que nasce do coração da aldeia,

reúno histórias que atravessam séculos,

carregando o brilho dos cantos antigos

e a força da memória que não se apaga.

Cada conto é uma pedra colocada no caminho,

um gesto de resistência,

um abrir de portas para mundos tecidos

pela oralidade, pela fé

e pela coragem dos nossos ancestrais.


Aqui, o tempo não é linha,

é círculo. É retorno. É travessia.

E cada palavra é um passo

entre o ontem e o hoje.





📘 PRÓLOGO



Quando o vento sopra sobre os Saberes e Fazeres do povo Kariri-Xocó,

ele traz histórias que caminham sozinhas,

histórias que aprenderam a existir

mesmo quando o silêncio tentou calá-las.

Este livro é a escuta dessas vozes.


Nesta jornada, Woroy — espírito do caminho —

abre a trilha entre o visível e o invisível.

Os contos aqui narrados pertencem ao chão,

mas foram sonhados no céu.

São memórias que atravessam gerações,

moldadas pela resistência, pela alegria,

pela dor e pela esperança

que fez nosso povo seguir adiante.


Este volume é mais que coletânea:

é guarda, é canto, é retorno.

E ao folhear estas páginas,

o leitor também se torna caminhante.





📘 SUMÁRIO



Dedicatória


Agradecimentos


Epígrafe


Abertura


Prólogo


Contos:



Contos:


1. Iaɲaté Bunhá, A Casa de Barro e Comunhão; 


2. Mekuá, O Grafismo Na Marca Viva do Povo; 


3. Ubadi, Os Enfeites da Alma; 


4. Sitohoyé, A Caçada Coletiva;


5. Badoque Dapró, O Arco Lançador de Pedras;


6. Iaɲaté Bechié, Mutirão da Roça;


7. Pogeɲebe, Bater Colher Feijão; 


8. Utsoho Cunubó, Fazer Farinha;


9. Bubehó, Forno de Queimar a Cerâmica; 


10. Nhikienkaraí, O Branco de Compaixão. 



Apresentação


Introdução


Considerações Finais


Sobre o Autor


Sobre a Obra


Glossário


Agradecimentos Finais


Orelha do Livro


Capa e Quarta Capa





📘 APRESENTAÇÃO



Este livro nasce do encontro entre memória, espírito e palavra.

Cada conto aqui reunido carrega o pulso vivo do povo Kariri-Xocó, seus Saberes e Fazeres, sua força ancestral e sua caminhada sagrada pela Travessia do Tempo.

“Woroy História — Volume 14” não é apenas uma coletânea; é um território narrativo onde o passado conversa com o presente, e o espírito conduz o caminhar do contador de histórias.


Aqui, a tradição oral se encontra com a escrita, preservando e renovando o que nossos antepassados nos confiaram.

O leitor é convidado a atravessar essa porta e caminhar conosco.




📘 INTRODUÇÃO



O povo Kariri-Xocó guarda uma herança espiritual marcada por histórias que não se perdem.

São narrativas que resistem ao tempo, moldadas pelo chão sagrado, pelas águas do rio Opará, pelos Saberes e Fazeres de uma cultura viva.


Esta obra surge como continuidade desse movimento ancestral.

Cada conto representa um fragmento do espírito coletivo, revelando sonhos, lutas, encantos e caminhos que formam a identidade do nosso povo.


Aqui, Woroy — o espírito do caminho — guia o leitor por entre mundos visíveis e invisíveis, mostrando os fios que tecem a vida indígena.

Mais do que uma coletânea, é um gesto de preservação, resistência e amor pela memória ancestral.






📘 CONTOS: 




01. IAƝATÉ ERA BUNHÁ — A CASA DE BARRO E COMUNHÃO 





Na aldeia banhada pelas águas do grande rio, quando o sol se deita no horizonte, o vento sopra histórias antigas nos ouvidos atentos dos mais novos. É nesse tempo que começa a se falar de Iaɲaté — o mutirão sagrado do povo Kariri-Xocó.


Zawã, um jovem de olhos atentos como os do gavião, havia pedido a mão de Nãmá, filha de um velho sábio das ervas. O casamento se aproximava, e como manda a tradição viva, era chegada a hora de construir a nova morada. Mas não seria apenas uma casa — seria um elo feito de barro, madeira e união.


Na língua Dzubukuá, falada pelos antigos e ensinada aos filhos, Iaɲaté quer dizer “juntar para trabalhar”. E quando a aldeia ouve essa palavra, o chamado é mais forte que o tambor: todos sabem que é tempo de juntar os corpos, os risos, os cantos e as mãos.


Logo ao amanhecer, a floresta foi saudada. Os homens seguiram mata adentro para buscar as madeiras retas e firmes. Com sabedoria antiga, cortaram os troncos certos, trançaram as paredes com cipó forte como laços de sangue. Não havia pressa, cada gesto tinha alma. Sobre a armação, cobriram com capim sapé. E onde não havia sapé, palha de arroz — pois a terra sempre oferece o que for preciso.


Chegada a hora do barro, foi feito o convite: "Venham todos. A casa vai ganhar paredes." As famílias vieram com alegria. Ao redor da futura morada, os homens pisavam no barro cantando, os jovens buscavam água nos potes de barro queimado, as crianças gargalhavam e moldavam pequenos punhados de lama como se fossem brinquedos sagrados.


As mulheres, donas do sabor e do cuidado, preparavam panelas fumegantes de comida, alimentando a força dos que trabalhavam. E os cantos de Iaɲaté ecoavam entre as árvores e as paredes em construção — melodias que contavam histórias de antepassados e anunciavam que ali o amor tomaria forma de lar.


À medida que a taipa subia, as mãos deixavam suas marcas: dedos grandes, finos, pequenos, fortes — impressões digitais de um povo unido. Era como se cada um assinasse ali: "Eu estive. Eu fiz. Eu pertenço."


Quando a casa ficou pronta, o sol se punha novamente. No barro úmido ainda fresco, as marcas eram visíveis como tatuagens da memória. A casa era mais que abrigo — era a história de um povo contada em silêncio, feita com suor, riso e cantoria.


E assim, a cada nova união, renasce o costume. Pois enquanto houver amor, floresta, barro e vontade de estar junto, Iaɲaté Era Bunhá continuará — eterno como o rio que segue.





02. MEKUÁ, O GRAFISMO NA MARCA VIVA DO POVO 





Nas margens do velho rio Opará, onde o vento ainda sussurra nomes esquecidos e os cajueiros se inclinam como anciãos em oração, vivia uma jovem chamada Tainá, filha do povo Kariri-Xocó. Seu corpo, como o barro das margens, era tela viva do tempo e da memória. Cada risco em sua pele era um traço da história de muitos — não apenas dela.


Ela cresceu ouvindo as histórias dos mais velhos, que falavam com reverência dos Mekuá, os desenhos ancestrais. Contavam que eles não surgiram por acaso: vinham da junção de mundos, de encontros e dores, da mistura de povos trazidos pelo tempo e pela força da colonização.


“Meká”, diziam os avôs, “é a marca do corpo — a lembrança do Kariri Kipeá.”


“Kuatí”, completavam as avós, “são as listas do Tupi — serpentes que dançam na pele.”


Assim nasceu o grafismo Kariri-Xocó, uma arte que não se limita ao belo, mas que pulsa com o sagrado, com o vivido, com o que sobrevive.


Tainá, sentada ao lado de sua avó Nairá, mergulhava os dedos em Bunhá, o barro vermelho, e moldava potes que ganhavam vida com traços e cores.


— Essa é a Hebunhawí, minha neta — disse Nairá, sorrindo com os olhos. — Pintura de cerâmica. Do He, que é pintar, e do Bunhawí, nossa cerâmica.


— E essa outra? — Tainá apontou para o desenho em seu braço.


— Esse é o Nhiró, pintura do corpo. Do Dzubukuá, que vive em nós.


— E o tear da tia Jacira?


— Aquilo é o Heburuhu, pintura do fuso. Também do Dzubukuá.


Na aldeia de Porto Real do Colégio, chamada de Aldeia Mãe, cada linha pintada, cada pote moldado, cada corpo adornado contava não apenas a resistência de um povo, mas a sua reinvenção. Era ali que as famílias, sobreviventes de antigas dores e silêncios impostos, se reconstruíam entre cantos, grafismos e memória.


Tainá compreendeu então: o grafismo não era só um desenho. Era escudo e asa. Era raiz e flecha. Era o modo como seu povo, feito de muitos, permanecia um só. Misturado, sim. Esquecido, jamais.


E ao olhar para o céu tingido do entardecer, Tainá entendeu que sua missão seria também marcar, com traço e com palavra, a continuidade do que jamais deixará de viver:


o Mekuá — o desenho sagrado da resistência.






03. UBADI, OS ENFEITES DA ALMA 





Nas margens do rio onde as águas correm mansas como os sussurros dos ancestrais, vivia a anciã Kamurá, guardiã da memória do povo Kariri. Era ela quem ensinava aos mais jovens os segredos do Ubadi – os enfeites que não apenas adornavam o corpo, mas também a alma e a história dos que vieram antes.


— Ubadi não é só bonito, não, dizia Kamurá com sua voz rouca de sabedoria. — É quem nós somos.


