Houve um tempo em que a aldeia enfrentava dias de grande escassez. O silêncio dos estômagos vazios pesava mais que o calor do sol, e a fumaça das panelas vazias subia apenas com água e esperança. Diante disso, os anciãos se reuniram em volta da fogueira sagrada. As chamas dançavam como espíritos atentos, enquanto o pajé, com seus olhos sábios e voz firme, chamou o cacique e a comunidade para tomar uma decisão.
Era hora de invocar o antigo costume: SITOHOYÉ, a caçada coletiva.
Logo ao amanhecer, um grupo foi escolhido entre os mais valentes e hábeis guerreiros. Cada um com sua vocação, cada passo guiado pelo espírito da floresta. Saíram em silêncio, com o coração firme e os olhos atentos ao chamado da natureza.
Primeiro chegaram ao rio. As águas corriam calmas, mas pareciam vazias. Nenhum sinal de peixes à vista. Foi então que Pirapotã, conhecido por mergulhar fundo nas águas da Mãe-Terra, olhou o rio com atenção e disse:
— Aqui moram os peixes de águas profundas.
Sem hesitar, mergulhou. E logo trouxe à tona surubins, niquins e curimatãs, que brilhavam como prata molhada.
A jornada continuou. No interior da mata densa, o grupo encontrou árvores carregadas de frutos. Mas estavam altos, fora do alcance. Foi aí que Itawaçú, o escalador mais ágil da aldeia, subiu como um vento leve entre os galhos. Em pouco tempo, desceu com goiabas maduras, pitangas vermelhas como sangue novo e cachos de aricuri.
Mais adiante, na beira de um lago, viram aves em revoada: nambús, marrecas, patos selvagens. Eram ligeiras, quase impossíveis de alcançar. Mas Muirátã, o melhor arqueiro do povo, firmou seus pés na terra, puxou o arco com serenidade e, com flechas certeiras, abateu várias aves.
Seguindo as trilhas, Candará, o mestre rastejador, estudava as pegadas no chão com a sabedoria dos bichos. Logo descobriu os esconderijos das cutias, preás e tatús. Com cuidado e precisão, caçaram sem desperdício.
Enquanto isso, Natirã, o farejador da aldeia, sentiu no ar o perfume adocicado das flores. Seguindo o aroma, encontrou uma colmeia escondida entre as árvores. Com respeito e técnica, retiraram mel puro, que escorria como ouro vivo entre os dedos.
Depois de dias na mata, os guerreiros voltaram. A aldeia os recebeu com cantos e sorrisos. Trouxeram fartura: peixe, caça, mel, frutas e aves. Mas mais que isso, trouxeram a força da união. Porque foi o dom de cada um, somado ao espírito do coletivo, que saciou a fome de todos.
E assim, entre cantos, danças e partilha, SITOHOYÉ se tornou mais do que uma caçada: virou lição de vida.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

Nenhum comentário:
Postar um comentário