segunda-feira, 30 de junho de 2025

ERIWÍ INGHÉ TOKENHÉ, A Visita das Crianças aos Velhos

 







O sol derramava sua luz dourada sobre a aldeia, filtrando-se entre as folhas dos cajueiros e jaqueiras. Em um canto sombreado da praça sagrada, troncos antigos de pau se dispunham em roda. Ali sentavam-se os velhos — os guardiões da memória, as raízes vivas do povo.


Caminhando de mãos dadas com o avô, o pequeno Jandui observava com curiosidade os anciãos. Suas peles marcadas pelas rugas contavam histórias que não estavam escritas em papel algum. Ao se aproximar, o avô cochichava com reverência:


— Dê a bênção aos mais velhos, meu neto.


Jandui assim o fazia, mesmo sem entender bem o porquê. Após algumas visitas, a dúvida brotou de sua boca inocente:


— Vovô, por que o senhor sempre me traz aqui? Por que me apresenta a esses velhos e manda eu dar a bênção?


O avô parou por um instante. Seus olhos miraram longe, como quem buscava nas brumas da memória a resposta já muitas vezes ouvida.


— Meu neto... estou apenas repetindo o que meu avô fazia comigo. Essa mesma pergunta eu também fiz um dia. E ele me respondeu assim: “Levamos nossos netos para ver os anciãos para que nunca esqueçam quem foram os nossos. Para que gravem seus rostos, suas rugas, suas vozes e, sobretudo, suas histórias. Porque é assim que se mantém viva a tradição.”


Jandui escutou atento, os olhos arregalados de encanto e respeito.


— Agora entendi, vovô. Eu nunca mais vou esquecer os anciãos. Quero sempre vir aqui, ouvir eles falarem. Eu quero ser igual ao senhor... contar histórias dos velhos.


O avô sorriu com os olhos úmidos de emoção. Naquele instante, sentiu a certeza de que o fio da memória não se romperia. O tempo seguiria seu ciclo sagrado. Jandui seria a nova voz do povo — um contador de histórias nascido do ventre da tradição.


E assim, sob as bênçãos dos mais velhos e os olhos atentos das crianças, a sabedoria dos antigos continuava a caminhar pelas trilhas da aldeia, carregada por pés pequenos, mas de coração imenso.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó  




VERSÃO EM CORDEL 


 “Eriwí Inghé Tokenhé – A Visita das Crianças aos Velhos” em forma de cordel rimado e metrificado, mantendo o espírito da tradição oral e da memória ancestral:


ERIWÍ INGHÉ TOKENHÉ






A Visita das Crianças aos Velhos

Cordel de Nhenety Kariri-Xocó


No terreiro da memória,

Brilha a luz do sol sagrado,

Ali o tempo é história,

No silêncio respeitado.

Sentam-se os anciões,

Feitos troncos assentados.


No meio da meninada,

Vai Jandui com seu avô,

Pisando em terra encantada

Onde o tempo não passou.

Com olhar bem curioso,

Foi assim que perguntou:


— Vovô, diga uma razão,

Que eu ainda não entendi:

Por que toda ocasião

Traz o senhor eu até aqui?

E por que manda eu saudar

Esses velhos por aí?


O avô, homem sabido,

Fez silêncio pra pensar,

E o olhar já comovido

Deu-se então a recordar.

Com voz mansa respondeu,

Começando a ensinar:


— Meu neto, essa pergunta

Um dia também eu fiz.

Lá no tempo da escuta

De meu avô tão feliz.

E ele assim me dizia,

Com saber que não se diz:


— Levamos os menininhos

Pra ver os velhos do chão

Pra que nunca esqueçam deles,

Raiz viva do sertão.

Cada ruga é uma lembrança

Guardada no coração.


— Ouve a voz dos anciãos,

Olha bem o seu semblante.

Cada fala, cada canto,

É saber que vai adiante.

Pra criança memorizar,

Pra manter vivo o instante.


Jandui ouviu calado,

Mas sentiu no peito a chama.

E com o olhar encantado

Disse aquilo que mais clama:

— Vovô, vou ser contador,

Das histórias da nossa rama!


— Quero vir sempre escutar

Esses velhos tão sagrados.

Quero um dia recontar

Os seus contos encantados.

E levar no pensamento

Seus conselhos abençoados.


O avô sorriu contente,

Como quem vê novo dia.

Na criança viu presente

Que renova a profecia.

Com saber vindo da terra,

Com memória e poesia.


E assim segue o legado,

De contar e de lembrar.

Pelos netos levado

Pra jamais se apagar.

A palavra é semente,

Que só quer germinar.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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