domingo, 28 de novembro de 2010

LEMBRANÇAS

 
Antiga casa de taipa da família de Nhenety
    A lembrança mais remota que tenho no entendimento é de quando eu era criança, chorando numa rede. Mamãe pegou-me nos braços e me colocou no chão: saí caminhando, começava a brincar. Outra vez, ainda me lembro, foi na casa de meu avô Euclides: ele estava deitado e doente. Eu ficava no quarto e ele se assentava. Minha avó Pureza lhe dava mingau no prato e ele começava a comer. No corredor da casa tinha uma canoa de pesca que estava encostada que o pescador não mais usava: remo, cuia e uma tarrafa. Quando Euclides morreu em 1966, eu tinha três anos de idade.

A casa onde eu morava já era de telha e taipa, bem vizinha à nossa escola da aldeia, construída desde o tempo do SPI; na frente, do outro lado da rua, era a casa de Analbertino, homem já velho na idade; era filho de Inocêncio Pires, tio de minha avó Júlia. Encostado, morava o cacique Otávio, irmão do pajé Francisquinho. No canto do quintal existia uma ingazeira, em cuja sombra eu brincava com meus dois irmãos: Lurdinha e Antônio, ambos surdos e mudos.
Segundo história de Antônio Nunes, irmão de meu pai, embaixo dessa velha Ingazeira, em 1944, Otávio foi escolhido pela comunidade indígena para ser o cacique tribal. Ainda no quintal, existia um velho pé de jenipapo no qual pousavam pássaros: vim-vim, bem-te-vi, assanhaço, pintassilgo, entre outros. Os meus pais foram, na minha infância, os primeiros educadores na formação de minha conduta perante os mais velhos, comunidade indígena e família. Mas na minha vida de criança, o cacique Otávio Queiroz Nidé instruiu-me no conhecimento tradicional de nosso povo indígena, cultura, costumes e organização tribal.


Nhenety Kariri-Xoco

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