Certa manhã, Yacané, uma menina de olhos vivos como estrela antes da aurora, aproximou-se da anciã carregando penas, sementes e um pedaço de barro.


— Vovó Kamurá, ensina pra mim?


Kamurá sorriu e a fez sentar ao seu lado, debaixo da sombra generosa do juazeiro.


— Vamos começar com as plumas. Estas vêm das aves sagradas. Vê este cocar? Cada pena aqui foi conquistada com respeito. Usamos para honrar os espíritos que voam alto — e passou o cocar sobre a cabeça da menina como uma coroa de vento e lembrança.


Ela mostrou os colares de sementes, os brincos de ossos, os braceletes de conchas e os pingentes de dentes de animais. Cada peça tinha uma história, um espírito, uma ancestralidade.


— Antes dos brancos chegarem, usávamos só o que a natureza nos dava. Hoje, alguns usam miçangas de vidro, fios coloridos e até plástico. Mas o espírito do Ubadi permanece: não é o material, é o significado.


Kamurá mergulhou os dedos em uma tigela de urucum e outra de genipapo e desenhou sobre o rosto de Yacané traços que pareciam raízes dançando.


— Essa pintura é tua identidade. Quando dançares no Toré, todos saberão quem és e de onde vens.


Depois, mostrou os cestos de cipó, feitos para colher frutas e guardar os peixes do rio. As panelas de barro, moldadas pelas mãos das mulheres, repousavam como luares secos sobre esteiras de palha.


— Vê este tacape? — disse, levantando um bastão de madeira escura, lustrado pelo tempo. — Quando o velho ancião ergue esse bastão, não é violência... é autoridade. É a palavra dos antigos que ecoa.


Yacané tocava tudo com olhos encantados, como se cada objeto fosse um livro vivo.


— Ubadi é enfeite? — perguntou com inocência.


Kamurá respondeu com firmeza doce:


— Ubadi é espelho do nosso mundo. Cada povo indígena tem seu modo de fazer, seu rito, sua alma. Os elementos podem ser parecidos, mas o sentido nasce do coração de cada etnia.


Naquela noite, à beira da fogueira, Yacané dançou com seu cocar de penas simples, pintura fresca no rosto e o colar que ela mesma havia feito com sementes do mato. E todos ali, dos mais novos aos mais velhos, viram que o espírito do Ubadi brilhava naquela menina como o fogo ancestral que nunca se apaga.






04. SITOHOYÉ, A CAÇADA COLETIVA 





Houve um tempo em que a aldeia enfrentava dias de grande escassez. O silêncio dos estômagos vazios pesava mais que o calor do sol, e a fumaça das panelas vazias subia apenas com água e esperança. Diante disso, os anciãos se reuniram em volta da fogueira sagrada. As chamas dançavam como espíritos atentos, enquanto o pajé, com seus olhos sábios e voz firme, chamou o cacique e a comunidade para tomar uma decisão.


Era hora de invocar o antigo costume: SITOHOYÉ, a caçada coletiva.


Logo ao amanhecer, um grupo foi escolhido entre os mais valentes e hábeis guerreiros. Cada um com sua vocação, cada passo guiado pelo espírito da floresta. Saíram em silêncio, com o coração firme e os olhos atentos ao chamado da natureza.


Primeiro chegaram ao rio. As águas corriam calmas, mas pareciam vazias. Nenhum sinal de peixes à vista. Foi então que Pirapotã, conhecido por mergulhar fundo nas águas da Mãe-Terra, olhou o rio com atenção e disse:


— Aqui moram os peixes de águas profundas.


Sem hesitar, mergulhou. E logo trouxe à tona surubins, niquins e curimatãs, que brilhavam como prata molhada.


A jornada continuou. No interior da mata densa, o grupo encontrou árvores carregadas de frutos. Mas estavam altos, fora do alcance. Foi aí que Itawaçú, o escalador mais ágil da aldeia, subiu como um vento leve entre os galhos. Em pouco tempo, desceu com goiabas maduras, pitangas vermelhas como sangue novo e cachos de aricuri.


Mais adiante, na beira de um lago, viram aves em revoada: nambús, marrecas, patos selvagens. Eram ligeiras, quase impossíveis de alcançar. Mas Muirátã, o melhor arqueiro do povo, firmou seus pés na terra, puxou o arco com serenidade e, com flechas certeiras, abateu várias aves.


Seguindo as trilhas, Candará, o mestre rastejador, estudava as pegadas no chão com a sabedoria dos bichos. Logo descobriu os esconderijos das cutias, preás e tatús. Com cuidado e precisão, caçaram sem desperdício.


Enquanto isso, Natirã, o farejador da aldeia, sentiu no ar o perfume adocicado das flores. Seguindo o aroma, encontrou uma colmeia escondida entre as árvores. Com respeito e técnica, retiraram mel puro, que escorria como ouro vivo entre os dedos.


Depois de dias na mata, os guerreiros voltaram. A aldeia os recebeu com cantos e sorrisos. Trouxeram fartura: peixe, caça, mel, frutas e aves. Mas mais que isso, trouxeram a força da união. Porque foi o dom de cada um, somado ao espírito do coletivo, que saciou a fome de todos.


E assim, entre cantos, danças e partilha, SITOHOYÉ se tornou mais do que uma caçada: virou lição de vida.






05. BADOQUE DAPRÓ, O ARCO LANÇADOR DE PEDRAS 





Na  aldeia do tempo em que os caminhos ainda eram riscados pelos pés descalços na terra batida, havia um menino curioso chamado Dapró. O seu nome, como cantavam os mais velhos no Toré, significava “Arremessar longe”. E de fato, Dapró era atento. Enquanto os outros meninos brincavam de correr entre os cajueiros, ele observava as mãos dos velhos artesãos, os modos dos caçadores, os segredos dos pássaros.


Certa tarde, seu avô, o sábio Manoel Karuá, o chamou debaixo do pé de juazeiro. Com voz lenta, como o vento nas folhas secas, lhe mostrou um instrumento antigo, pendurado num galho, meio esquecido:


— Tá vendo isso aqui, meu neto? — disse erguendo o objeto. — É o badoque. Arco de dois cordões e couro de veado no meio. Foi com ele que cacei preás, nambus e até coelho selvagem lá nas matas do Aricuri.


Dapró arregalou os olhos. Parecia um arco de brincar, mas havia algo de misterioso naquele couro firme, na curvatura exata dos fios de algodão trançado. O avô sorriu com orgulho e continuou:


— Isso aqui não é brinquedo. Era arma de precisão. Nós, Kariri do Nordeste, sabíamos usar isso com destreza. O melhor de todos foi Geraldo dos Baca, homem de vista fina e pulso firme. Dizem que acertava passarinho em pleno voo sem errar.


O menino ouviu como quem ouve um canto sagrado. Quis aprender. E aprendeu.


Os dias seguintes foram de treino e prática. Dapró recolhia pedras arredondadas do rio, cortava o couro com cuidado, trançava os cordões com fibra de algodão cru e, aos poucos, o som do zunido do badoque cortava o ar da aldeia.


A primeira caça foi um susto: um nambu desceu do galho com um só disparo. Não era apenas sorte, era tradição renascida.


Os mais velhos começaram a sorrir. Diziam que o espírito de Geraldo dos Baca talvez tivesse escolhido aquele menino para continuar o dom. E assim foi.


Dapró cresceu e virou mestre do badoque. Mas sua missão não era apenas caçar. Era ensinar. Reuniu crianças e adolescentes, contou histórias, mostrou como fazer e usar o arco lançador de pedras.


— Não adianta ter badoque pendurado na parede — dizia com firmeza. — A tradição vive é no fazer, no usar, no ensinar. Se não passar adiante, a memória morre.


Hoje, muitos jovens da aldeia sabem o que é um badoque. Alguns até se tornam bons caçadores, mas todos sabem que aquele instrumento carrega mais que pedras — carrega história, saber, espírito ancestral.


E lá na parede da casa de Dapró, agora homem velho, pendura-se um badoque novo, feito por seu neto. E a roda do tempo segue girando.






06. IAƝATÉ BECHIÉ, MUTIRÃO DA ROÇA 





O sol ainda mal despontava por entre as copas das árvores altas quando os primeiros passos pisaram o chão fresco da terra escolhida. Era tempo de Iaɲaté — o mutirão da roça. No coração da aldeia Kariri-Xocó, a comunidade se preparava para mais uma jornada de trabalho coletivo, um costume antigo que ecoava como canto ancestral entre os galhos e as raízes da memória.


Anaciã, mulher de sabedoria firme, já separava o feijão para o almoço comunitário. Seu filho mais velho, Indoá, observava os homens afiando as foices à sombra de um umbuzeiro. A terra, úmida das últimas chuvas, parecia sorrir sob os pés descalços dos que se aproximavam, vindos de várias casas, de várias famílias.


— Hoje é dia de roçar, meu filho — disse o avô Ibinawá, entregando-lhe uma enxada com cabo novo. — Iaɲaté começa com o respeito à terra e à união.


Na área marcada, os homens avançavam em fileiras, derrubando o mato fino, deixando em pé apenas as grandes árvores. As sombras dessas árvores refrescavam o corpo e também a alma. Outros puxavam os tocos teimosos, limpando a área com dedicação. Tudo que era arrancado era levado para o centro da futura roça, onde seria feito o ajuntamento para a coivara.


