segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

NOVO MÉTODO CRIAÇÃO DE PALAVRAS LÍNGUAS NHINHO


Um novo método de criação de palavras para as línguas Nhiho



 Apesar de eu chamar de novo, não é necessariamente algo inovador, este método vem sido utilizado de maneira consciente ou não por várias línguas no mundo todo, é uma fusão de várias mudanças fonéticas que ocorrem naturalmente nas línguas, como lenição, ablaut, fortição etc. É novo pois, até onde meus estudos chegaram, eu não notei os Kariris utilizando esse tipo de mudança fonética de propósito para criar novas palavras, portanto é algo novo que estará sendo introduzido de maneira sistematizada em cada uma das línguas dessa família.


 O que é este método do qual estou falando ? É bem simples, não sobraram muitas palavras para que hajam conversas naturais entre aqueles que desejam ser falantes dessas línguas, sabemos disso. O método mais primitivo (não no sentido ruim, e sim no sentido de primário, a primeira coisa que vem na cabeça) de criação de palavras é composição, onde você pega duas palavras e junta elas para formar uma nova, esse método não é ruim e era visto como algo extremamente produtivo para o falantes antigos, o problema é que há um limite de quanto podemos fazer isso com as palavras que temos atualmente, é um sistema que não gera palavras novas e sim reutiliza as existentes, se dependermos desse método, logo chegaremos a criar palavras gigantes que iriam quebrar a estética dissilábica da família Nhihô. Com isso dito, vou demonstrar para vocês um pouco de como esse método funciona, peguemos uma palavra como exemplo do Dzubukuá kye (quie) "amarrar, atar"


kye > ke, kem, kye, kyem, khe, khem, khye, khyem, ge, gem, gye, gyem, tse, tsem, dze, dzem, se, sem, he, hem, dhe, dhem, de, dem, te, tem, le, lem, re, rem, ghe, ghem, we, wem, be, bem, pe, pem, phe, phem


 Como vocês podem ver, temos uma lista, tal lista começa com a palavra original e logo depois passa para outra versão dela, é possível notar um padrão de palavra normal, palavra nasal, palavra normal e palavra nasal (representada pelo -m final da ortografia do Dzubukuá) nesse grupo de palavras, agora vocês podem estar se perguntando, qual é o método utilizado aqui, vou explicar agora



 Basicamente este método utiliza de todos os sons disponíveis da língua Nhihô no qual está sendo trabalhada e força a palavra a mudar foneticamente para criar uma variante dela. Kye (quie) "amarrar, atar" deriva do Proto-Kariri *ce "atar, amarrar", o som original é /c/, mas começamos com uma versão despalatalizada (isto é sem o som /j/ como em k(y)e) e desvozeada (ou seja com o k e não com g) e não aspirada (com k e não com kh), criando a variante *ke*, logo em seguida fazemos a mesma coisa só que com o som nasal, criando *kem*, depois passamos para suas versões palatalizadas: *kye* e *kyem*, aspiradas: *khe* e *khem*, vozeadas *ge* e *gem* e por aí vai.


 Para não divagar muito, não irei explicar nesse texto todas as mudanças, logo mostrarei uma versão mais detalhada sobre quais sons podem mudar para quais sons, por enquanto irei explicar outra parte desse método.


Uma pergunta que pode surgir é se só poderão criar palavras na quantidade de variantes que existem, como por exemplo, voltemos na lista e contemos quantas variantes tem nela: 40, a pergunta nesse caso seria se só poderão ser criadas 40 palavras, uma para cada variante ?


 E eu respondo que não, esse sistema permite que as palavras sejam reutilizadas (hipoteticamente) infinitas vezes, na realidade as palavras podem ser derivadas dependendo da necessidade do falante, você não necessariamente vai criar infinitas palavras, pois a quantidade depende da criatividade e necessidade do falante, aqui está um exemplo prático disso:


kye "atar" > kye "prender" > kye "prisão, cadeia" > kye "prisioneiro" > kye "escravo" > kye "espólio de guerra" > kye "tesouro" > kye "moeda" ou kye "joia" >  kye "preço" > kye "vender"

                          > kye "negociar"

                            > kye "comprar" 

                            > kye "negócio" 

                             > kye "coisa" 

                       > kye "mercado" ou "feira"

                          > kye "shopping"

                       > kye "valor (preço ou moral)"

                          > kye "moral"


 Como se pode ver, a palavra "atar" foi derivada 19 vezes, cada derivação se torna uma palavra independente, podendo ter portanto sua própria derivação, chegando a um ponto que podemos justificar a mudança do verbo "amarrar, atar" para "vender", sem essas mudanças nunca poderíamos ter chegado tão longe a ponto de criar significados tão distintos do original, afinal é extremamente difícil justificar para um linguista que o verbo "atar" deu origem ao substantivo "moral" sem uma linhagem da evolução semântica. 


