sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A CONEXÃO HUMANA COM O UNIVERSO E O AMOR EM CURANARY (LÍNGUA KARIRI DE MARANGUAPE)


Curanary (lit.: nossa língua, Base Teceamamene/Maranguape, fonte: Courtz, 2008 + toponímia cearense)


       Tep:usicimene pa tecane weî tapa:mene sopo, ure cere ta, sapo sa' Tu:si me Teceremenere sasipe pe tema'ma:ne cereno acurap:u teturu:re saîto:, tecane sewar:an. Mo:se te tecerene tusa' Turu: coro:n Ereru: owin temene cereto: capampose, to'se, maînato:se, tonomese, sano Pe apoto:re cereto: cetoto: tanesa Tapa:mene, tecurepomene uto: puwase, teworo ameco "mamito: cerese" sicasa.

      


Português


       O ser humano é um ser microcosmo do universo macrocosmo, no princípio da criação Deus como o Ser Supremo sentiu um profundo Amor Eterno criando o mundo cheio de vida entre elas uma em especial o Ser Humano. Essa energia criadora que organizou o Caos sob a Ordem do unidade harmônica dos elementos químicos, minerais, vegetais e os animais, sendo o Amor o sentimento de criação e conexão dos seres do Universo que faz tudo funcionar num princípio evolutivo e outras culturas chamam processo criativo.





OBSERVAÇÕES


 Alguns detalhes ainda estão sendo estudados, a língua Kariri de Maranguape representa a conservação de aspectos gramaticais da família Kariri que cairam em desuso com sua migração para o São Francisco, decorrente de um forte influxo Macro-Jê, especificamente Terejê, que adentrou nesses idiomas.


 No Rio Timonha, antigamente Temona, houve simplificação da gramática, pois aqui usa-se apenas ty- (te-) com wona (mona) para criar o substantivo ty-wona (te-mona) 'jardim', sem o uso dos sufixos adjetivizadores próprios para esse caso (-me, -ne, -je, -se, -re ou -pe). No entanto, Dequeamamene (Teceamamene) usa não só do prefixo ty- (te-), como também de dois sufixos ao mesmo tempo -me e -ne (-me-ne), sendo -me o marcador de função, algo como 'funciona como', enquanto -ne é o agentivo, portanto 'aquele(a) que', criando ty-woma-me-ne (te-ceama-me-ne) 'aquele/aquilo que funciona como (lugar de) guerra', portanto 'campo de batalha', traduzido para o Tupi como Marangûab 'lugar de batalha', isso indica que a língua Kariri da região próxima de Maranguape tinha tendências conservadoras na morfologia da língua.


 Não temos dados que corroborem muito com argumentos para a sintaxe, mas é possível inferir que, por conta da influência do Tarairiú, haveria modificações no sistema de conjugação da língua. Primeiro que o Tarairiú faz a distinção de realis e irrealis, vemos isso em seu uso de morfemas em suas formas não finitas, como gon-ya 'dormir (realis)' (*gõ-r 'dormir.NF' do Proto-Jê Setentrional), que, hipoteticamente, baseando-se na regra Macro-Jê, teria como forma irrealis (futuro, hipotético, imperativo) *gõ (*gõ 'dormir.F', usado quando conjugado e também no imperativo).


Além dessa distinção antiga do Macro-Jê, o Tarairiú redesenvolveu essa regra para palavras que havia perdido suas codas, usando da sufixação de *-ka (Xukurú -go, Janduí -g, Areriú -ka, Juká -'a) que marca o realis (pretérito perfeito e presente, tudo que é real), enquanto -mâ (como em xikumâ 'defecará' e Terapissima 'futuro acampamento unido') marca o irrealis (tudo que não é real, futuro, imperativo, optativo, desiderativo, pretérito imperfeito).


 Falo desse sistema por quê sabemos que esses povos teriam interagido por séculos uns com os outros, seja a partir de alianças, casamentos e/ou guerras, independentemente, um sprachbund seria criado, e aspectos da gramática de um convergeriam para a do outro igualmente, criando uma forma de falar local característica. A única frase que temos das proximidades do Ceará e RN é de um ritual dos Janduí:



Ga anes yedas hade congdeg houh

ga anes yedas hade congdeg houh

tu assim mandar milho caçar CAUS


'que tu faça ser enviado milho e caça'


ga = 'tu' (NIKULIN, 2020, p. 524, *ga 'tu')

anes 'assim' < verbo auxiliar (NIKULIN, 2020, p. 498, *(c)anẽ 'fazer assim' + ja 'irrealis)

yedas 'enviar, mandar' < verbo 1 (NIKULIN, 2020, p. 497, *jando 'enviar' + ja 'irrealis')

hade 'sabugo, milho' (NIKULIN, 2020, p. 494, *jate 'haste de palmeira', virou 'sabugo' na língua Tapayúna)

congdeg 'caçar' (sem distinção entre verbo e nome, assim: 'caça, animal', NIKULIN, 2020, p. 497, *kundo 'caçar' + -ka 'realis')


Obs.: as quatro primeiras palavras dessa frase, registrada por cronistas holandeses, repetem-se três vezes, mas eu retirei a repetição para deixar claro o que a frase seria se falada fora do contexto do ritual.



 Perceba que a fala dos Janduí é característica das línguas Jê, pouca afixação, com tendências isolantes e analíticas, a língua mais próxima dos Teceamamene seriam os Payakú, cujo tiveram um municípío próximo de Maranguape nomeado em sua homenagem, Pacajus. Este povo teria sido a principal fonte de tal influência Macro-Jê.