Ao meio-dia, o aroma da feijoada trazia todos de volta para perto das panelas de barro. Homens, mulheres, jovens — todos sentados em esteiras de palha, dividindo histórias, risadas e o alimento sagrado.


— Esta é a força do nosso povo — disse Anaciã, servindo um prato a um jovem recém-chegado. — Trabalhamos juntos, colhemos juntos, vivemos juntos.


Depois de dias de roçado, veio a coivara. O mato seco crepitava em labaredas controladas, limpando o terreno com respeito ao ritmo da natureza. Em março, as mãos já depositavam sementes na terra: milho, feijão, mandioca. Era o nascimento do Bechié — a roça viva.


Quando abril chegou, os matos indesejados ameaçavam as brotações, e com eles veio outra fase do mutirão: a limpeza da lavoura. Mas agora os cantos de rojão ecoavam. Homens e mulheres formavam duplas, trocando desafios em versos cantados, em vozes fortes, cheias de riso e provocação saudável. O som atravessava as plantações e alcançava os corações como batida de tambor ancestral.


— Vamos ver quem vence na cantoria hoje! — gritava uma mulher, enfrentando o compadre com versos de sabedoria e alegria.


O tempo passou, os meses correram. Junho trouxe a colheita do milho verde, do feijão, da abóbora e da batata. Dezembro chegaria com a mandioca e o algodão, encerrando mais um ciclo da roça viva, da terra mãe.


Apesar das mudanças dos tempos, dos asfaltos que tentam cobrir os caminhos de barro, o mutirão da roça ainda pulsa no peito dos Kariri-Xocó. Iaɲaté Bechié não é apenas um costume — é memória viva, é comunhão. É a certeza de que onde há canto, terra e gente de coração firme, há também resistência.


E ali, no coração do sertão de Alagoas, essa tradição continua. Como diz o povo: “Enquanto houver canto de rojão e mão que planta, a roça viverá.”






07. POGEƝEBE, BATER COLHER FEIJÃO 





Na beira da aldeia, quando a lua ainda caminhava devagar no céu e a terra soltava o cheiro da madrugada, o velho Tupanã já afia o cabo da enxada com uma pedra de rio. Era tempo de plantar. Os mais velhos diziam que a terra sussurra quando está pronta. E naquele ano, o Bechié, o roçado sagrado do povo Kariri-Xocó, estava vibrando em silêncio, pedindo o uahí – a lavoura.


Na manhã seguinte, os passos dos homens abriram caminhos na terra. Entre eles, Tupanã e seu neto Piragibe, que, com os olhos acesos de curiosidade, via pela primeira vez o ritual do plantio. As mulheres seguiam atrás, com as saias roçando o mato e as mãos firmes segurando as sementes do geɲe, o feijão que alimenta corpo e espírito. No ombro, levavam cabaças d’água e, sob a sombra generosa do juazeiro, acendiam o fogo, tiravam o cachimbo pawí e sopravam memórias no vento.


— Primeiro cava com o tasí, Piragibe — dizia Tupanã, enterrando a enxada como quem pede licença à terra. — Depois a mulher vem e planta. É assim que o mundo começa de novo.


O tempo passou, o sol correu e a chuva respondeu ao chamado da terra. Quando julho chegou, trazendo o cheiro de folhas secas e céu limpo, foi hora de colher. Tupanã, como manda o costume, chamou toda a família. O mutirão formou-se com passos, cantos e risos. A mulher de Tupanã, dona Iacira, preparava comida no mesmo juazeiro onde meses antes se fumava o cachimbo.


No terreiro arredondado, diante da roça, os feijões arrancados formavam pequenos montes. Ali, ao sol por três dias, os grãos secavam sob vigília das crianças que brincavam ao redor. E então, finalmente, chegou o dia do Pogeƞebe — bater colher feijão.


Os homens, com cacetes de madeira, começaram a bater as ramas secas. A cada pancada, a vagem se abria como uma boca de segredo, libertando as sementes que saltavam aos montes. Era como se o som ecoasse a voz dos antigos, ensinando a cada batida que o alimento é um dom, mas também é suor, comunidade e partilha.


Quando o sol beijou a linha do horizonte, os cestos já estavam cheios. Quem ajudou ganhou um punhado, sinal de gratidão. O restante foi ensacado com cuidado. No dia seguinte, a carroça puxada por burros seguia caminho rumo à casa de Tupanã, levando não apenas alimento, mas o fruto de um ciclo de tradição.


Alguns sacos seriam vendidos no comércio, mas a maior parte ficaria com a família. Era dali que viriam os pratos de sustança, as histórias ao redor do fogo, e os grãos que voltariam à terra no ano seguinte.


Assim, de geração em geração, o povo Kariri-Xocó mantém vivo o Pogeƞebe — não apenas como trabalho, mas como celebração do modo de viver.






08. UTSOHO CUNUBÓ, FAZER FARINHA 





Um conto de tradição Kariri-Xocó



O céu de março se abria em gotas serenas sobre a terra quente da Colônia Indígena Kariri-Xocó. As primeiras chuvas não vinham apenas molhar o chão: elas despertavam o tempo da mandioca, ou como os antigos diziam, muicú. Era o início do ciclo sagrado.


Homens, mulheres, crianças — todos sabiam que a vida na roça estava em movimento. A terra, cuidadosamente limpa e arejada, recebia as hastes da mandioca com respeito. Levava tempo. Sete, doze meses, às vezes mais. A paciência era parte do cultivo.


Quando chegava o tempo do utsoho cunubó — o fazer da farinha — um chamado ecoava pelos quintais da aldeia. Era a hora do mutirão.


Ali, entre os caminhos de barro batido, os homens saíam cedo. De enxadas nas mãos e força nos ombros, arrancavam as raízes grossas da mandioca e as levavam até a casa de farinha, a erá cunubó. Nossa casa de farinha tradicional era de palha, guardava histórias nas paredes de taipa e cheiro de fumaça no teto, muito depois o Posto Indígena fez a casa de alvenaria em 1960.


As mulheres, de mãos ágeis e firmes, raspavam uma a uma as mandiocas, transformando casca em brilho branco. Então começava o trabalho do caititú, o moedor de madeira forte. A massa era moída, prensada e levada ao forno aquecido, onde dois homens mexiam a farinha com cuidado, como se embalassem um segredo ancestral.


O tempo da farinha não tinha pressa. Dois, três dias. Dependia da abundância da mandioca, da alegria dos cantos, da resistência dos corpos. Quando pronta, era guardada em sacos ou em potes de barro. Cada um recebia sua parte, mas o dono da roça ficava com a maior quantidade — era justo, era tradição.


Entre uma fornada e outra, as mulheres preparavam delícias. Usavam o forno ainda quente para assar o waraeró, o beiju feito da massa fresca. Em seguida, vinham o woudu, um bolo firme, natural e cheiroso, e o doce saredu, preparado com massa fina e sabor adocicado, feito para celebrar.


Ao fim do trabalho, o terreiro da casa de farinha virava festa. Panelas de carne ferviam no centro, bolos de mandioca se espalhavam entre risos e histórias. Os cantos de trabalho viravam cantos de agradecimento. As crianças corriam, os velhos contavam os dias de outrora.


Hoje, poucos ainda fazem farinha. Mas a mandioca continua nas roças. E o saber... ah, o saber permanece. Vive na memória das mãos, nos olhos dos mais velhos, no espírito de quem ainda sonha com o cheiro da farinha assando ao cair da tarde.


Porque utsoho cunubó não é só trabalho. É caminho. É união. É tradição viva do povo Kariri-Xocó.





09. BUBEHÓ, FORNO DE QUEIMAR A CERÂMICA 





Na aldeia Kariri-Xocó, o tempo parecia caminhar no ritmo das mãos das ceramistas. Mãos firmes, calejadas, conhecedoras do barro, que transformavam a argila em vida, em utensílios que guardavam água, cozinhavam feijão e resistiam ao fogo. Era ali, na curva do Rio São Francisco, que o Bubehó — o forno cerâmico — se acendia como o coração ardente de uma tradição ancestral.


As mulheres eram as tecedeiras do barro, moldando o Ruño — o pote cerâmico — e a Runhú — as panelas de barro. Seus cantos ecoavam entre os quintais, entrelaçados com o som do barro sendo amassado, moldado, afinado. Enquanto isso, os homens partiam cedo para o mato, em busca da lenha seca, escolhida com sabedoria para alimentar a fome do Bubehó.


O Anran umah, o homem do fogo, era quem assumia a tarefa mais exigente: preparar a queima. Ele conhecia cada detalhe do forno feito de tijolos e argila, com sua câmara e pequena abertura como boca faminta. Sabia o momento certo de empilhar os potes com cuidado, respeitando a ordem das peças e o sopro do vento.


Quando a tarde caía, o fogo ganhava vida. Labaredas dançavam dentro do Bubehó, como espíritos antigos saudando a tradição. Durante três horas, o calor invadia o ar, tingindo o céu com o perfume da madeira e o sussurro do barro se tornando pedra.


No silêncio da noite, o forno então descansava. Era preciso deixá-lo esfriar aos poucos, respeitar o tempo do barro. Somente o amanhecer permitiria que o Anran abrisse sua boca e retirasse, um a um, os objetos que agora estavam prontos para servir ou viajar às feiras das cidades e dos povoados ribeirinhos.


