domingo, 28 de novembro de 2010

INDIOS SOLIDARIOS

Índia Maria Clara na Rua dos Índios  1970
Aquela rua era nossa aldeia, onde o povo morava, onde era possível viver como índio; a união nos dava resistência. Esse lugar foi para mim especial, lá onde nasci e me criei entre parentes: nossa comunidade viva e ativa. Quando um casal precisava de morada, todos se reuniam para construir a habitação, da criança ao mais idoso faziam parte do mutirão. Na limpa das roças nas terras da Colônia, o processo era o mesmo; pessoas se ajudavam.
Nosso povo era amigo na alegria e na dor; quem arrumasse uma coisa que o outro necessitasse, dividia no meio para fome não passar. Em tempos de crise, viajavam dois índios, Pitombo e Zé da Morena, procurando serviço com os fazendeiros Pedro Chaves e doutor Ercílio, todos de Sergipe; na volta à aldeia avisavam que tinham trabalho para um mês inteiro.
Na doença de alguma pessoa, homens e mulheres iam visitar; o paciente se alegrava mesmo ali sofrendo, lágrimas nos olhos a rolar gemendo. No inverno, água na rua correndo, poças, pedras e lama; meninos na chuva pulando, cantando e patos ali brincando.
Dos momentos ali vividos jamais vão se acabar lembranças, imagens... Vozes, gritos e lamentos estão registrados no tempo. O solo daquela rua guarda um pedaço da nossa história: cacos de panelas, potes e ossos, umbigo de menino novo, restos da cultura material... O sol ainda é o mesmo; estrelas no mesmo lugar; o rio ainda passa, agora beirando um cais... O mundo não para nunca de circular.

Nhenety Kariri-Xoco  



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