sábado, 14 de setembro de 2024

ANALISE DO WOYANA, PROCESSOS DE COMPOSIÇÃO, SUGESTÃO DE ORTOGRAFIA E DADOS DIVERGENTES ENTRE O WOYANA E WAYANA


 Comecemos com os dados divergentes que mencionei no título, pois é um tópico fascinante, que implica em como a língua se parecerá em sua forma reconstruída. O Woyana tem forte ligação com os Jaguaribaras, sendo ou dialeto deste ou irmão direto da língua do povo de Warakapassu, os poucos dados da língua Jaguaribara provam essa relação, como a palavra para a deusa da lua, Nuã, que é cognata do Wayana nunuwë ‘lua’, indicando mais uma vez o processo de monossilabização que discuti anteriormente.


 Ainda nesse processo de monossilabização, que afirmo aqui, não é estranho para os povos Kariri, visto que o Dzubukuá, Sapuyá, Kipeá e Kamurú todos passaram por isso. Você deve até estar se perguntando, “ah, mas as palavras do Kariri não são monossilábicas” temos padzu, ambule, buiddi, bucco, cradzo e várias outras que, no mínimo, são de duas sílabas, outras são maiores como anhirocla, claraiddo, muiquedde, tonranran e etc. 


 Apesar das estruturas que recebemos a partir da documentação serem praticamente quase todas de mais de uma sílaba, o interessante para nosso estudo é como essas palavras se decompoem, elas não são como no português, que temos algo como casa, que não se separa como duas sílabas com signifiados próprios ca-sa, mas no Kariri, cada sílaba nativa da língua possui uma função gramatical e/ou semantica, veja por exemplo padzu ‘pai’, que tem duas palavras que podem ser analisadas como ‘pai’, pa ‘pai’, derivada de uma ‘nursery word’, ou seja uma palavra de berçário, que são as primeiras palavras faladas por bebês, como dada, mama, nana,  baba, tata e papa, por último dzu ‘pai’, que deriva do Proto-Caribe *jumy ‘pai’, assim criando pa-dzu ‘pai-pai’, isso é chamado de composto de sinônimos, um estratégia comum em línguas monossilábicas, como o mandarim, vietnamita e birmanês.


 Outra estratégia de composição é aquela em que os dois componentes complementam o significado deseja-se alcançar, como tu-yó ‘zombar’, que é tu ‘brincar’ (cognato do Xavante to ‘brincar’) + yó ‘falar’ (cognato do Xavante nhamri ‘falar’), derivados do Natú, que também é monossilábico e mais analítico e isolante que a família Kariri.


 O Woyana teria, a partir desse processo adqurido tais estratégias, mas algumas não seriam devido ao contexto em que elas se encontram. Veja nuã ‘lua’ é a palavra que foi herdada no Woyana de um antigo nunuwë ‘lua’, perceba também que a palavra não inovou o léxico, como no Kariri que virou kaya-ku ‘noite-branco’ ou ‘o branco da noite’.


 Outro aspecto que devemos especular sobre são os classificadores, que servem também para desambiguar palavras e criar novas a partir da composição com elas, sabemos que algumas como kro- ‘classificador de objetos redondos’ não teriam exisitido no Woyana, visto que esse deriva do Terejê kra-, que por sua vez deriva do sistema de classificadores do Jê Central. Com a ausência dos Terejê no norte do Ceará, não haveria, realisticamente, chances de tais palavras adentrarem o léxico da língua Woyana, porém, sabemos que a ramificação Wayana desenvolveu classificadores genitivos, que são aqueles que surgem em palavras que não podem ser marcadas com a posse de forma comum, digamos por exemplo alu: ‘espelho’, normalmente essa palavra teria que ser possuída não como  w-alu: ‘meu espelho’, mas sim usando o classificador adequado para ela, que seria kly: ‘coisa’, portanto wu-kly: alu: ‘minha coisa, o espelho’, o mesmo serviria para animais, comidas, bebidas e outras tipos:



ot ‘comidas derivadas de animais’

kaîm ‘caça’

aky: ‘animal de fazenda, parasita, raça de animais’

anon, non ‘pintura corporal’

wok, ok ‘bebida’

ek ‘animal de estimação’

kly: ‘coisa’

mu: ‘isca’

t:a: ‘lugar, vila’

kan: ‘comida derivada de animal moqueada’

mpy: ‘comidas vegetais’

nem ‘comidas/frutas suculentas’

ka top ‘coisa’