Mas os tempos mudaram. A partir da década de 1990, as geladeiras começaram a chegar às casas ribeirinhas. Os potes cerâmicos perderam seu lugar. As panelas de barro foram sendo esquecidas. As feiras já não esperavam ansiosas pelas ceramistas.


E as mulheres, as grandes mestras do barro, foram ficando velhas. Poucas continuam a moldar. Poucas ainda cantam enquanto trabalham a terra molhada.


Mas o Bubehó ainda está lá. Silencioso. De vez em quando, volta a se acender.


Porque ainda há um guardião do fogo.


E enquanto ele respirar, o forno viverá. E com ele, a memória do povo Kariri-Xocó continuará ardendo, como brasa que nunca se apaga.






10. NHIKIENKARAÍ, O BRANCO DE COMPAIXÃO  


 




Em tempos antigos, quando a região da Aldeia de Colégio ainda pertencia à imensa Capitania de Pernambuco, os colonizadores haviam se assenhoreado das terras indígenas, tomando para si as margens férteis do Opará, o grande rio.


Os nativos, privados de plantar e de pescar livremente, lutavam para sobreviver. Certo dia, sob o sol que cintilava nas águas do rio, o ancião Ehêbá saiu com seu filho, o pequeno Wianã, para tentar a sorte na pesca. Caminharam até as margens do Opará, lançaram as redes, mas o dia todo se passou sem que um único peixe mordesse a isca.


Quando o sol já começava a declinar, tingindo o céu de laranja e púrpura, pai e filho permaneceram à beira do rio, junto a uma vasta roça de milho que se estendia, verde e dourada, até onde a vista alcançava.


Wianã, com os olhos suplicantes, virou-se para o pai e disse:


— Pai, estou com fome...


Ehêbá, com o coração apertado, respondeu com tristeza:


— Meu filho, não pegamos peixe... e nada temos para comer.


O menino, então, apontou com esperança para as espigas maduras que se balançavam suavemente ao vento:


— Olha, pai! Quanto milho!


Mas o ancião, com o peso dos ensinamentos de seus ancestrais, murmurou:


— Filho, esse milho não é nosso...


Wianã permaneceu em silêncio, mas sua fome era visível, seu rosto abatido. Ehêbá, tomado pela compaixão, não resistiu. Aproximou-se da plantação e, com cuidado, retirou três espigas, assando-as ali mesmo, na brasa improvisada entre as pedras.


Enquanto o cheiro doce do milho assado se espalhava pelo ar, surgiu, entre as fileiras da plantação, o dono da roça — João do Brejo, um homem robusto, com o olhar severo de quem zela pelo que é seu.


Ao ver os dois indígenas, perguntou em tom áspero:


— Vocês plantaram alguma roça aqui para tirar milho sem minha ordem?


Ehêbá, com serenidade e dignidade, ergueu o olhar e respondeu:


— Olá, seu João. Quem plantou essa roça aqui, nas terras dos índios, foi Nhikienkaraí "O branco de compaixão" um filho de Deus. A criança chorava de fome… e eu tirei três espigas para saciar a fome dele.


João do Brejo permaneceu em silêncio por um instante. Seu olhar endurecido se desfez, amolecido pela cena que presenciava: um pai que, mesmo diante da penúria, ensinava ao filho o respeito, mas que, diante da fome, cedia por amor.


Então, com um gesto de rara compaixão, João disse:


— Ehêbá, me perdoe por tê-lo repreendido. Vou tirar mais milho, feijão e abóbora para o senhor levar.


Ehêbá, surpreso e emocionado, curvou a cabeça em agradecimento. E assim, naquele dia, entre o som manso do rio e o crepitar da brasa, nasceu o respeito mútuo entre dois homens, marcando a memória do Opará com a história de Nhikienkaraí — o Branco de Compaixão.





Autor dos Contos: Nhenety Kariri-Xocó 






📘 CONSIDERAÇÕES FINAIS



Ao encerrar esta jornada, reafirmo que cada conto é uma semente ancestral plantada no solo da palavra.

A força dos Saberes e Fazeres Kariri-Xocó não se restringe ao passado; ela floresce em cada novo leitor que se permite atravessar pela sabedoria dos antigos.


Que esta obra siga como flecha de luz, levando adiante a história do nosso povo, com respeito, verdade e espírito vivo.

Que Woroy continue abrindo caminhos para todos nós.





📘 SOBRE O AUTOR



Nhenety Kariri-Xocó é contador de histórias, poeta, pesquisador cultural, guardião da memória de seu povo e filho da aldeia Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio, Alagoas.

Sua escrita une tradição e espiritualidade, preservando os cantos, caminhos, Saberes e Fazeres transmitidos pela ancestralidade.

Dedica-se à produção de contos, cordéis, estudos culturais e narrativas que fortalecem a identidade indígena brasileira.






📘 SOBRE A OBRA



“Woroy História, Kariri-Xocó — Saberes e Fazeres — Volume 14” integra uma coletânea voltada à preservação da memória ancestral.

O livro reúne contos que atravessam mundos espirituais, tradições orais e vivências do povo Kariri-Xocó.

Cada capítulo se conecta ao propósito maior de fortalecer a raiz, iluminar a caminhada e celebrar o espírito que sustenta a cultura do povo originário.





📘 GLOSSÁRIO



Badoque Dapró — O Arco Lançador de Pedras, geralmente na captura de aves  para utilizadas na cultura. 


Bubehó — Forno de Queimar a Cerâmica, construção de pedra e barro onde queima a cerâmica tradicional. 


Encanto / Espírito — Manifestação espiritual ligada à natureza.


Iaɲaté Bechié —  Mutirão da Roça, atividade agrícola tradicional, trabalho coletivo entre as famílias. 


Iaɲaté Bunhá — A Casa de Barro e Comunhão. 


Mekuá  — O Grafismo Na Marca Viva do Povo. 


Nhikienkaraí — O Branco de Compaixão, colonizador que se comoveu com os indígenas passando necessidade diante da invasão do território nativo.


Opará — Rio São Francisco, sagrado para os povos indígenas.


Oralidade — Forma tradicional de transmissão de saberes através da fala.


Pogeɲebe — Bater Colher Feijão, atividade de tirar as sementes das vagens utilizando varas ou pau.


Saberes e Fazeres — Conjunto de práticas, ensinamentos e modos de viver transmitidos pela ancestralidade.


Sitohoyé  — A Caçada Coletiva, atividade praticada em grupos .


Travessia — Caminho espiritual entre tempos e mundos.


Ubadi — Os Enfeites da Alma, ornamentos de penas, osso, conchas, madeira que embeleza o corpo.


Utsoho Cunubó —  Fazer Farinha, a fabricação de farinha artesanal do modo tradicional de forma coletiva. 


Woroy — Espírito do caminho; guia ancestral.






📘 AGRADECIMENTOS FINAIS


Agradeço aos meus ancestrais, que nunca deixaram minha palavra caminhar sozinha.

Ao meu povo Kariri-Xocó, que pulsa em cada conto desta obra.

Aos Saberes e Fazeres que sustentam nossa cultura.

Ao espírito Woroy, que abre caminhos e ilumina a travessia.

E ao leitor, que agora também carrega consigo um pouco da nossa história.





📘ORELHA DO LIVRO



Este livro é um convite para entrar nos caminhos dos Saberes e Fazeres Kariri-Xocó.

Em cada conto, Nhenety Kariri-Xocó entrelaça tradição oral, espiritualidade e poesia, guiando o leitor pela Travessia do Tempo.

“Woroy História — Volume 14” revela mundos que respiram, vozes que ecoam e histórias que se recusam a desaparecer.


Aqui, o passado é vivo.

O presente é ritual.

E o futuro é semente.





📘 CAPA (TEXTO)


WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ, SABERES E FAZERES

Contos – Volume 14 – Coletânea

Nhenety Kariri-Xocó





📘 QUARTA CAPA


Nesta obra, Nhenety Kariri-Xocó conduz o leitor pela Travessia do Tempo, revelando contos que unem ancestralidade, Saberes e Fazeres e resistência.

Cada narrativa reforça a importância da memória indígena e a força espiritual que sustenta o povo Kariri-Xocó.


Uma coletânea que honra o passado, ilumina o presente

e entrega ao futuro a semente sagrada da palavra.






Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ, ALDEIA NA FLORESTA, Contos – Volume 13 – Coletânea, Nhenety Kariri-Xocó






📖 FALSA FOLHA DE ROSTO



WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ, ALDEIA NA FLORESTA

Contos – Volume 13 – Coletânea

Nhenety Kariri-Xocó





📖 VERSO DA FALSA FOLHA DE ROSTO



Todos os direitos autorais reservados ao autor:

Nhenety Kariri-Xocó

Povo Kariri-Xocó — Porto Real do Colégio (AL), Brasil.


Proibida a reprodução parcial ou integral sem autorização prévia do autor.


Blog oficial: https://kxnhenety.blogspot.com





📖 FOLHA DE ROSTO (FRONTISPÍCIO)



WOROY HISTÓRIA, KARIRI-XOCÓ

ALDEIA NA FLORESTA

Contos – Volume 13 – Coletânea


Autor: Nhenety Kariri-Xocó


Local: Brasil

Ano: 2025





📚 FICHA CATALOGRAFICA (MODELO EDITORIAL)



Xocó, Nhenety Kariri-

Woroy História, Kariri-Xocó, Aldeia na Floresta: Contos – Volume 13 – Coletânea / Nhenety Kariri-Xocó. – Brasil, 2025.


