domingo, 28 de novembro de 2010

O RIO DAVA


   O meu avô trabalhava com os indígenas justamente na limpa da lavoura de legumes, com um salário de fome, insuficiente para o sustento da família. Minha avó Júlia trabalhava como meeira nas lagoas de plantação de arroz, onde os proprietários chamavam os índios para aceitarem o contrato de ficar com a metade da produção no final da safra. O dono da lagoa cedia às mulheres a propriedade para plantar arroz, sem ganhar salário. O pagamento era dar a metade da safra e o trabalho para as índias; o proprietário ficava com a outra metade da produção sem o trabalho, despesa alguma com o arroz; só o uso da terra pelos índios; dava direito ao dono da lagoa a 50% do lucro a custo zero. As índias e as crianças ajudavam as mães: sobravam 50% da produção com as despesas e o trabalho. 
Minha mãe contava que Euclides, meu avô, trabalhava também como agricultor, mas só que era nas terras de vazante do rio São Francisco. As terras de vazante eram aquelas de solo úmido, onde os proprietários também usavam a mão-de-obra barata dos índios no cultivo de mandioca, abóbora, milho e batata. Mas Euclides, além de agricultor, era pescador experiente: possuía a canoa de pesca e os utensílios da profissão.
Quando era três e meia da madrugada, ele ia ao rio São Francisco pescar os covos para pegar camarão. Ao longo da pesca, continuava com a tarrafa lanceando na pesca de outros peixes: curumatá, piau, lambiá e piranha. Logo após a pescaria, ele retornava para casa com o balaio cheio de peixe, às cinco horas da manhã.
A família arrodeava o balaio para ajudar a tratar os peixes que seriam salgados na gamela; os peixes graúdos eram tirados para a alimentação do dia. Na vazante, ele ia após o café; colocava a enxada nas costas e saía para o trabalho, levando uma cabaça d'água e Jurandir, seu filho mais velho, para ajudar no orçamento familiar.

Nhenety Kariri-Xoco 





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