Um Conto Sobre a Fotografia Kariri-Xocó
Desde os primeiros tempos, os nativos se encantavam com os reflexos nas águas do rio, com as sombras lançadas pelo fogo ou pelo sol. Chamavam aquilo de waruá — espelho, figura, imagem. A natureza, em sua simplicidade, já ensinava os olhos a verem o invisível.
Foi por volta da década de 1930 que um homem estranho apareceu na Rua dos Índios, com roupas de cidade e um caderno de anotações. Chamava-se Carlos Estevão, e dizia ser estudioso. Observava tudo com atenção: as casas de palha, as crianças correndo, os anciãos sentados à sombra do cajueiro. Mas o que mais espantou os olhos da aldeia foi uma tal de “caixa que fazia imagens”. Uma caixa preta, que ele segurava como um espírito curioso. Ele chamava aquilo de máquina fotográfica.
Carlos tirou retratos dos velhos e das crianças, das casas e dos caminhos. Guardava na caixa a imagem viva da aldeia. Era a primeira vez que o povo via algo tão impressionante. As imagens saíam em folhas — e não eram pinturas — eram sombras vivas da realidade.
Muito tempo se passou. Então alguém perguntou à sábia Pureza Poité:
— Vovó, que nome damos àquela caixa de fazer imagem?
Pureza sorriu com olhos de lembrança:
— Aquilo é Cramiwaá, minha neta. A Caixa de Tirar Imagens.
A filha de Pureza, chamada Jandira, perguntou curiosa:
— E a imagem que sai na folha, como se chama?
— Aquilo é Waruaerã — respondeu a anciã. — É a imagem na folha.
Naquele tempo, ninguém na Aldeia Kariri-Xocó podia ter uma máquina daquela. Era cara, coisa distante da realidade indígena. Mas o filho de Pureza, Jurandi, havia deixado a aldeia em 1942 e fora morar longe, em Manaus, no coração do Amazonas.
Na cidade de Porto Real do Colégio, morava um fotógrafo chamado Jorge Wanderley, irmão da professora Terezinha Wanderley, que ensinava os meninos da Rua dos Índios. Quando havia alguma data especial, como o encerramento do ano letivo, Terezinha chamava o irmão para “tirar retrato dos alunos”, como ela dizia.
Mas o tempo corre como o rio, e Pureza já havia partido para a Aldeia Sagrada. Foi então que, num dia de sol, chegaram à aldeia duas netas suas: Jeronisa e Maria Clara, filhas de Jurandi. O ano era 1975. Vieram do Amazonas com uma câmera fotográfica portátil, dessas que faziam imagem colorida.
Foi uma festa! As meninas fotografaram os primos, as tias, os caminhos de areia, o rio, a casa dos avós — tudo. Queriam levar a aldeia no coração e também em imagem para os parentes distantes.
Assim chegou, de fato, a fotografia à aldeia. Com tempo e memória, o Cramiwaá foi deixando de ser mistério. E hoje, não há quem não tenha uma câmera. Cada um carrega no bolso uma máquina que filma, grava, escreve e até fala. Mas o povo não esquece a primeira vez que viu a imagem na folha.
E até hoje, quando uma criança vê uma fotografia antiga de seus antepassados, alguém sussurra com orgulho:
— Waruaerã.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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