258 p.

Inclui notas, glossário, apêndices e dados biográficos.


Literatura indígena.


Contos tradicionais.


Cultura Kariri-Xocó.


Ancestralidade.


Narrativas orais.


I. Título.


CDD: 869.93





💛 DEDICATÓRIA



Dedico este livro aos meus ancestrais, aos espíritos guardiões da floresta e ao povo Kariri-Xocó, cuja memória vive em cada palavra, cada canto e cada história que o vento leva e que o coração conserva.





🙏 AGRADECIMENTOS



Agradeço aos mais velhos, que mantiveram o fogo do conhecimento aceso.

Agradeço às crianças da aldeia, que são flores do futuro.

Agradeço aos espíritos da mata, que inspiram meus passos e meus contos.

E agradeço ao meu Irmão Virtual ChatGPT, que me acompanha como aliado na preservação do saber Kariri-Xocó.





🕯️ EPÍGRAFE



“Memória é raiz que não se corta.

Espírito é semente que sempre brota.”


— Sabedoria Ancestral Kariri-Xocó





📑 SUMÁRIO



Abertura 


Prefácio


Apresentação


Introdução



Contos 


1. Uanie Ebadzú, O Indígena Originário;


2. Tseho Tçohó Byté, Muitos Povos, Um Somente;


3. Maená, A Fortaleza da Aldeia; 


4. Baerá Uanie, Viver na Casa Indígena; 


5. Kerítsé, Os Animais da Floresta;


6. Batéiretsé, Morando na Floresta;


7. Eriwí Inghé Tokenhé, A Visita das Crianças aos Velho; 


8. Penhó Uohoiete, Na Enxurrada Tudo Vem;


9. Uanrandzi, O Remédio da Floresta;


10. Woroy Ihendziá, A História das Árvores.



Apêndices e Complementos


Glossário Kariri-Xocó de Termos Sagrados


Notas de Tradição Oral


Referências


Sobre o Autor


Dados Biográficos


Orelha do Livro


Capa e Contracapa 






🌿 PREFÁCIO



Este livro reúne contos que nascem da terra, da oralidade e da ancestralidade Kariri-Xocó. São histórias que carregam saber, espírito e memória. Cada conto foi escrito para preservar o que vive no coração da aldeia, no canto dos mais velhos e na força da floresta.





🌱 APRESENTAÇÃO



Como contador de histórias e guardião do meu povo, apresento aqui uma coletânea que respeita a tradição e dialoga com o presente. Os contos foram publicados inicialmente no meu blog e agora ganham formato de livro, ampliando sua força e alcance.





🌾 INTRODUÇÃO



O povo Kariri-Xocó é formado por raízes antigas e múltiplas. Nossa história pulsa na língua, na dança, nas casas coletivas, nos rituais, e nas narrativas que atravessam gerações. Este livro é um esforço de preservação, memória e resistência cultural. Cada conto apresentado aqui é uma porta para o espírito da floresta, para a sabedoria dos ancestrais e para a identidade viva da aldeia.





🌳 OS CONTOS COMPLETOS



1. UANIE EBADZÚ, O INDÍGENA ORIGINÁRIO 





Um Conto Sobre Kariri Originários



Sob a luz amarela do entardecer, o fogo da aldeia crepitava no centro do pátio, enquanto os pássaros encerravam seu canto. Ali, sentados sobre esteiras de caroá, estavam um jovem curioso e o ancião da memória longa. O jovem, de nome Ysupã, tinha olhos brilhantes e o coração inquieto. Aproximou-se com respeito de Txopé, o mais velho dos contadores de história do povo.


— Txopé, posso lhe perguntar algo? — disse o jovem, enquanto se sentava.


— Sempre, meu neto — respondeu o ancião, com a voz grave como o tambor da terra.


— Como era o indígena Kariri original? Como vivia? Como se vestia? Como lutava e cantava?


Txopé fechou os olhos por um instante e pareceu voltar ao tempo de seus antepassados. Então, com voz firme, começou a falar, como quem evoca os espíritos antigos:


— Uanie Ebadzú, meu neto... O indígena originário. Ele se distinguia pelos seus gestos, sua fala, sua arte e seus adornos. Cada peça em seu corpo contava uma história. Vou te contar...


Puxou de sua memória a primeira imagem.


— No lábio inferior, usava o Tembetá, um adorno inflexível, de madeira ou espinho, que mostrava sua força e maturidade. Não era apenas enfeite — era identidade.


— Amarrado ao corpo, carregava o Dubé, o nosso aió, feito de fibras de caroá ou palha de aricuri. Ali guardava utensílios pessoais, como se levasse parte do lar consigo.


— Os homens fumavam no Paiáwi, o cachimbo feito de pau ou barro, moldado por mãos hábeis como a de um artesão da memória.


— E quando ia à mata, levava o Iarú, a flecha, enfeitada com penas, afiada como a visão do caçador. Para lançá-la, usava o Seridzé, nosso arco, curvado como a lua crescente.


— Para guardar as flechas, havia a Yaru, uma bolsa resistente feita também de caroá. Nas costas, ela dançava com o vento enquanto o guerreiro corria.


— E se o combate era corpo a corpo, usava o Tçoncupy, uma clava pesada, com o poder de abrir caminho ou defender o território.


— Para anunciar os companheiros nas quebradas, tocava o Tçuiru, feito do casco de tatu, soando como o chamado dos antigos.


— Nas festas, agitava o Buibú, nosso maracá, feito de coité. Era mais que música — era a voz da terra nas mãos do pajé.


Ysupã escutava atento, olhos fixos como se visse cada objeto surgir diante de si.


— E como se vestiam, Txopé?


— Pintavam-se, meu neto, com Bukencré, a tinta vermelha do urucum, e com Nhiró, a tinta do jenipapo, que marcava o corpo com grafismos que só os antigos sabiam interpretar. Às vezes, usavam Hebidizancró, carvão ou argila branca no rosto. Pintura é proteção e é fala.


— Homens e mulheres usavam a Sasá, saia feita de aricuri ou pindoba, balançando como folhas ao vento.


— No pescoço, pendia o Bebaté, o colar de sementes, dentes e pedrinhas. E nas orelhas, os Ubadi, brincos e botoques, enfeites de quem respeita o próprio corpo.


— Nas danças do Toré, soava o Tsereró, a gaita feita de embaúba, chamando os espíritos a dançar junto.


— Na cabeça, o guerreiro levava o Keisontsebu, o cocal de penas de aves, sinal de bravura. E nos braços, o Craraisõbó, a braçadeira de penas, leve como vento, firme como coragem.


Txopé então olhou para Ysupã com ternura:


— Ser Kariri é mais que usar cocar, mais que pintar o corpo. É viver em harmonia com os ensinamentos da terra e dos que vieram antes. Tudo o que vestimos, usamos e tocamos tem espírito. E é por isso que digo: o verdadeiro Uanie Ebadzú não se perdeu, ele vive em nós, quando lembramos e contamos como agora.


Ysupã abaixou a cabeça em respeito. O fogo lançava sombras longas no chão, como se os espíritos dos ancestrais dançassem em roda.


— Gratidão, Txopé — disse o jovem, emocionado.


— Leve tudo isso, meu neto. E quando te perguntarem sobre o indígena original, conte como eu contei. E um dia, será tua a vez de ser o ancião que guarda a memória.


E assim, a noite caiu sobre a aldeia, protegida pela sabedoria dos antigos.





02. TSEHO TÇOHÓ BYTÉ, MUITOS POVOS, UM SOMENTE 





Um Conto da Formação Étnica



No alto da colina, onde o Rio Opará murmura suas memórias, vivia o povo Kariri na aldeia sagrada Natiá Ebadzú. Era ali que Woroy, o Guardião das Memórias, ensinava às crianças os caminhos antigos, os cantos do tempo e os nomes sagrados das coisas.


— Aqui é onde tudo começou, meus pequenos — dizia ele, cercado de olhos atentos —. O som do nosso povo ecoava forte, como o tambor da terra.


Um dia, chegaram homens de roupas compridas e cruzes ao pescoço. Vinham de longe e chamavam-se Wareá, os padres. Trouxeram palavras novas e planos de barro e pedra.


— Venham, Kariri, vamos construir uma nova aldeia! — disseram.


Chamaram-na Natiacró, a aldeia civilizada de alvenaria.


Ymakaré, o ancião Kariri, hesitou.


— Mas e a alma da colina? E o vento do Opará?


— Levaremos conosco! — respondeu Tamin, o mais jovem dos guerreiros. — Somos raiz, não pedra. Onde pisarmos, floresce a memória.


Na nova aldeia, não estavam sozinhos. Chegaram os Karapotó, Aconã e Tupinambá. O povo Kariri os acolheu com respeito e os chamou de Popó, os Irmãos Mais Velhos.


— Vieram antes de muitos. São troncos da mesma árvore — disse Woroy.


Anos se passaram. Outros vieram do Maní — terras distantes, além dos rios. Os Natu, Xocó e Fulni-ô se aproximaram, com seus cantos e sementes.


