terça-feira, 24 de junho de 2025

UCHÉ IBAWORÓBI, O Tempo das Bicicletas






Na beira serena do Opará, quando o sol ainda dançava por entre as folhas das carnaúbas e os cantos dos pássaros marcavam o tempo do povo, chegou o Uché Caraí — o tempo do homem branco. Veio como vento de mudança, trazendo consigo barulhos estranhos e invenções nunca antes vistas pelos olhos atentos dos mais velhos da aldeia.


No início, vieram as notícias, faladas e ouvidas de boca em boca, como se fossem encantos de outro mundo. Depois, chegaram os próprios milagres do tempo novo: automóveis ronronando pelas trilhas, trens cortando a terra como cobras de ferro. Mas foi em 1954 que algo realmente curioso chamou a atenção dos indígenas do Opará.


O indígena Antônio Correia, que havia atravessado o rio para os lados de Propriá, retornou à aldeia montado num estranho aparelho de duas rodas. Era leve, silencioso e se movia ao compasso dos pés. As crianças correram atrás dele, os mais velhos coçaram o queixo e os encantadores de histórias já sabiam: um novo tempo havia chegado. Deram ao aparelho o nome de Ibaworóbi — “o carro que roda com o pé”.


Estava inaugurado o Uché Ibaworóbi, o tempo das bicicletas.


Nos anos que seguiram, especialmente a partir da década de 1970, muitos indígenas passaram a trabalhar nas obras de pavimentação da BR-101. Com o suor do seu esforço, compraram bicicletas Monark e Caloi. Eram vermelhas, verdes, azuis — voavam como libélulas pelas trilhas da aldeia.


Na década de 1980, outros irmãos passaram a trabalhar no Projeto Itiúba, nas lavouras de arroz irrigado, e lá também compraram suas bicicletas. A aldeia, antes percorrida a pé, agora ressoava o som leve dos pedais e dos sinos das magrelas.


As bicicletas foram mais do que transporte. Foram companheiras de estrada, amigas dos rituais sagrados, condutoras de alunos à escola e risos às tardes de domingo. Carregaram meninos e meninas, anciãos e rezadores. Viraram parte da paisagem.


Por volta de 1990, a motocicleta chegou como um trovão veloz e tomou parte do lugar das bicicletas. O tempo mudava outra vez. Mas como tudo que é forte na memória, a bicicleta não sumiu — apenas repousou nas sombras.


Hoje, os netos daqueles que viram o primeiro Ibaworóbi montam novamente suas bicicletas. Pedalam não só por necessidade, mas por saúde, por lazer, por alegria. E quando alguém pergunta por que ainda pedalam, eles respondem sorrindo:


— É para lembrar do tempo em que nossos pés rodavam com o vento.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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