sexta-feira, 27 de junho de 2025

PIRACEMA, A Subida dos Peixes






Era tempo de silêncio e de reverência nas margens do Opará, o velho Rio São Francisco, que serpenteava como um ser sagrado pela terra dos antigos. Os mais velhos já sabiam: quando o calor do ano se despedia de outubro, o rio começava a escutar os passos dos peixes. Era a Piracema que se aproximava, a subida dos que nadam contra a corrente, como se quisessem voltar ao ventre do mundo para gerar a vida outra vez.


Na língua dos antigos tupis, "pirá" é peixe, e "cema" é sair. Saída dos peixes. Mas não era uma fuga – era um retorno sagrado. Era tempo de desova, de alevinos nascendo, de águas se tornando berçários invisíveis. As lagoas transbordavam. As várzeas pulsavam. E o povo sabia: ali era o mistério da renovação.


As crianças da aldeia corriam à beira do rio, os olhos brilhando de curiosidade. Perguntavam aos mais velhos:


— Por que os peixes sobem, se a correnteza os empurra para baixo?


E o ancião respondia com a voz baixa, mas cheia de força:


— Porque a vida também é assim, pequena. Às vezes, temos que nadar contra o tempo para gerar o amanhã.


Durante aqueles meses – de 1º de novembro até o fim de fevereiro – os remos repousavam, as redes dormiam em silêncio, e os pescadores contavam histórias, não peixes. Era o tempo do defeso, tempo de respeito, tempo de deixar a natureza seguir seu caminho.


Mas nem tudo era como antes. Grandes paredes de concreto – chamadas hidrelétricas – se ergueram no caminho das águas, e a correnteza já não corria tão livre. Mesmo assim, os peixes insistiam. Subiam, lutavam, dançavam com as pedras e os barrancos. A Piracema ainda acontecia, embora mais tímida, quase como uma lembrança da fartura antiga.


O povo sabia: a Piracema não fora criada pelo homem. Ela acontecia bem antes de existir cerca, cerca elétrica ou portaria de lei. Era coisa da Mãe Natureza. Os humanos apenas aprenderam a observar e, com sorte, a respeitar.


E assim, a cada novo ciclo, o rio ensinava de novo a lição da resistência e da renovação. A cada peixe que subia, subia junto a esperança de que o futuro, mesmo ferido, ainda podia nascer das águas.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



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