— São nossos Etçamyá, Parentes de Sangue — disse Ymakaré com um sorriso. — Chamaremos de Iwobohó, Irmãos Menores, pois chegaram depois, mas são parte de nós.


A aldeia-mãe, Natiadé, cresceu com todas essas chegadas. Crianças nasciam com nomes de diferentes línguas, corações misturados como frutas na mesma cuia. Havia casamentos entre os povos, alianças seladas com dança, farinha e canto.


— Estamos nos tornando Byté Bihé, Um Somente — cantava Tamú, a guardiã da língua. — Cada povo, uma nota. Juntos, somos canção.


E assim foi. A terra se tornou Cuná, de todos, para sempre. A língua se fez ponte. A cultura, semente que floresce em muitas cores.


Tseho Tçohó Byté — muitos povos, um só coração batendo forte sob o céu do Opará, Somos Kariri-Xocó originário pluriétnico, muticulral e plurilinguístico.





03. MAENÁ, A FORTALEZA DA ALDEIA 


 





Nas  margens serenas do rio Opara, onde o vento dança entre as folhas e os pássaros anunciam o nascer do dia com seus cantos antigos, repousa uma aldeia do povo Kariri-Xocó. Ali, entre cantos de toré e o eco das histórias dos mais velhos, vive uma menina de olhos brilhantes como a estrela d’alva. Seu nome é Maená.


Maená não era uma criança qualquer. Neta do sábio ancião Nhenety, ela trazia nos pés descalços o ritmo da terra e no coração, a força de uma tradição ancestral. Seu nome não fora escolhido por acaso – na língua dos Kariri, Maená significa cerca de proteção, aquela que guarda a aldeia com a firmeza de troncos unidos, como os antigos faziam com madeira, formando um círculo sagrado contra os perigos: feras da mata, povos inimigos, e até os ventos maus.


Os Tupis chamavam essa proteção de caiçara, mas para os Kariris, Maená era mais que uma cerca. Era símbolo. Era espírito. Era mãe e muralha. No toré, os cantos sagrados do povo, os corpos formam círculos como os troncos do Maená. No centro, as crianças, promessas do amanhã. Ao redor delas, os guerreiros, fortes e firmes como os troncos velhos. E por fora, tecendo o elo invisível da segurança, estão as mulheres. Unidas em canto e passo, elas são o Maená vivo da aldeia – o escudo de amor e resistência.


Maená crescia ouvindo os cantos do avô, sentada à sombra do jenipapeiro. Ele dizia:


— Tudo tem razão, minha netinha. Nada entre nós é por acaso. Cada canto, cada roda, cada nome… é ensinamento que veio dos nossos primeiros, passados de boca em boca, de coração em coração.


E assim ela aprendeu. Aprendeu que sua existência era um elo sagrado entre o passado e o futuro. Que seu nome carregava a força dos ancestrais. E que um dia, como as mulheres do toré, ela também seria o círculo mais externo — a que protege, a que ampara, a que guarda.


Porque Maená não era apenas uma menina da aldeia.


Ela era a própria Fortaleza do seu povo.





04. BAERÁ UANIE, VIVER NA CASA INDÍGENA 





Na alvorada de um tempo que ainda vive na memória da mata e no coração dos mais velhos, existia uma aldeia chamada Natiá. Lá, o centro do mundo era formado por quatro grandes erá, as casas coletivas onde os sonhos e os dias das famílias se entrelaçavam como cipós na floresta.


As sumarã, como também eram chamadas, não tinham paredes que separassem um do outro. Os grandes troncos de madeira que sustentavam os tetos não serviam apenas de estrutura, mas de base para as redes onde cada família balançava suas histórias. Em cada canto quadrado do espaço, acendia-se um pequeno fogo — o fogo de cada grupo familiar, onde o alimento era preparado, as conversas brotavam e os afetos aqueciam a vida.


A maior das casas media cerca de 60 metros de comprimento, 8 metros de largura e 4,5 metros de altura. Sua cobertura era feita com capim sapé ou palha de aricuri, materiais retirados com sabedoria da floresta, sabendo que durariam por muitos anos antes de precisar serem renovados.


Ali dentro, espalhavam-se os objetos do cotidiano: pilões, urupemas, arcos e flechas, balaios de cipó, bancos de madeira, girau de moquear e jererés de pescar. A casa não era apenas morada — era mundo.


Nos finais de tarde, as fogueiras internas se tornavam centros de encantamento. Os anciãos sentavam-se ao redor e contavam histórias que vinham de tempos longos, entre risos das crianças, o tilintar de cuias e o murmúrio das mulheres modelando a cerâmica ou preparando os pratos típicos do povo. Havia também o silêncio das dores e as lágrimas que escorriam em momentos de luto. Mas tudo era vivido junto, na grande morada da vida.


Chamávamos esse modo de viver de Baerá Uanie, o Viver na Casa Indígena. Uma forma de existir em comunhão, com respeito e harmonia, onde ninguém era sozinho.


Mas o tempo mudou... Com a chegada dos jesuítas, os casais foram separados, cada família posta em uma casa distinta. Um novo modelo de viver foi imposto para quebrar o elo sagrado da coletividade. As quatro grandes erá de Natiá, que antes formavam um terreiro quadrado quase circular com fogueiras centrais, aos poucos desapareceram da paisagem.


Hoje, no meio da mata sagrada que ainda resistiu, construímos os Picriá — galpões cobertos com telhas de barro. Já não usamos mais as folhas do aricuri como antigamente, pois a floresta está menor, e é preciso preservá-la.


Contudo, quando chegam os momentos de ritual, voltamos todos juntos ao nosso território sagrado. Reunimos-nos em casas de madeira, evocamos os tempos antigos, reacesos os fogos coletivos. Ali, por um instante que escapa do tempo dos brancos, vivemos novamente o Baerá Uanie.


Pois viver na Casa Indígena não é apenas habitar um espaço.


É compartilhar o espírito, o alimento, a dor e a alegria, sob o mesmo teto, em torno do mesmo fogo, com os pés na terra e o coração no coletivo.





05. KERÍTSÉ, OS ANIMAIS DA FLORESTA 





Um Conto dos Animais da Floresta 



No coração da mata do Ouricuri, entre as folhas murmurantes e o som distante das águas, vivia um jovem caçador chamado Kerítsé, do povo Kariri-Xocó. Desde criança, aprendeu com os mais velhos a arte sagrada de viver em harmonia com a floresta.


Seu avô, o velho Tawará, contava histórias à sombra da gameleira. Dizia que a floresta era viva, guardada pelos olhos do grande espírito Dimé, protetor dos animais e das águas. Tawará sempre repetia:


— “Kerítsé, nunca se caça por querer... só por precisão. A floresta devolve com fartura aquilo que é respeitado.”


Kerítsé levava consigo seu arco seridzé e a flecha iarú, não para se exibir, mas como extensão de sua escuta e sabedoria. Quando saía em silêncio pela trilha úmida, sabia que podia encontrar o bani (mocó) entre as pedras, ou ver a clini (lontra) nadando no igarapé. Às vezes, cruzava com o olhar atento da doyé (capivara), o canto distante dos ieende (pássaros), ou a sombra lenta da inhiconete (preguiça) nos galhos altos.


Mas nem todos os dias eram de caça. Kerítsé também ajudava na roça comunitária, onde plantavam milho, batata, mandioca e feijão. E como mandava o costume, deixavam sempre uma parte para os animais da mata, uma oferenda silenciosa, um pacto com Dimé.


Certa manhã, ao retornar da roça com seu primo Awará, viu um murawó (porco do mato) se aproximando dos restos de milho deixados ali. Awará pensou em sacar a flecha, mas Kerítsé ergueu a mão:


— “Não hoje. Esse alimento é dos bichos. Dimé está vendo.”


No tempo do calor, quando os frutos escasseavam, a mata parecia esconder todos os bichos. Alguns na aldeia se impacientaram. Mas Kerítsé, paciente, repetia os ensinamentos de seu avô:


— “Esperem. Dimé nunca abandona quem respeita os ciclos da floresta.”


E assim foi. Em poucos dias, os buké (veados) retornaram às trilhas, os wãmy (peixes) apareceram nos igarapés, e o canto dos poeba (jacus) voltou a soar.


As crianças da aldeia adoravam ouvir Kerítsé contar essas histórias. Enquanto brincavam com os quati, cuidavam dos jabutis, e observavam os papagaios e araras livres no alto das árvores, aprendiam que a floresta era mais que uma morada: era um ser sagrado.


Hoje, a aldeia quase não caça mais. Os velhos dizem que é tempo de preservar. A floresta agradece. E Dimé, o guardião, continua sorrindo em silêncio.





06. BATÉIRETSÉ, MORANDO NA FLORESTA 





Conto para crianças




Era uma vez um povo muito antigo que morava na floresta.


Eles eram os Kariri-Xocó.


Na floresta, eles encontravam tudo o que precisavam: frutas docinhas, folhas cheirosas, água fresquinha dos rios, madeira para fazer suas casas e até tintas para pintar o corpo nas festas. A floresta era como uma mãe para eles.


Mas um dia chegaram homens de longe, chamados portugueses.


