Diz o povo antigo de Porto Real do Colégio, que sob as águas barrentas do Velho Chico dorme um baú pesado de ouro, guardião silencioso de uma história marcada por fé, cobiça e sofrimento.
Nos tempos das Missões, os jesuítas vieram com cruz e palavra, mas também com sede de poder. Administravam as terras indígenas como senhores, arrendando-as aos colonizadores e acumulando, ao longo dos anos, ouro, joias e fazendas ofertadas por fiéis devotos. No coração da Missão de Colégio, em Alagoas, ergueu-se um cofre que mais parecia uma lenda viva: o Tesouro dos Jesuítas, um grande baú de madeira de lei, envolto em sigilo, suor tristeza. O nome de baú na língua é Cramenú Dzoré que significa "caixa reluzente".
Os indígenas trabalhavam de sol a sol. Seus cantos se calavam sob a voz dos sinos e dos açoites silenciosos do sistema. Os padres, João Batista e Nicolau Botelho, eram os guardiões do tesouro, mas também do segredo que o envolvia.
Com o tempo, rumores começaram a correr pelos aldeamentos: os jesuítas estavam sendo expulsos, um a um, por ordem da Coroa portuguesa. Alguns foram presos, outros enviados para longe, proibidos de retornar ao solo que haviam ocupado em nome de Deus.
Na calada da noite, sentindo o cerco apertar, os dois padres reuniram seus bens mais valiosos. Colocaram tudo dentro do grande baú, envolveram-no com correntes de ferro e, rezando uma prece, lançaram-no nas profundezas do Rio São Francisco. Diziam que, um dia, quando pudessem voltar, puxariam pela corrente e resgatariam sua fortuna.
Mas os padres nunca mais voltaram.
O tempo passou. A missão ficou em ruínas, o povo resistiu como pôde, e o tesouro virou apenas história contada em roda de fogueira — até que o velho pescador Joãozinho quebrou o silêncio da lenda.
Segundo contou o Cacique Cícero Irecé, Joãozinho certa vez lançou sua tarrafa no Porto dos Padres. Sentiu um peso estranho. Quando puxou, não era peixe, era ferro — uma corrente enferrujada. No outro extremo, entre redemoinhos e reflexos dourados, surgiu um baú antigo. O pescador mal teve tempo de tocar a caixa: a corrente se rompeu, e o tesouro voltou ao fundo do rio, como se o próprio São Francisco quisesse escondê-lo outra vez.
Durante muitos anos, pendurada na parede da casa de Joãozinho, ficou a ponta daquela corrente — lembrança de um encontro entre mito e verdade.
Muitos tentaram seguir os passos do velho pescador, mas o rio, teimoso e sagrado, continuou a mudar. O leito se encheu de areia, as águas esconderam o segredo, e o baú ficou perdido no tempo.
Hoje, só a história permanece. E quem sabe — um dia — o Velho Chico resolve contar de novo.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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