  Com este método, múltiplas palavras podem ser criadas a partir de uma só raiz, como puderam ver eu só usei 1 das 40 alternativas que eu tinha naquela  lista que eu demonstrei. "Ah, mas agora temos 19 palavras idênticas, como iremos distinguir elas dentro de uma frase ?", simples, ainda existem 39 variantes não utilizadas, e isso é por que eu ainda não expliquei o outro processo dentro desse sistema de criação de palavras: o ablaut.


 O ablaut ou apofonia é um processo fonético de substituição de uma vogal raiz por outra, como no caso do inglês sing, sang, sung e song, onde a raiz sVng teve sua vogal permutada 4 vezes para denotar coisas distintas, a mesma coisa pode ser feita nas línguas Nhihô baseado nos processos fonéticos que ocorreram dentro dessas línguas:


Ex.: comecemos com o /e/, este pode facilmente se transformar em /i/ ou o é aberto /ɛ/ , já o /i/ pode se transformar no i grosso /ɨ/, o i grosso pode virar o schwa /ə/ ou /u/ (como visto no Dzubukuá e Kamurú respectivamente), o schwa pode virar tanto /e/ (Kipeá) quanto /o/ e /a/ (Dzubukuá e Kamurú) e por último o /o/ pode virar /u/ (Sapuyá) ou o ó aberto /ɔ/.


O exemplo que utilizamos foi uma palavra do Dzubukuá, esta língua permite 9 ou 8 vogais, /a/, /ə/ /e/, /ɛ/, /i/, /ɨ/ /o/, /ɔ/ <- (hipotético) e /u/


Podemos criar 40 variantes seguindo todos os processos fonéticos que logo logo explicarei melhor, presumamos que existam 9 vogais nesta língua, portanto 40 x 9 = 360, temos 360 variantes que podemos utilizar à vontade.


Com isso explicado, voltemos para a pergunta, como iremos resolver o problema de termos muitas palavras idênticas ? Trarei de volta a lista com o vogal substituída por um V, cujo o significado é "vogal não determinada":


kV, kVm, kyV, kyVm, khV, khVm, khyV, khyVm, gV, gVm, gyV, gyVm, tsV, tsVm, dzV, dzVm, sV, sVm, hV, hVm, dhV, dhVm, dV, dVm, tV, tVm, lV, lVm, rV, rVm, ghV, ghVm, wV, wVm, bV, bVm, pV, pVm, phV, phVm


 a V está ali para implicar que qualquer uma das nove (ou oito) vogais do Dzubukuá podem ser encaixadas na palavra, portanto temos 360 (ou 320) palavras cujo podemos utilizar à vontade, para este exemplo, vamos escolher algumas palavras da lista de derivações semânticas

> kye "vender"

                          > kye "negociar"

                            > kye "comprar" 

                            > kye "negócio" 

                             > kye "coisa" 

                       > kye "mercado" ou "feira"

                          > kye "shopping"

                       > kye "valor (preço ou moral)"

                          > kye "moral"


Vamos escolher o verbo "comprar", como podemos ver, ele é idêntico ao verbo "vender", ele é derivado a partir do verbo "negociar", cujo possui um sentido neutro e pode significar uma transação indo para ambos os lados, agora temos duas palavras que se faladas sozinhas podem ser confundidas, como resolver esse problema ? Peguemos uma palavra das 360/320 que temos guardadas, vamos escolher arbitrariamente a palavra phV, e para ela vamos escolher a vogal /a/, portanto *pha*, por enquanto essa palavra só significa "atar, amarrar", assim como a palavra do qual ela derivou, mas agora vamos impor o mesmo processo que kye passou para chegar até "comprar", criando a palavra *pha* "comprar", portanto agora temos um sinônimo do qual podemos utilizar para distinguir as palavras criando a palavra:


kyepha "comprar"


 É assim que o problema de homofonia será resolvido, utilizando as outras variantes para criar sinônimos com estruturas distintas, a escolha será feita pelos representantes das línguas (a liderança), cujo irá determinar quais palavras devem ser escolhidas dentro da lista para seus respectivos dialetos.



Autor: Ari Loussant


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