segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

UANIENATÉ – O TEMPO E AS VOCAÇÕES DO POVO






O sol já caminhava lento sobre a aldeia quando dois anciãos, Tanawã e Ibaná, sentaram-se à sombra generosa de uma velha árvore. O vento leve trazia o cheiro da terra e o som distante das crianças brincando. Ali, naquele instante simples, o Uché, o Tempo, parecia escutar atento.

Tanawã olhou ao redor, como quem conversa também com os espíritos antigos, e começou a falar. Sua voz carregava a memória dos povos indígenas e dos costumes que atravessaram gerações.


— Desde os tempos mais antigos — disse ele — nossos parentes vivem do que a terra, o rio e a mata oferecem. Caçamos, pescamos, fazemos artesanato, cuidamos da roça. As mulheres moldam a cerâmica com as mãos e com o coração, outros constroem ocas, canoas e utensílios. Assim sempre foi entre os Kariri-Xocó. Tudo nasce do Itse, a Pessoa, e do Naté, o Trabalho, que sustenta a família e fortalece a comunidade. Alguns se tornam Duboheri, Mestres do saber, e outras, Duboheridé, Mestras da tradição.


Ibaná, que escutava atento, balançou a cabeça em concordância e tomou a palavra, como quem organiza os fios da memória.


— Pelo que conheço — disse ele — as profissões, os Uanienatéá, dos nossos parentes indígenas, na vida tradicional, o Nhenety, são muitas e cheias de significado. Há o Itsemydzé, o pescador e a pescadora; o Itsesitó, o caçador; o Itsenatédda, agricultor da terra sagrada; o Itsebekati, aquele que coleta o mel; o Duboruhú, mestre do artesanato; a Duboheridé Ruñohú, mestra da cerâmica; o Duboerá, mestre da oca; o Duboherubá, mestre da canoa; e o Itseandri, a pessoa do remédio, guardião da cura.


Enquanto falava, Ibaná percebeu que Madysã, sentado ali por perto, ouvia tudo em silêncio respeitoso. Então se virou para ele e perguntou:


— E você, Madysã, que hoje trabalha como farmacêutico no Posto de Saúde da aldeia, o que pensa de tudo isso?

Madysã respirou fundo antes de responder. Seus olhos traziam o brilho de quem caminha entre dois mundos.


— É verdade, meus parentes — disse ele com calma. — O mundo está mudando. Algumas profissões tradicionais tomaram novas formas, porque muitos de nós estão estudando. A profissionalização chegou às aldeias, mas não levou embora nossa essência.


Ele continuou, com a voz firme:


— Os Duboheriá, os Mestres de antes, hoje também são professores que estudaram, mas continuam ensinando com o espírito do povo. Eu mesmo estudei para ser farmacêutico e continuo sendo Itseandri, Pessoa do Remédio. No Posto de Saúde da Aldeia Kariri-Xocó, trabalham indígenas como dentistas, enfermeiras, agentes de saúde, motoristas. São novos caminhos, mas todos nascem do mesmo tronco.


O silêncio voltou a ocupar o espaço entre eles. O vento passou outra vez pelas folhas da árvore, como se aprovasse aquelas palavras. Tanawã sorriu, Ibaná fechou os olhos por um instante, e Madysã sentiu que o Tempo, o Uché, seguia seu curso — levando adiante as tradições, agora caminhando junto com os novos saberes.


E assim, entre passado e presente, o povo Kariri-Xocó continuou tecendo suas vocações, mantendo viva a memória e abrindo caminhos para o futuro.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




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