 Falo desses classificadores por quê eles serão necessários na hora de compor novas palavras, recomendo que, na ausência do sistema das línguas Kariri do sul, esses classificadores citados acima tornem-se os prefixos classificadores da língua Woyana, assim tornando fácil criar novas palavras e não confundí-las, como bu ‘carne, polpa, pele, casca’, que pode criar:


nem bu ‘polpa de fruta’ (nem ‘comida suculenta’ + bu ‘carne, pele, polpa’)

t:a: bu ‘açogue’ (t:a: ‘lugar’ + bu ‘carne, pele, polpa’)

ot bu ‘carne’ (ot ‘comida derivada de animal’ + bu ‘carne, pele, polpa’)

mu: bu ‘isca’ (mu: ‘isca’ + bu ‘carne, pele, polpa’)



 Isso leva a uma boa transição para o próximo tópico dessa publicação, que será a ortografia que proponho para o Woyana. As línguas Kariri são morfossintaticamente sintéticas, como seu ancestral, o Proto-Caribe, por isso eu tendo a não separar os morfemas por hífens ou por sílabas independentes, por quê o Kariri depende muito de aglutinação (junção de morfemas e uma palavra só), o que tornaria a língua esteticamente inaprazível aos olhos, com muita separação que dificultaria a leitura.


 Das duas línguas que estudei até agora que são monossilábicas, o Masakará e o Natú, ambas tendem a ter composição máxima de quatro morfemas, e essas palavras, que já são consideradas enormes nesse sistema, são composições de palavras de duas sílabas já existenstes, como no caso da palavra ‘muito’ do Masakará: baw dzö ero äng, que é composta de baw dzö ‘mão passar’, ou seja ‘passa da contagem nas mãos’ e ero äng ‘muito é’, ou seja, são dois compostos separados que formam essa palavra maior. O Natú forma compostos de repetição, como ca ki ca ‘fogo madeira fogo’, onde ki ca já existe desde o período do Proto-Macro-Jê, enquanto do ca inicial foi separado especificamente para reforçar o significado.


Essas estruturas de composição tornam mais fáceis separar os morfemas, que só possuem uma sílaba e possuem estratégias de desambiguação que facilitam distinguir no texto qual palavra é qual, eis o por quê de eu ter decidido escrever essas duas línguas morfema por morfema, e para o Woyana, que possui estrutura similar, adoto o mesmo sistema de separação de morfemas, por isso temos mu: bu e não mu:bu. Um documento separado explicando o uso de cada letra e símbolo será publicado em breve.


 Para concluir, explico aqui que o Woyana já havia divergido bastante do Wayana, como em seu desenvolvimento do fonema /j/ (y de yacá ‘cachorro’ do Kipeá) para /s/, isso paralelo ao Kariri, que desenvolvem esse som ou em /ts/ ou /dz/, não encontrei provas de que esse som se tornou /ʒ/ (j de janela) ou /dz/, apenas /s/, como no seu próprio nome Wa sa 'Woyana’ derivado de Wa yana e Swawari do Tupi îagûar-a.


 O Ybutritê indica que o fonema /h/ existia, tal não existia no Proto-Caribe, portanto deve ter se desenvolvido da mesma fonte que do Wayana das Guianas, que foi de um antigo /s/, portanto vemos o que é chamado de mudança em cadeia:


/s/ > /h/, portanto /j/ > /s/


 Tais mudanças são atestadas naquela região fronteiriça do CE-RN, como no Janduí, que pronuncia Kosetug como Kohituh de forma livre, ou o sufixo causativo houh, derivado do instrumental *co do Proto-Jê Setentrional, então pode-se argumentar que, desde aquela época, havia essa transição de /s/ e /h/ na língua do ramo Wayana.



Fontes: Tavares, A Grammar of Wayana, 2006





Autor da matéria: Suã Ari Llusan 



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