No coração da Caatinga, em tempos de sol ardente e céu sem nuvens, tudo parecia adormecer. A vegetação se vestia de marrom, os poços se esvaziavam como panelas esquecidas no fogo, e os pássaros batiam asas para outras terras em busca de alento. Era o tempo da estiagem, o tempo em que o povo esperava em silêncio os sinais da mudança.
Mas havia um som que rompia a secura do vento: o canto firme e vibrante de Araci, a Cigarra. Seu nome, herdado do tupi antigo — Ciara, "Mãe do Dia" — ecoava pelas matas como se o próprio tempo tivesse voz. Para os mais desatentos, era apenas um som de verão. Mas para os antigos, para os que escutam com o coração, seu canto era anúncio, era aviso, era profecia.
"Estar... terminando... o verão...
Estar... chegando... o inverno...
Bis... Bis... Bis..." — entoava ela, com paciência sagrada.
E então, como se obedecessem à sua melodia ancestral, as nuvens se formavam no céu. Em poucas horas, ou talvez dias, as primeiras gotas caíam sobre a terra quente. A chuva trazia o verde de volta, despertava sementes adormecidas, enchia os olhos do povo de esperança. Os riachos corriam para o Velho Chico, as lagoas transbordavam de vida, e a alegria dançava nos rostos das crianças.
Quem vem de longe talvez não entenda. Talvez não saiba que a Mãe Terra fala. Mas os povos da floresta, os guardiões do saber antigo, escutam e aprendem. Sabem que a natureza tem seus termômetros — os ventos, os pássaros, os roedores, os ciclos. E que também tem seus mensageiros: o sapo, o joão-de-barro, e, acima de todos, Araci, a cigarra anunciadora.
Desde tempos imemoriais, os povos indígenas convivem com esses seres com respeito e aprendizado. Porque a floresta ensina, a chuva ensina, o canto da cigarra ensina. E quem escuta com sabedoria, aprende a viver em harmonia com o mundo.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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