 O primeiro texto é uma forma baseada na comparação de dados, que indicam fortemente que a língua falada em Teceamamene era relativa direta do Kaliña das Guianas e parte da ramificação nortenha dos Kariri, outra ramificação que será traduzida logo abaixo é daquela dos Kinkú, cujo o Woyana, de acordo com análise do professor Valdivino e minha, seria dialeto deste, também podendo ser a língua do povo Jaguaribara.


 A língua Woyana compartilha seu nome com o Wayana, membro da mesma ramificação que não migrou para o nordeste brasileiro e sim ficou entre o Amapá e a Guiana Francesa, Tavares fez uma análise perfeita da língua em 2006, dando-nos dados o suficiente para compararmos com os dados do Nordeste e reconstruir esse idioma. O Woyana já teria tendências de redução silábica, mas com a influência das línguas Tarairiú, que já tinha a tendência de ter sílabas de VCVC, muitas das quais adquiriram o último C por meio de redução silábica, tal processo já nativo teria sido reforçado, como prova a palavra bu 'traíra (peixe), que é a pronúncia Teceamamene da palavra Woyana *buk, derivado de bu-ka 'carne-remover' (sim, é cognato do bu 'pele, casca' das línguas Kariri).

 Também temos mais dois dados da língua, de novo, baseado na pronúncia dos Kariri que participavam da mesma ramificação que os Teceamamene: Guasa-puina 'multidão de tapuias (provavelmente acampamento principal de uma das divisas dos Woyana, em Tapuiú, ao oeste de Camocim), com Guasa derivado de Wayana, demonstrando que já houvera ocorrido a redução:


Wayana > Wayan (pronúncia Woyana) > Wasa (palavra adotada com a redução silábica e queda da coda -n)


 O último dado é o antigo nome do rio Jaguaribe, que é Suaguarine, palavra essa claramente deriva do Tupi Antigo îagûar-a, mas com uma pronúncia divergente da que normalmente se espera, indicando que ela não estava sendo pronunciada por Tupis, e sim pelos Jaguaribaras, a presença do sufixo -ne indica que se trata de um substantivo agentivo, portanto suaguari-ne 'aquele que é onça'. Tavares confirma em seu documento que kaikui 'onça' também é kaikui 'guerreiro', portanto Suaguarine está traduzindo a palavra 'guerreiro' com um empréstimo do Tupi, indicando que, apesar da tendência monossilábica da língua, ainda surgiam palavras polissilábicas através de empréstimos dos idiomas locais e possivelmente através de compostos.


 Com tudo isso dito, aqui está minha reconstrução da língua Woyana, baseada na gramática de Tavares, 2006 + dados dos topônimos cearenses:




K-om (lit.: nossa língua)


       S-aî ty ka ty lo s:ik ty kup: më-m na, sa:-p yl ûë Kan me T-aî pep: sy lë lop: Sop Kam la, yl lo mnok s-aî m:e, sy mot up m:e: Ty ka. Num ty yl sin, ty pok Tu:l k:aî Pok po pëk t-yn: yl pi-p m:e, tëp m:e, py-m ot me, aî Py lë-n yl pym s-aî ko ty kup: ty mam pok po sa:-p ûan: me ûë, ty ûë sem sy ka "mam to: yl"




Curanary (lit.: nossa língua)


       Tep:usicimene pa tecane weî tapa:mene sopo, ure cere ta, sapo sa' Tu:si me Teceremenere sasipe pe tema'ma:ne cereno acurap:u teturu:re saîto:, tecane sewar:an. Mo:se te tecerene tusa' Turu: coro:n Ereru: owin temene cereto: capampose, to'se, maînato:se, tonomese, sano Pe apoto:re cereto: cetoto: tanesa Tapa:mene, tecurepomene uto: puwase, teworo ameco "mamito: cerese" sicasa.

      


Português


       O ser humano é um ser microcosmo do universo macrocosmo, no princípio da criação Deus como o Ser Supremo sentiu um profundo Amor Eterno criando o mundo cheio de vida entre elas uma em especial o Ser Humano. Essa energia criadora que organizou o Caos sob a Ordem da unidade harmônica dos elementos químicos, minerais, vegetais e os animais, sendo o Amor o sentimento de criação e conexão dos seres do Universo que faz tudo funcionar num princípio evolutivo e outras culturas chamam processo criativo.



A língua Woyana é mais monossilábica e analítica que a sua língua irmã, o Teceamamene, também como indica Tavares, tinha tendência de trocar /r/ por /l/, e as línguas do Ceará do grupo Caribe trocavam o i grosso por /e/, juntando isso com a redução silábica de punka > buk, veríamos que o verbo yry 'fazer' viraria yl /ɪl/. O autor também relata que a língua, apesar de ainda fortemente sintética, tinha adquirido em algum momento características analíticas, como a falta de conjugação para o passado e o gerúndio, deixando o verbo em sua forma base, portanto yl significava tanto ‘feito’ quanto ‘fazendo’, um conceito nada alienígena ao Macro-Jê, que possui a diferenciação de finitude e não-finitude através de sufixação.


 Com isso, o estudo ainda não está concluído, também irei publicar esse texto de novo levando em consideração que os Jaguaribaras foram fortemente influenciados pelos povos Tupi, então apesar de vocábulos nativos sem dúvidas existirem, também teriam equivalentes Tupi, como suaguari ‘onça’ (aqui sûaûari).





Autor da matéria: Suã Ari Llusan 



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