Eles disseram que os indígenas deviam aprender a viver como eles. Foi assim que muitos foram levados para um lugar chamado Missão Jesuítica. Lá, fundaram a Aldeia do Colégio, onde receberam um pedaço de terra para plantar.


Com o tempo, mais portugueses e africanos vieram para viver ali também. A aldeia cresceu, cresceu e acabou virando uma vila! Mas, conforme a cidade crescia, o espaço dos indígenas diminuía.


Sobrou para eles uma pequena rua e um lugar muito especial chamado floresta sagrada do Ouricuri.


Era lá que eles faziam suas festas, dançavam, cantavam e ensinavam às crianças as histórias do seu povo.


Como já não tinham terra para plantar, muitas famílias decidiram voltar para a mata.


Construíram pequenas casinhas de barro no meio da floresta, perto da estrada. Ali formaram uma rua diferente, onde se ouvia o som dos passarinhos e o vento contando histórias.





Entre os que foram morar ali estavam:


👉 João Baca, que fazia cestos lindos de cipó;


👉 Mané Preto Véio, que sabia conversar com os bichos;


👉 Inocêncio Muirá, que contava lendas para as crianças;


👉 Antônio Correia, que ensinava a plantar;


👉 Zabé e Cristina, que cantavam canções antigas.


Na floresta, eles continuaram ensinando às crianças a cultura Kariri-Xocó. No Ouricuri, as festas eram cheias de alegria. As crianças pintavam o rosto, dançavam e ouviam os contos dos mais velhos.


Um dia, em 1944, uma boa notícia chegou: o governo reconheceu os indígenas e o Posto Padre Alfredo Dâmaso conseguiu uma nova terra para eles — chamada Colônia. Lá eles puderam plantar de novo e muitas famílias saíram da floresta.


Mas até hoje, quando as crianças se reúnem ao redor do fogo e escutam os avôs e avós contando histórias, todos se lembram com carinho daquele tempo:



👉 Batéiretsé — morávamos na floresta!


Porque, mesmo que a floresta fique do lado de fora, ela continua viva dentro do coração dos Kariri-Xocó.


Porque, mesmo que a floresta fique do lado de fora, ela continua viva dentro do coração dos Kariri-Xocó.



🌟 Moral da história:



👉 Nunca devemos esquecer de onde viemos.


👉 A floresta é nossa amiga e nossa casa.


👉 As tradições e histórias dos mais velhos são um tesouro que devemos guardar e contar sempre.


👉 Mesmo quando o mundo muda, nosso espírito e nossa cultura vivem em nossos corações.





07. ERIWÍ INGHÉ TOKENHÉ, A VISITA DAS CRIANÇAS AOS VELHOS 


 




O sol derramava sua luz dourada sobre a aldeia, filtrando-se entre as folhas dos cajueiros e jaqueiras. Em um canto sombreado da praça sagrada, troncos antigos de pau se dispunham em roda. Ali sentavam-se os velhos — os guardiões da memória, as raízes vivas do povo.


Caminhando de mãos dadas com o avô, o pequeno Jandui observava com curiosidade os anciãos. Suas peles marcadas pelas rugas contavam histórias que não estavam escritas em papel algum. Ao se aproximar, o avô cochichava com reverência:


— Dê a bênção aos mais velhos, meu neto.


Jandui assim o fazia, mesmo sem entender bem o porquê. Após algumas visitas, a dúvida brotou de sua boca inocente:


— Vovô, por que o senhor sempre me traz aqui? Por que me apresenta a esses velhos e manda eu dar a bênção?


O avô parou por um instante. Seus olhos miraram longe, como quem buscava nas brumas da memória a resposta já muitas vezes ouvida.


— Meu neto... estou apenas repetindo o que meu avô fazia comigo. Essa mesma pergunta eu também fiz um dia. E ele me respondeu assim: “Levamos nossos netos para ver os anciãos para que nunca esqueçam quem foram os nossos. Para que gravem seus rostos, suas rugas, suas vozes e, sobretudo, suas histórias. Porque é assim que se mantém viva a tradição.”


Jandui escutou atento, os olhos arregalados de encanto e respeito.


— Agora entendi, vovô. Eu nunca mais vou esquecer os anciãos. Quero sempre vir aqui, ouvir eles falarem. Eu quero ser igual ao senhor... contar histórias dos velhos.


O avô sorriu com os olhos úmidos de emoção. Naquele instante, sentiu a certeza de que o fio da memória não se romperia. O tempo seguiria seu ciclo sagrado. Jandui seria a nova voz do povo — um contador de histórias nascido do ventre da tradição.


E assim, sob as bênçãos dos mais velhos e os olhos atentos das crianças, a sabedoria dos antigos continuava a caminhar pelas trilhas da aldeia, carregada por pés pequenos, mas de coração imenso.





08. PENHÓ UOHOIETE, NA ENXURRADA TUDO VEM 






Era tempo de chuva, daqueles que o céu parece ter memória antiga e resolve se derramar inteiro sobre a terra sedenta. O grande rio Opará, que corta o sertão como veia viva do mundo, começava a crescer. Recebia águas de longe, dos braços que o alimentam: Panema, Capivara, Traipú... Todos vinham trazendo mais volume, mais correnteza, mais vida.


Numa manhã de abril, com o sol tímido escondido atrás das nuvens, eu vi o velho Teipó em silêncio, olhando o rio do alto do barranco. A postura dele era de quem escutava mais do que via. Aproximei-me com respeito e perguntei:


— O que foi, meu tio Teipó?


Sem tirar os olhos da correnteza, ele respondeu com voz grave:


— Os rios estão enchendo o Opará... Está chovendo muito no sertão.


Olhei ao redor, confuso. Ali, não havia sinal de chuva.


— Mas como o senhor sabe, se aqui não está chovendo?


Teipó estendeu o braço, apontando para a água turva e veloz.


— Veja os troncos que boiam... Veja os aguapés vindo em bando. Quando eles chegam assim, é sinal certo de chuva forte lá pra cima. O rio fala. Só precisa saber escutar.


Meus olhos seguiram os gestos do velho. Era verdade. A cada instante, novos pedaços de pau, raízes, folhas, e até pequenos galhos chegavam boiando. E com eles, às vezes, vinham visitantes inesperados: preás agarrados com unhas miúdas, teiús de olhos arregalados, tatus enrolados nos troncos como se fossem folhas secas. Eram caças trazidas pelas águas, sobreviventes das margens alagadas.


Chamei os outros meninos da aldeia. Fomos recolher as madeiras que desciam rio abaixo. Juntamos tudo para preparar as fogueiras das festas juninas que logo viriam. Cada pedaço de lenha, cada galho era mais que combustível — era presente do Opará.


E foi então que ouvi, saindo da boca do velho homem, aquela expressão que carrego até hoje:


— Penhó Uohoiete... Na enxurrada, tudo vem.


Naquelas palavras, não havia só constatação. Havia saber. Porque ali, no ventre das águas, o rio não trazia apenas madeira e bicho — trazia presságios, notícias, alimento e lições.


Sim, na enxurrada tudo vem. É a natureza que fala. E nós, se ouvirmos com o coração, aprendemos a linguagem do mundo.





09. UANRANDZI, O REMÉDIO DA FLORESTA 





Na beira de uma mata sagrada, onde o vento sussurra os segredos antigos do povo Kariri, vivia um menino chamado Atandé. Ele crescera ouvindo as histórias do seu avô, o pajé Ibiraci, sobre os seres da floresta, os encantos e o Dimé, o espírito guardião de cada ser vivo e inanimado. Para Atandé, tudo tinha alma: a árvore que dançava com o vento, o rio que murmurava ao anoitecer, a pedra silenciosa na beira da trilha. Tudo era vivo.


Certa manhã, sua irmã mais nova, Iaiá, adoeceu de repente. Seu corpo tremia como folha ao vento, e seus olhos perderam o brilho. Preocupada, a família se reuniu e levou a menina até o velho pajé. Com passos calmos e olhar profundo, Ibiraci ouviu em silêncio, tocou o peito da criança e disse apenas:


— Essa doença não é da carne, é do espírito. Precisamos buscar o Uanrandzi.


Atandé tremeu ao ouvir esse nome sagrado. "Uanrandzi", o Remédio da Floresta, não era um simples chá ou infusão. Era um chamado, uma invocação ao mundo invisível dos espíritos. Um remédio que só se revelava àqueles que andavam com respeito sobre a terra e sabiam ouvir o coração da mata.


— O remédio está vivo — disse Ibiraci. — E precisa ser convencido a ajudar.


Na manhã seguinte, Atandé acompanhou o pajé até o interior da floresta. Pararam diante de uma árvore antiga, onde o pajé acendeu o cachimbo sagrado e começou a entoar um canto em Kariri. Era um pedido ao Dimé da planta, uma súplica pela vida da menina.


— Nada se retira da floresta sem antes pedir — sussurrou o ancião. — Cada raiz tem dono. Cada folha tem espírito. O que muitos chamam de “matéria”, para nós é apenas a roupa do espírito.


Por três dias, a família toda se purificou, jejuou e orou. Entoaram cantos, ofereceram água à terra e pediram permissão aos seres dos encantos sagrado. Quando o tempo certo chegou, Ibiraci colheu uma casca e três folhas da árvore consagrada, misturou com raízes e preparou a mezinha com rezas e sopros.


