sábado, 24 de fevereiro de 2024

A HISTÓRIA DA HUMANIDADE DZUBUKUÁ PARTE II: O CONTO GERAL


NASCER DA HUMANIDADE / IHA DSEHO


 O humano foi criado em semelhança ao celestial, Nhinhó pessoalmente se responsabilizou da educação de sua criação, ensinando-lhes a caçar, pescar, fazer ocas e canoas, e mais importante de tudo, viver em comunidade. Havia criado vários do que viriam a ser considerados hoje como homem, mas no final criou algo diferente das coisas que havia criado antes, também era uma entidade viva, mas era uma entidade que vinha das águas, a Mãe D'Água, também conhecida como a Primeira Mulher.


 Os indígenas louvavam sua divindade aquática, mas o fato de apenas haver uma os chateavam, eles suplicaram para Deus que fizesse algo sobre, foi então que Nhinhó decidiu matar dois coelhos com uma cajadada, ele repartiu a divindade da Mãe D'Água em pedaços que correspondessem à quantidade de homens que ele criou, foi daí que nasceu a mulher, da deusa que governava o lago sagrado, Deus conectou o homem parcialmente com a essência da Deusa, assim fazendo com que todas as gerações futuras fossem descendentes tanto do Ar quanto da Água.


 Um aspecto de Deus veio a viver com os indígenas, um amigo, chamado de Padzubuye (Grande Pai), esse amigo veio a formar uma família entre o povo, cuidando sempre de todos como se fossem parte de sua família direta, vivendo com seu povo por anos e anos. Tinha poderes sobrehumanos, ao falar uma simples frase "do ñatte!", tudo que ele dissesse depois disso tornava-se realidade. Em um dia de banquete (iku), os indígenas cantavam e celebravam com o Sopoñu, uma indígena chamada Kraraunnu, que veio lhe servir uma moqueca (bududdu), no entanto, a moqueca estava bichada, isto é, uma mosca pousou e pôs ovos nela antes de ser entregue. Ao ir comer a moqueca, Padzubuye notou os bichos e gritou "ibule wro ammi, do añatte mo kraraunnutti!" (está ruim essa comida, que vire um sapo-cururu!), e assim, transformou Kraraunnu em um sapo-cururu, criando assim o kraraunnutti (animal roncador, cururu).


 Padzubuye não gostava de insistência, quando estavam viajando, os indígenas pais e mães das crianças reclavam do peso das crianças e do fato de que teriam que carregá-las o caminho todo, por conta disso ele disse: "hammaddhy, do ñatte mo ayaa!" (que assim seja, que virem mandacarus!), e por conta da insistência, as crianças viraram mandacarus até o final da viagem, menos pesados, mas agora com espinhos por todos os lados. A viagem os levou até o alto Opará, onde hoje se encontra a Ilha da cidade de Paulo Afonso na Bahia, numa cachoeira onde pararam para descansar.


 No que foi esse descanso, a noite chegou, e fogueira foi acessa, todos comeram e conversaram, um a um caiu de sono naquela madrugada, chegou o cacique (hanhebuye) Ampoddi e perguntou: "odde kutte mo wro ?" (por que viemos para cá ?), o pajé (bydzammu) Padzubuye disse que assim que a luz do sol surgir, ele diria. Então o cacique, mesmo sonolento, ficou acordado a noite toda, o Padzubuye disse que não ia embora até dizer o que queria dizer, então disse para ele dormir, mas ele foi teimoso e não o fez, virou a noite e viu os primeiros raios do sol, no que gritou para todos: "Podso! Podso!" (Acordem! Acordem!), todos acordaram e foram em direção ao pajé, viram que a família dele e ele se aproximaram da cachoeira, Padzubuye disse que era sua hora, e que deixava entre eles sua parenta, a Dzo Kaye (Estrela D'Alva) junto com membros de seu clã. Os indígenas suplicavam para que ficasse, mas eles já haviam entrado na correnteza e virado uma com ela, a água brilhou forte, e essa luz incandescente subiu aos céus.


 Mas este aspecto voltou ao Deus Criador, e ao ouvir as últimas palavras na terra vindas de sua criação, que eram os pedidos de que ficasse, Deus então deu para a humanidade três rituais novos, comandados pelo pai que governa o fumo, e por extensão, as plantas e todos os produtos da terra (Badzè), pelo filho maior que governa a caça (Politam) e pelo filho caçula que governa os sonhos (Wanagidze), estes então eram os três pilares que Deus proclamou para a humanidade seguir. O governante das plantas e das artes de seu cultivo ensinou as técnicas de plantio de inúmeras plantas, o governante da caça ensinou o uso balanceado dos recursos dados pelo divinal e o governante dos dos sonhos (wekôñe 'boa proibição, balanço, controle, equilíbrio'), ensinou que, através da interpretação cuidadosa de cada um, era possível guiar os passos do mundo material.


 Um dia, na casa dos três deuses, logo abaixo do reino de Nhinhó, nas nuvens que vemos no céu, houve um desentendimento entre os dois irmãos, nenhum ser humano sabe o que exatamente houve naquela briga, mas recorda-se que na época, apenas a escassez reinava, junto aos pesadelos que atormentavam o sono das pessoas, sabe-se que durante esta época de briga, o mundo estava em caos. Os pesadelos cessaram, mas os sonhos auspiciosos que eram vistos antes da briga não retornaram, por conta disso, um guerreiro (dimalidzali) surgiu entre os indígenas, chamado de Bewanddi (bewan-ddi 'futuro tronco'), ele era descendente de Anran-unnè (anran 'homem' + unnè 'sonhar'), outro guerreiro importante que surgiu e protegeu sua mãe de um caititu (malan-hou). Bewanddi era o mais velho de quatro filhos, sendo os outros três Mennele (menne-le 'pequeno corajoso'), Mewroppi (me wro-ppi 'fala pouco') e Kuibònne (kuibò-nne 'visão de carcará').


 Ainda no céu, Badzé diz para Dzubuye (rio, literalmente 'água grande'), que é sua esposa, e para seu filho mais velho, Politam (jovem) irem buscar Wanagidze na terra e trazê-lo voltar para suas funções divinas, os dois descem para a terra e chegam em uma estrada, onde Politam segue adiante e vê um grupo de guerreiros, ele sai de uma moita em busca de informação, mas os quatro guerreiros, sem reconhecer esse jovem estranho, presumem de que se trata de um guerreiro inimigo, e assim o atacam. Eles voltam para sua aldeia e avisam que encontraram um inimigo para seu pai: "Idsoho umanran mo leidse! Itekieklitte ho bewam kunna!" (Tem um inimigo na floresta! Amarramos ele no tronco!), o pai deles, Anran-Unnè, foi checar esse guerreiro inimigo. Quando chegou no tronco, imediatamente reconheceu seu irmão, os dois discutiram pelo que pareceram horas, mas então, friamente, decidiu ir embora e deixá-lo amarrado no tronco, iniciando daí a inimizade entre estes dois deuses.


 Sua mãe demorou dias para encontrar seu filho mais velho, que havia ido na frente sem avisar em qual direção iria parar, mas quando o encontrou finalmente, seu corpo mortal já havia falecido por conta fome, ela viveu seus dias na terra até voltar para o mundo espiritual. Quando voltou para a Abóbada das Nuvens (Anrankedzoba), ouviu a história de Politam e baniu Wanagidze da Maloca Celestial.




 

Autor da matéria: Suã Ari Llusan 




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