domingo, 30 de dezembro de 2012

CANTANDO AS CULTURAS INDÍGENAS

Kariri-Xocó na Escola Indígena
Dançando o Toré na sua própria Escola Indígena
Nós, indígenas do Nordeste, temos muito em comum em nossas tradições. As invasões e os
massacres começaram pelo Nordeste e por isso, temos a força e a inteligência da resistência em
nossas culturas. Muitas etnias foram agrupadas pela Igreja em aldeamentos multiétnicos, tanto
para roubar as terras como para facilitar o domínio. Entre as seis etnias que fazem parte deste
trabalho, podemos perceber as expressões musicais: Toré, Porancy e Toante.

Tradicionalmente, os cantos indígenas pulsam nas comunidades mantendo vivas nossas
culturas. Os invasores tentaram nos silenciar . Tentaram exterminar todos os povos indígenas,
mas resistimos também através dos cantos. Na musicalidade de cada povo também vive a
memória de cada identidade.

Nos dias de hoje, para muitas comunidades do Nordeste, o cantar mantém viva a chama das
culturas. Os cantos são canais de afirmação e de revitalização. Os cantos são também canais
pedagógicos para essas comunidades e para as lutas pelos direitos coletivos dos povos
tradicionais.

Os cantos funcionam para comemorar e traduzir fatos históricos, pontos geográficos, animais
das florestas e a vida indígena, em sua essência. Os cantos são praticados por pessoas de todas
as idades: da criança ao ancião. Podemos observar que os cantos falam dos pássaros, da dor,
do sofrimento, dos louvores à espiritualidade e dos ritos, comemorando os momentos mais
importantes dos povos, como festas, aniversários, casamentos, mutirões, colheitas, caçadas...
Nesta cartilha, partilhamos reflexões da dimensão pedagógica dos cantos. Aqui, professoras
e professores indígenas, dividimos conteúdos ricos da sabedoria tradicional através de nossa
criatividade e metodologia de ensino.

Os cantos são excelentes canais do ensino diferenciado, com repertório, muitas vezes bilíngue,
de uma língua não mais falada. Na arte musical do Toré, do Porancy ou do Toante, ao cantarmos
no dialeto nativo, estamos fortalecendo a cultura indígena. Atravessamos os tempos da história
chegando aos dias atuais com uma força de afirmação étnica e de reconhecimento de nossos
direitos sobre as nossas terras educação e saúde diante do Estado Brasileiro.

Neste trabalho, muitos cantos estão no idioma nativo de dois troncos linguísticos: Tupi e Macro-
Jê, mas é comum encontrar as músicas indígenas na língua portuguesa, resultado da presença
da Companhia de Jesus no Nordeste, que proibía as práticas culturais dos povos das Américas.
De primeiro, os cantos eram praticados na Natureza, depois nas aldeias e nas roças; hoje, são


praticados também nas salas ou e nos pátios das escolas indígenas. Os professores e os alunos
estão mudando o ensino indígena, valorizando anciões, adultos e mestres cantadores de Toré,
Toantes e Porancy, uma resistência onde os antepassados indígenas, primeiros habitantes
desta terra, estão presentes.

Encontrar povos indígenas com essas tradições de Toré, Toantes e Porancy merece nossa
especial atenção. Os índios são grandes heróis da resistência, morando em comunidades e
resguardando áreas de Mata Atlântica, Caatinga e outros tipos de florestas.

Muitos povos ainda estão buscando o reconhecimento de suas terras ou parte de seus
territórios roubados; muitos que já foram até transformados em cidades. Fazendo este livro
com CD “Cantando as Culturas Indígenas” estamos colaborando na preservação dos nossos
Patrimônios e do Patrimônio Cultural da Humanidade. Estamos, inclusive, partilhando material
didático necessário às escolas das aldeias de hoje.

Os cantos indígenas demonstram várias fases da presença nativa ao longo da história,
seja anterior à colonização ou a partir dos ciclos da cana de açúcar nos engenhos e da
evangelização feita pelos jesuítas, no período da implantação da criação de gado no Vale do
Rio São Francisco. O Porancy, o Toantes e o Toré também expressam os fenômenos naturais,
da chegada das chuvas, as colheitas, até o agradecimento aos Deuses pela fartura. Isso são
registros históricos socioculturais dos indígenas na vida da Mãe Terra.

Nhenety Kariri-Xocó.


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