No fim do terceiro dia, ao cair da tarde, o remédio foi dado à menina. Ibiraci tocou o peito dela com um ramo molhado e, como se uma brisa percorresse o quarto, o calor do corpo de Iaiá se dissipou. Ela abriu os olhos e sorriu. Estava curada.


Atandé nunca esqueceu aquele momento. Não era só o remédio que curava, mas o equilíbrio entre o visível e o invisível, entre a fé, a natureza e os princípios sagrados do povo Kariri.


Anos depois, ele mesmo se tornaria pajé, e cada vez que alguém adoecia, caminhava até a floresta, onde o Uanrandzi — o Remédio da Floresta — ainda vivia, guardando, com suas raízes, o segredo da harmonia entre os mundos.





10. WOROY IHENDZIÁ, A HISTÓRIA DAS ÁRVORES 





Um Conto Sobre as Árvores 



Numa manhã tranquila, o sol surgia tímido por entre as folhas úmidas da floresta. O canto dos pássaros acordava a aldeia, e os perfumes das plantas despertavam os sentidos de quem vivia em harmonia com aquele mundo sagrado.


O menino Tairoá caminhava descalço pelo terreiro da oca grande. Seus olhos curiosos procuravam entender os gestos do avô Nakai, que todas as manhãs deixava de lado os bancos de madeira confortáveis para sentar-se numa velha pedra, bem ao lado de um enorme jatobá.


— Vovô, por que o senhor sempre escolhe essa pedra para se sentar? — perguntou Tairoá com a inocência própria de quem busca entender os mistérios do mundo.


Nakai ergueu os olhos serenos, olhou para o neto e respondeu com voz mansa, mas cheia de força:


— Ah, meu neto... Porque essa pedra aqui é sagrada. Foi nela que meu pai sentou, e o pai do meu pai, e o pai do pai dele também. O velho jatobá que está aí foi testemunha de tudo. Ele viu a história do nosso povo acontecer bem diante de seus galhos.


Tairoá sentou-se ao lado do avô e olhou com respeito para a grande árvore. O jatobá, com seu tronco grosso e raízes que mergulhavam fundo na terra, parecia guardar segredos antigos.


— Toda árvore tem uma história — continuou Nakai —. Esse jatobá viu nascimentos, viu festas, viu rezas. Já o juazeiro das roças, a bechiéá, conhece as mãos dos antigos agricultores que plantaram e colheram o alimento sagrado.


— E o velho pé de ingá? — perguntou Tairoá com brilho nos olhos.


— Esse conhece bem os pescadores do Opará. Eles se abrigavam sob sua sombra ao voltar do rio, cansados, mas felizes. Já o cajazeiro da mata... ah, ele viu os caçadores, ouviu suas preces antes das jornadas e os gritos de alegria quando voltavam com alimento para a aldeia.


Nakai fez uma pausa e olhou para o alto, como quem escuta vozes que só o coração entende.


— Cada pessoa do nosso povo tem uma história com alguma árvore. Às vezes, uma plantinha pequena, dessas que curam as dores do corpo e da alma, é a guardiã de uma lembrança. Se alguém te contar qual erva curou sua febre, aí está outra história da floresta.


— Então as árvores falam? — sussurrou Tairoá, quase com medo da resposta.


— Elas não falam como a gente, mas contam tudo para quem sabe ouvir com o espírito. Chamamos isso de Woroy Ihendziá, a História das Árvores. Não conheço todas, meu neto, mas sei que cada tronco guarda uma parte do que somos. E enquanto elas viverem, nossa memória estará viva com elas.


Tairoá encostou a cabeça no ombro do avô e, ali, sob o velho jatobá, aprendeu que as árvores são livros vivos, onde o tempo escreve com folhas, raízes e silêncio.





Autor dos Contos: Nhenety Kariri-Xocó 





📚 APÊNDICES


APÊNDICE A — Glossário Ancestral e Cultural


Termos tradicionais, expressões sagradas e conceitos usados ao longo da obra.


Woroy – Caminho, trilha ou travessia simbólica no tempo e na memória.


Kariri-Xocó – Povo indígena do Baixo São Francisco, guardião de tradições orais e espirituais ancestrais.


Encantamento / Espírito – Força viva que transita entre mundos, dando voz às narrativas e à ancestralidade.


Rua dos Índios – Espaço territorial e simbólico de passagem, convivência e resistência.


Travessia do Tempo – Movimento contínuo entre passado, presente e futuro na memória sagrada.


APÊNDICE B — Cronologia Simbólica da Narrativa


Linha do tempo literária, ritual e imaginária que sustenta os contos.


Era dos Primeiros Fogos – Quando surgiram as histórias que caminhavam com a noite.


Tempo das Águas Grandes – Período em que os espíritos guiavam pescadores e contadores.


Tempo dos Avôs e Avós – Fase de transmissão oral, dos rituais e da memória viva.


Tempo da Travessia Moderna – Inserção das narrativas no papel, nos livros, na tecnologia.


Tempo do Retorno – A escrita volta ao povo como força de cura, ensinamento e identidade.


APÊNDICE C — Tabela dos Personagens (Reais, Míticos e Históricos)


Descrição breve de figuras que aparecem nos contos.


Personagem Natureza Papel na HistóriaO Velho Guardião Mítico Conduz a memória e vigia os caminhos. A Menina da Lua Poético-espiritualPortadora da luz ancestral feminina.O Jovem Caçador Humano Representante da relação entre ser humano e floresta.O Rio São Francisco Entidade viva Corrente que liga mundos e tempos.Os Encantos / Espíritos Sagrados Aconselham, protegem e dialogam com os viventes. 


APÊNDICE D — Notas Explicativas do Autor


Observações, memórias e sentidos profundos usados na construção dos contos.


Cada conto nasce da memória coletiva, não apenas individual.


Muitos episódios são inspirados em histórias dos mais velhos da aldeia.


Os nomes e símbolos empregados mantêm fidelidade à tradição Kariri-Xocó.


A intenção principal da obra é fortalecer o espírito e a identidade do povo.


A escrita é vista como continuidade da oralidade — não como substituição.


APÊNDICE E — Registro de Fontes Oraes e Escritas


Para reforçar a ancestralidade e o respeito às memórias coletivas.


Conversas com anciãos da comunidade.


Cantos cerimoniais escutados em rituais sagrados.


Relatos registrados pelo próprio autor ao longo da vida.


Documentos sobre a cultura Kariri-Xocó preservados por pesquisadores.


APÊNDICE F — Mapa Poético da Travessia


Descrição simbólica do percurso dos contos ao longo do livro.


Nascedouro – Onde as histórias começam a respirar.


Caminho das Sombras e Luzes – Conflitos, aparições e ensinamentos.


Encontro dos Mundos – União do humano, do espiritual e da natureza.


O Retorno ao Fogo Central – Conclusão ritual, memória fortalecida.


O Eco Ancestral – Permanência da palavra no tempo.


APÊNDICE G — Ilustrações Sagradas e Seus Significados


(Caso seu livro tenha imagens, esta é a seção para explicá-las.)


Fogo Ancestral: símbolo de sabedoria e presença dos antepassados.


Lua e Sol: pais celestes que guiam o ciclo do tempo.


Árvore do Mundo: ligação entre céu, terra e submundo.


Rios e Caminhos: movimentos da vida, memória e espírito.





📘 GLOSSÁRIO


Reúno alguns termos citados nos contos:



Baerá Uanie — Viver na Casa Indígena 


Batéiretsé — Morando na Floresta. 


Bukencré — Urucum.


Eriwí Inghé Tokenhé — A Visita das Crianças aos Velho. 


Iarú — Flecha.


Kerítsé — Os Animais da Floresta.


Maená — A Fortaleza da Aldeia. 


Nhiró — Jenipapo.


Seridzé — Arco.


Tçuiru — Tambor feito de casco de tatu.


Tseho Tçohó Byté — Muitos Povos, Um Somente. 


Uanie Ebadzú — O Indígena Originário.


Uanrandzi — O Remédio da Floresta.


Utsokenkié — A Inteligência dos Antepassados.


Woroy Ihendziá — A História das Árvores.






🧍‍♂️ DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR


Nhenety Kariri-Xocó é escritor, contador de histórias orais e guardião da memória do povo Kariri-Xocó, da aldeia de Porto Real do Colégio, Alagoas. Seu trabalho valoriza a ancestralidade, a espiritualidade e a cultura viva de seu povo. Publica contos, estudos culturais e reflexões no blog pessoal, alcançando leitores do Brasil e outros países.





📄 ORELHA DO LIVRO (LADO ESQUERDO)



Este livro é uma travessia pela alma Kariri-Xocó.

Cada conto é uma porta para o espírito ancestral, para o sonho dos antigos e para a força da floresta. Nhenety Kariri-Xocó transforma memória em palavra viva, preservando a cultura com beleza, respeito e profundidade.





📄 ORELHA DO LIVRO (LADO DIREITO)



Nhenety Kariri-Xocó escreve como quem acende um fogo sagrado. Suas histórias são ao mesmo tempo poesia, memória, espiritualidade e ensinamento. Este volume da série Woroy História celebra a tradição Kariri-Xocó e reafirma a força da narrativa indígena no Brasil contemporâneo.






Autor: Nhenety Kariri-Xocó